Renato Rovai
Dez propostas para começar a democratizar a mídia
O escritor uruguaio Eduardo Galeano diz que no mundo atual as comunicações são o “centro do sistema nervoso” da estrutura de poder. E diz que: “O mundo, imenso Far West, convida à conquista. Para os Estados Unidos, a difusão mundial de suas mensagens massivas é uma questão de Estado”.
Se no aspecto global a supremacia de uma cultura e de um projeto de mundo está absolutamente relacionada à capacidade que um país e suas empresas transnacionais têm de controlar os meios de comunicação, do ponto de vista nacional isso não é diferente. Ao contrário, ganha contornos ainda mais danosos a um projeto democrático de nação. Por isso, governos que tenham compromissos democráticos deveriam colocar entre suas prioridades a construção de instrumentos que garantam diversidade informativa.
Isso não tem nada a ver com estatização da mídia e nem com censura ou totalitarismo, como virou moda denominar tudo que questione o atual modelo de organização das comunicações no Brasil.
Mas guarda relação sim com a necessidade de começar a mudar uma realidade onde apenas sete famílias e grupos (Marinho, Civita, Abravanel, Frias, Saad, Mesquita e Igreja Universal) controlam 80% das informações lidas em papel, assistidas na TV ou ouvidas em rádios.
E que imponham a partir do controle desses veículos sua visão de país e seus interesses comerciais privados.
Também tem a ver com uma ação que impeça que esses grupos abocanhem a quase totalidade dos recursos públicos destinados à publicidade. A TV aberta no Brasil, por exemplo, fica com aproximadamente 60% da verba publicitária do governo federal. Ou seja, quem financia o hábito da não-leitura no país é o próprio governo. Ao colocar quase toda sua publicidade na TV ele sufoca a produção de veículos escritos.
Existem formas democráticas para mudar essa realidade, apresento a seguir 10 idéias-itens que poderiam começar a construir um caminho nesse sentido. São ações de governo para ampliar a democracia e que contribuiriam para garantir a ampliação da diversidade informativa e criar novas referências no âmbito das comunicações.
1 – Limitar qualquer grupo de comunicação, holding ou família que atue na área a ter mais de 10% das verbas publicitárias totais do Estado em suas diferentes instâncias, incluindo empresas majoritariamente públicas e a administração direta. Isso seria um instrumento de combate à propriedade cruzada.
2 – Não permitir que, em campanhas com verbas publicitárias públicas, um único tipo de veículo (TV, rádio, jornal, revista etc.) receba mais de 1/3 dos recursos.
3 – Criar um percentual obrigatório para que todos os anunciantes do governo destinem em seus planejamentos de mídia recursos para veículos de caráter predominantemente educativo e cultural.
4 – Fortalecer o jornalismo regional, garantindo que um percentual das verbas publicitárias seja destinado a veículos com essas características. O cidadão da pequena e média cidade também financia o Estado. Os recursos dele também têm de voltar como investimento em democratização de sua mídia local.
5 – Não colocar publicidades do governo e de empresas públicas em veículos que aceitam anúncios de cigarros e de bebidas alcoólicas. (O ministro Temporão poderia começar a defender essa idéia no âmbito do governo ao invés de criticar o Zeca Pagodinho, que tal ministro?)
6 – Construir uma política para que empresas privadas e públicas possam financiar a compra de veículos de informação com caráter cultural e educativo (por exemplo, revistas de cinema, arte, história, ciências etc.) para serem distribuídos em bibliotecas de escolas públicas e espaços culturais. A distribuição desses produtos ficaria a cargo do governo que se encarregaria de articular o uso deles nas salas de aula a partir de um plano de trabalho divulgado a cada trimestre pelo MEC para os professores.
7 – A constituição de um instituto público para aferição de audiências e tiragens que possibilite aos veículos regionais, segmentados e de internet a aferição da sua abrangência real.
8 – Criar uma empresa com participação pública e ação em bolsas, para que os veículos possam ser os acionistas, de distribuição de livros, jornais e revistas.
9 – Garantir nas concessões uma cota mínima grupos que representem parcelas étnicas e minorias, a exemplo do Canadá que acaba de ceder uma concessão a grupos indígenas.
10 – Substituir a licitação, que adota prioritariamente o critério econômico, por mecanismos que guardem relação com a representação desses grupos na sociedade.
Cada uma dessas idéias-itens contém especificidades e objetivos. Como se trata de um artigo inaugural para este site, apresento-as de forma curta, mas nos próximos dias vou debatê-las ponto a ponto no meu blog ( http://www.zedirceu.com.br//mambots/editors/tinymce/www.revistaforum.com.br ).
Renato Rovai é editor da Revista Fórum e autor de Midiático Poder – O Caso Venezuela e a Guerrilha Informativa.
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