sexta-feira, novembro 10, 2006

O eleitorado não é doido

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Revista Caros Amigos, outubro/2006
ENTREVISTA:
WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS

“Quando me disserem o que é um governo não-assistencialista, quando me mostrarem o que você põe no lugar da Bolsa Família, com os mesmos efeitos na redução da miséria e que não é chamado de assistencialista porque não traz popularidade, quando me mostrarem isso, que jamais me mostraram, aí eu vou entender o que significa essa diferença. Assistencialista é aquele que assiste, então toda política social assiste os que eram desassistidos, portanto toda política social, pra mim, é assistencialista. Agora, se ela é implementada de uma forma corrupta como era, em que você tinha que se matricular no partido ou levar a cartinha do seu correligionário pra poder conseguir o beneficio, aí não é por ser assistencialista que essa política é ruim, ela é ruim porque é discriminatória. Não é o caso das políticas assistencialistas do governo Lula. Ninguém nunca acusou nem mostrou que essa política está sendo usada discriminatoriamente”.

O carioca Wanderley Guilherme dos Santos não repousa sobre os louros. Professor titular aposentado de Teoria Política da UFRJ, laureado pela Guggenheim Foundation e consagrado um dos cinco maiores cientistas políticos da América Latina pela Universidade Autônoma Nacional do México, continua atuante: dirige o Laboratório de Estudos Experimentais da Universidade Cândido Mendes, centro interdisciplinar de pós-graduação. Da sala repleta de livros no décimo andar de um prédio no centro do Rio, brotam pesquisas de ponta a amparar o seu pensamento não raro profético. Um exemplo: o golpe militar de 1964 foi antecipado por ele em um livro escrito em 1960, "Quem vai dar o golpe no Brasil". Também foi dele a única entrevista a prever "o golpe branco" contra o presidente Lula semanas antes do início da crise política de maio do ano passado. Falando dias depois do primeiro turno das eleições, apesar da indefinição do cenário político e de uma gripe violenta contraída no domingo de garoa da votação, o professor Wanderley não fez por menos: demoliu mitos sobre o sistema eleitoral e a democracia brasileira e fez uma defesa lúcida e apaixonada do eleitorado brasileiro. E fez previsões, sem medo de errar.

Marina Amaral - No seu último livro, o senhor diz que é fã do sistema eleitoral brasileiro, criticado por muita gente. Como o senhor vê essa grita por reforma política por parte de parlamentares e analistas?
Bem, há duas maneiras de abordar isso. Relembrar todos os tópicos de reforma sugeridos de vez em quando aqui e acolá por políticos ou intelectuais, o que seria muito tedioso, ou, de maneira mais atual, verificar a questão de como é duvidoso o comprometimento dos reformistas com suas próprias propostas, que só surgem quando lhes interessa. Estas eleições já revelaram esse aspecto em relação a dois tópicos: a cláusula de barreira e a migração partidária. Essa foi a primeira eleição em que foi efetivada a cláusula de barreira e, tal como foi inventada, aplicada e legislada no Brasil - uma jabuticaba jurídica, como escrevi em um artigo pra Carta Capital -, cria a figura do zumbi parlamentar. Ou seja, o cidadão é candidato em pleno gozo de seus direitos civis e políticos, é eleito e, se o partido pelo qual foi eleito não ultrapassar a cláusula de barreira, ele é reclassificado, deixa de ser um deputado em igualdade de condições com os demais.

Marina Amaral - Vira um parlamentar de segunda classe.
Porque não pode participar de comissões, não pode participar das mesas diretoras, não tem direito a certas prerrogativas de liderança, não tem reconhecimento, legalmente ele é um zumbi parlamentar. O que se faz com isso? Essa é a questão. A lei criou essa figura do parlamentar que só tem direito de fazer discurso no plenário. É um resultado inteiramente esquisito, abstruso, uma semicassação a posteriori da eleição. O partido não ultrapassou a cláusula de barreira, e o candidato eleito é imediatamente amputado dos direitos que, eventualmente, até alguém com menos votos do que ele continua a ter. Mas, como nossa elite política é bastante esperta, já está resolvendo o problema. Como? Os grandes partidos estão recrutando para as suas legendas esses zumbis parlamentares, que assim voltam a ter uma existência parlamentar plena e o partido que o recruta aumenta a bancada. Bom para ambos, mas ninguém perguntou ao eleitor o que acha disso. Esse eleitor teve seu voto desqualificado ex post, depois da eleição. Isso é uma maluquice. E, para resolver o problema criado pela cláusula da barreira, os mesmos que a defendiam como uma das maneiras de barrar a migração partidária - políticos que são eleitos por uma legenda e se transferem para outra - acabam patrocinando essa migração. Por exemplo, o Fernando Gabeira, que foi eleito pelo PV, que não ultrapassou a cláusula de barreira, pode ir para o PSDB.

Marina Amaral - Pode ir pro PSDB?
PSDB, estava no jornal ontem (3 de outubro) que as conversas já estão adiantadas. Mas, seja qual for o partido, ninguém perguntou ao eleitor do PV - que é um eleitor muito típico, focado na questão ambiental - o que ele acha do fato de o deputado que elegeu se tomar um zumbi parlamentar ou passar para a bancada do PSDB, do PDT, do PT, PFL. E isso está sendo aplaudido pelas lideranças reformistas e também pela crônica política, como uma brilhante solução para o problema do zumbi parlamentar. Como digo há dez anos, a questão da reforma política é uma mistificação; a proposta não tem nada a ver com o problema ou a necessidade de tomar o sistema político brasileiro mais autêntico, mais eficiente - tem a ver com o fato de criar condições para maior oligarquização. Isso faz com que os grandes partidos levem vantagem, porque absorvem esses quadros.

Marina Amaral - Quais dos grandes partidos sairão mais fortalecidos com essa incorporação política?
Seguramente o PSDB e o PFL, porque grande parte dos zumbis parlamentares é de partidos como o PV, que é mais próximo do PSDB do que de qualquer outro partido, ou como o PPS, que já vai se dissolver tranqüilamente no PSDB. Após uma discussão que tem mais de uma década se criou um bode, o zumbi parlamentar, para obter, na verdade, a migração partidária, violando uma das principais demandas da reforma política, que era acabar com essa imoralidade.

Marcos Zibordi - Mas isso não pode trazer uma situação mais estável nas próximas eleições, com poucos partidos grandes que conservem seus parlamentares?
Poder pode, mas significa que, caso o PV não apresente mais candidatos ou ninguém mais queira ser candidato pelo PV, ele deixa de existir. O problema é saber a quem interessa o desaparecimento de partidos como o PV, o PC do B. Porque os partidos pequenos jamais atrapalharam o funcionamento ou desempenho da Câmara dos Deputados, não existe isso. Nem mesmo contribuíam negativamente para a taxa de desperdício - os votos dados a partidos que não conseguem eleger nenhum representante. Fiz os cálculos dos votos desperdiçados nas eleições de 1994, 1998 e 2002 dados a trinta partidos. Os reformistas reclamam: "Trinta partidos! Isso é uma maluquice, uma loucura". Mas a maior taxa de desperdício dessas eleições, que é a das eleições para a Câmara dos Deputados, foi de 2 vírgula qualquer coisa por cento do total dos votos válidos. Para a Assembléia Legislativa, essa porcentagem de desperdício diminui, porque há muito mais vagas do que os 513 lugares da Câmara dos Deputados. São 27 assembléias estaduais com uma média de trinta, quarenta deputados cada uma, e aí o espectro político aumenta e, portanto, esses partidos têm maior possibilidade de representação. Nas eleições municipais, então... Em 2004, só um dos trinta partidos que concorriam não conseguiu eleger nenhum representante.

Marcos Zibordi - Pelo menos um foi eleito por todos os outros partidos.
Em algum lugar, em algum município, entende? Aquele cidadão ganhou voto pra estar lá. Se nós pegarmos esse município e isolarmos do Brasil e fingirmos que esse município é o Estado de Israel, esse cidadão pode ser o representante no Knesset, o parlamento israelense, do partido árabe radical. É só um representante no Knesset que não perturba em nada o funcionamento do sistema político israelense. Mas, se você retira esse cidadão de lá e, portanto, deixa de fora essa fração de eleitores que têm princípios muito sólidos, o que eles vão fazer? Vão pras ruas, não é? Você chega nesse município brasileiro onde tem esse caretinha, é a mesma coisa. "Ah, é só um cara do PRT não sei das quantas, acaba com ele." Não, ali, aquele é o representante do partido revolucionário não sei das quantas. Se tirar, quem o pôs ali vai ficar uma fera.

Marina Amaral - Mas no Brasil o senhor acha que os eleitores vão sentir tanto assim? No caso do PV, do PC do B, talvez, mas aí, quando você pega esses PTC, PRN, a impressão que dá é que são siglas de aluguel ...
As siglas de aluguel são PSDB, PFL, PMDB...

Marcos Zibordi - São os que alugam.
Quem aluga, compra, é alugado, então é bom não esquecer que só tem três partidos que, normalmente, não alugam deputados que são o PT, o PC do B e o PSB. Os outros são partidos de aluguel, estão do lado de quem aluga, de modo que é outra hipocrisia dos reformistas. Só existem partidos de aluguel porque tem quem alugue os deputados eleitos por eles, não é? Voltando à questão dos municípios: a gente não sabe o significado dessas siglas na dinâmica de líderes menores. Ali no município, o cidadão que é candidato pelo PRTB, e tem votação, se elege, mas se ele for obrigado a ser candidato pelo PSDB não vai ter votação suficiente e, não obstante, ele é importante para aquele município. A sigla não é relevante, mas ele é relevante para uma certa população, para um certo segmento. É muito complexo em um país do tamanho do Brasil, com 5.567 municípios, com uma heterogeneidade econômico-social dessa magnitude, querer impor um sistema político levando em consideração peculiaridades que são apenas da Câmara dos Deputados. Você tem que levar em conta as 27 assembléias legislativas, as câmaras de vereadores desses mais de 5.000 municípios, e assim encontrar um número incrível de lugares em torno dos quais há disputa. E a disputa varia, porque a disputa no interior do Rio Grande do Sul, no oeste do Paraná é uma coisa; a disputa no interior do Rio de Janeiro, em Cabo Frio ou Búzios é outra. Não existe sistema político em escala nacional. A população força o ajuste. Como é que vai justificar para o eleitor que o cara que ele elegeu vale menos que os outros, que história é essa? Então resolve com esse xaveco do aplauso à migração partidária que antes eles eram contra.

Marina Amaral - O que o senhor acha da proposta do voto em lista, defendida também pelo PT?
É uma sutileza, é mais um procedimento de oligarquização. Quem é que vai fazer as listas? São as lideranças dos partidos. Os reformistas apresentam a competição de candidatos do mesmo partido como se fosse uma coisa negativa e eu, como eleitor, acho muito bom que se apresentem várias pessoas, cada uma delas querendo ser a melhor intérprete das teses. Se não tivessem escolhido certos representantes do PT para serem os deputados do PT, certas coisas não teriam acontecido. Só aconteceram porque foram eleitos "aqueles" candidatos do PT. Se fossem outros os eleitos, algumas coisas não teriam acontecido, ou coisas piores teriam acontecido, é do jogo democrático, é uma aposta.

Marina Amaral - Em São Paulo tivemos alguns deputados eleitos de quem se falou bastante. O Maluf, que, apesar dos pesares, é importante para uma parcela dos eleitores paulistas, e outros como Clodovil, Frank Aguiar, sem consistência partidária, política, que são mais um fenômeno de mídia. Como o senhor vê esse eleitorado, maduro na exigência com o Poder Executivo, mas que no Legislativo parece cair facilmente em esparrelas?
É preciso ser mais generoso com o eleitorado brasileiro. Numa democracia de massas, você tem 120 milhões de eleitores; fenômenos patológicos, esquisitos acontecem, podem acontecer, inclusive porque o sistema é de muita liberdade. Se a coisa fosse mais fechada, tem gente que não teria condições de se representar, mas esse é o preço pago pelo sistema democrático de competição aberta. Agora não generalize para o eleitorado, porque, se você somar os votos desses casos estranhos de pessoas que se influenciam pela mídia, verá que isso não é tão importante assim... Por exemplo, houve um período em que aconteceram muitas candidaturas de jogadores de futebol. passou a moda ...

Marcos Zibordi - Biro Biro...
Marcelo Salles - Roberto Dinamite foi de novo agora.
Não. Roberto primeiro se elegeu porque era jogador de futebol, mas é muito bom deputado estadual, então deixou de ser eleito porque era o Roberto Dinamite jogador de futebol. É um deputado atuante. O Clodovil, de repente, até surpreende como deputado. A gente sabe que, pela inexistência de tradição de militância político-partidária, ele não foi eleito pelo seu passado político. Foi eleito por outras razões, sabe-se lá por que cada eleitor votou. Eu não gosto de análise que fala "o recado do eleitor", é muita presunção você querer pegar 120 milhões de pessoas e dizer que "o recado de 120 milhões"... É preciso ir mais devagar. A gente tem que se habituar a ver as conseqüências agregadas desse jogo, estamos jogando com números grandes. Se somar a votação dessas figuras, esses fenômenos correspondem a uma porção muito pequena do eleitorado brasileiro, não têm impacto operacional no sistema político. Você pode não gostar do resultado, mas o eleitorado brasileiro se comporta e sempre se comportou de uma forma racional, razoável. Não é um eleitorado porra-louca que de uma eleição pra outra modifica o poder dos partidos. Sobretudo, se você considerar não só as siglas, mas o lado -partidos de centro-esquerda, de centro, centro-direita -, vê que desde 1945 a distribuição da preferência do eleitorado muda muito devagar. Eis aí, entre outras coisas, o que explica o fracasso das previsões do fim do PT parlamentar.

Marcos Zibordi - De cento e poucos deputados pra noventa e poucos, mas...
Foi o partido que recebeu o maior número de votos. Como ele não sabe fazer coligação, o PMDB ficou com o maior número de eleitos, mas em voto foi o PT. O eleitorado não é doido. Os eleitores têm lado e votam daquele lado. Tem uma margem aí, na periferia desse eleitorado, que, dependendo da circunstância, muda de opinião, mas o grosso tem lado, aconteça o que acontecer. Isso é uma característica da votação nas democracias de massa em todo o mundo.

Marina Amaral - Mas, por exemplo, quatro vezes o Lula foi candidato e não conseguia e de repente ele consegue...
Nós estamos falando de uma eleição proporcional, nas eleições majoritárias a lógica do eleitor é outra. Até a idéia da separação de poderes é essa: ter poderes que se controlem e se fiscalizem. Para isso, você põe no Executivo alguém que não é exatamente a cara do Legislativo, ao contrário do que acontece no parlamentarismo, em que a cara do parlamento é a cara do governo. Eu sou presidencialista. Quero a separação de poderes.

Marina Amaral - Depois desse episódio batizado de mensalão se dizia que o parlamentarismo resolve a questão da governabilidade porque, quando o governo não tem maioria, dissolve o parlamento...
Xiiii, nada. Deixa eu dizer uma coisa: muito do que se diz aqui é por falta de informação. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, eles não agüentam mais ter partidos que têm 30 por cento dos votos, mas ficam com 10 por cento dos lugares na Câmara. Veja o caso do Partido Liberal, que já foi um grande partido na Inglaterra: por mais que tenha votações realmente sensacionais, não obstante, a sua representação é ridícula, isso após dois séculos de existência. Um dos compromissos do Blair, quando foi eleito da primeira vez, era fazer uma reforma no sistema eleitoral, introduzindo a votação proporcional. Não fez. Para fins eleitorais, você é contra a oligarquia, mas, quando você é cooptado pelo poder, anda mais devagar com as suas coisas. Em vez de fazer uma proposta de lei para o congresso, para o parlamento, o Blair cria uma comissão.

Marcos Zibordi - Lá também se criam comissões.
É, quer dizer, essa peculiaridade também não é nacional. Criou comissão pra estudar o assunto. Mas aí, depois de dois anos, a comissão já começou a criar o relatório, propondo uma reforma constitucional que está em discussão; dessa discussão não se fala aqui, mas está em discussão a mudança do sistema eleitoral inglês introduzindo o sistema bicameral brasileiro. Brasileiro! Enquanto os ingleses estão querendo imitar o Brasil, aqui ficam pessoas dizendo que o bom é a Inglaterra, que a gente tem que fazer como eles, lista fechada, essas coisas todas. Nos Estados Unidos é a mesma coisa, a discussão em torno do voto distrital é violentíssima. Livros de gente de peso, das universidades Princeton, Yale, Stanford, mostram que é um absurdo o que acontece em termos de inautenticidade representativa do sistema e aqui se diz que, com o voto distrital, o representante fica mais próximo do representado que votou nele. Veja, aqui chamam de "populistas" aquele pessoal que “bota um posto de saúde não sei onde", como eles dizem, que é onde ele tem voto. O que aqui chamam de "populismo" nos Estados Unidos se chama accountability, quer dizer, o deputado distrital tem que prestar contas ao eleitorado, mostrando que só faz aquilo que é desejado por aquele grupinho que o elegeu, que é a minoria da área que reside, já que, se houver três candidatos e dois tiverem 33 por cento de votação, o que tiver 34 por cento dos votos leva a eleição.

Marcos Zibordi - Mas na verdade era um terço do eleitorado que o queria.
Perfeitamente, 66 por cento é contra ele e, como o problema dele é ser reeleito, como qualquer político, se atender aqueles 34 por cento que garantem a votação, está resolvido. De modo que não é verdade que o voto distrital dê automaticamente maior responsabilidade e representatividade ao representante. A conseqüência mais macro e negativa para o sistema é a falta de oxigenação, de renovação, que é um outro assunto tratado muito pela literatura americana. A taxa de reeleição da Câmara de Deputados nos Estados Unidos é muito alta, 99 por cento, enquanto a nossa aqui fica em torno de 60 por cento. Isso significa que lá a taxa de renovação é de 1 por cento, enquanto aqui fica em tomo de 40 por cento de renovação, ou seja, 40 por cento dos deputados foram cortados pelo eleitorado. São dados oficiais, estatísticos, Outro fenômeno que ocorre no sistema de voto distrital são as eleições não contestadas, em que você só tem um candidato, sem competição. Mais um problema que por aqui não se percebe e que nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha é importante.

Marina Amaral - O senhor acha que os nossos problemas políticos não são institucionais?
Tem algumas questões que têm mais importância, ao meu ver, do que outras. O suplente de senador, por exemplo, pra mim é uma excrescência e uma das fontes de corrupção porque, na verdade, os suplentes são testas-de-ferro dos grandes financiadores dos candidatos ao Senado. Como a campanha é cara, o candidato oferece a vaga de suplente a alguém que representa interesses e é capaz de influenciar, porque, quando precisa, você entra de licença e ele assume o lugar do senador. Faz um levantamento dos suplentes de senadores das outras eleições e vê quem são e o que fazem. Não são políticos, são empresários, latifundiários, fazendeiros.

Marina Amaral - Outra crítica que se faz muito ao nosso sistema político é a proporcionalidade entre a população dos Estados e o número de representantes no Congresso. Alguns Estados de menor população têm proporcionalmente mais cadeiras...
Marcos Zibordi - Os votos acabam tendo peso diferente.
Depende de como você mede isso. Isso aí é uma proposta de engenharia constitucional brasileira que não é de hoje, no sentido de dar uma certa compensação, considerando a heterogeneidade econômica, de tentar separar a distribuição do peso político e do peso econômico. E isso não é jabuticaba brasileira. Praticamente todos os países, ao contrário do que se afirma aqui, têm peculiaridades na sua legislação eleitoral para dar conta de certas coisas. Por exemplo: na Suécia há um pedaço do país que foi tomado da Dinamarca, há mais de um século, que conserva a língua, a cultura da sua origem. A legislação eleitoral sueca reserva uma porcentagem pequena proporcional para ser preenchida por candidatos daquela região. Isso é uma excrescência, é a introdução de uma coisa particular contra a universalidade da lei para dar conta de uma peculiaridade da população. A mesma coisa você tem na Nova Zelândia, depois que os maoris ganharam cidadania, em que há distritos em que não pode ter candidato que não seja maori. E é o primeiro enunciado de todas as constituições - são todos iguais perante a lei -, menos na hora de votar, porque o maori naquela região vale mais. Todos têm de dar conta de questões que precisam ter solução política, não podem ter uma solução abstrata, teórica. Por conta disso também, desde 1945 no Brasil se introduziu uma certa idéia de compensação, perfeitamente legítima. O que é discutível é o tamanho. Se fosse levar em conta só a população, São Paulo teria 120 deputados, o que prejudicaria os outros Estados, a Bahia, o Rio de Janeiro. Por isso, você tem que ter um teto. Mas o mínimo pode ser muito, oito deputados para alguns Estados do Norte - não estou falando do Nordeste - é excessivo, é destoante. Você não precisa ter isso para garantir um maior equilíbrio político, para compensar o desequilíbrio econômico. Por outro lado, há um custo para os deputados que se elegem nesses colégios privilegiados pela lei. Porque, enquanto em colégios grandes como Bahia, Minas, São Paulo, Rio Grande do Sul o custo do mandato em votos é pequeno pelo tamanho do eleitorado, o custo do mandato em votos nessas regiões do Norte proporcionalmente é enorme. Para um deputado ser eleito no Amapá, tem que ter quase 40 por cento dos votos. A densidade de representação é muito maior que a de um cidadão que foi eleito com 0,02 por cento dos votos de São Paulo. Então, em relação ao aspecto excessivo da proporcionalidade, contem comigo, mas o princípio da proporcionalidade é legítimo.

Marcelo Salles - O senhor falou que é muito cara uma eleição para senador, mas também as outras não são baratas. Nesse ponto, o sistema eleitoral brasileiro é antidemocrático?
Por conta do financiamento? Sim, a participação não é igual pra todo mundo, mas não é só o valor da eleição, é o de todo tipo de participação. Os custos de organizar um movimento de defesa de algum problema do bairro, de você criar uma associação também são muito diferentes entre quem tem dinheiro e quem não tem. O custo de participação política nas democracias não é eqüitativamente distribuído numa sociedade democrática, em nenhuma delas.

Marcos Zibordi - O financiamento de campanha já não causa um atrelamento prévio que vai ter ressonâncias até lá no final do mandato?
Pode ser. É possível até existirem políticos, deputados absolutamente honestos, tudo é possível! O que é importante é tomar medidas que tentem evitar o erro, mas não ser fanático nem mistificador quanto à eficácia dessas medidas. Não há possibilidade de filtrar caráter, seja qual for o sistema. pode sempre acontecer alguma coisa. Não quer dizer que então não vamos cuidar de como as coisas se dão; vamos cuidar, mas sabendo que não existe essa lei que garanta que só vai entrar virtuoso, até porque o que alguém considera virtuoso eu posso não considerar. Posso considerar alguém virtuoso do ponto de vista da moral privada e um devasso do ponto de vista dos interesses públicos. O seu Jorge Bornhausen, por exemplo, que seguramente é uma pessoa honesta privadamente, pode ser considerado um devasso político, porque a opinião que ele tem sobre os pobres do país, sobre as políticas públicas é de uma total devassidão, de uma imoralidade acabada, não tem nenhuma virtude. Então, o que para alguns seria ótimo, pra mim, não quer dizer nada.

Marina Amaral - O que o senhor acha que as pessoas estão entendendo por essas palavras "ética" e "corrupção" nestas eleições ao julgar o governo Lula?
Bom, acho que entendem coisas muito diferentes, é muito difícil você ter uma unanimidade em relação a essas questões, que são questões abstratas. Essa discussão toda teve um lado absolutamente negativo, em que se difamou levianamente, em que se divulgaram informações não checadas e quando se via que não era bem assim... Depois que você sai no jornal como ladrão, já era. Mas, por outro lado, tem o saldo positivo que é a lisura do comportamento em relação ao bem público, aos recursos públicos, como alguma coisa relevante para você considerar. Isso não existia na nossa pauta e eu acho o saldo positivo. Custou muito, custou reputação de pessoas, mas eu acho que nesse um ano e meio de más notícias é um saldo positivo. Hoje tem uma preocupação de todo mundo, eleitores e candidatos, de se preservar em relação a isso. O eleitorado está muito exigente, então é bom trazer o problema da ética, da corrupção, vamos baixar a bola e tratar com lisura recursos públicos de qualquer natureza.

Marcos Zibordi - É esse o ponto.
É isso aí, acabou. Se o cara tem namorada, se não tem, se ele cheira, eu não estou nem aí, contanto que não comprometa o seu desempenho público. O problema não é meu, político, é um problema da polícia, é uma questão de código penal, não de código político, meu problema é que ele seja responsável no trato da coisa pública. E esse é um critério muito pé no chão, razoável, você pode se informar sobre ele, você pode medir, você pode verificar, ao contrário de se discutir se é ético, se não é ético, se é aético, aí é complicado, não é? Mas eu acho que, se houve muita coisa ruim, houve também um avanço na cultura política brasileira.

Marcos Zibordi - O financiamento público de campanha é mais uma falácia dos reformistas?
Não tenho opinião formada sobre isso. Eu já fui muito favorável a financiamento público. Hoje, nem tanto, o que não quer dizer que você não tenha que ter regulação sobre o assunto que deve ser bem cumprida pelos partidos e que esses devem ser vigiados, fiscalizados e punidos quando houver crime. Mas eu não sei se é uma medida correta, boa para a democracia, proibir financiamento privado. Quando a gente pensa em financiamento privado, a gente pensa no cara que tem grandes interesses econômicos. Eu penso de outra maneira, penso nos candidatos novos que, pelo fundo partidário, não receberiam a mesma coisa que recebe o Eduardo Suplicy. Não penso no senador que vai ter grandes financia dores, esse é um problema de a lei impor limites, penso como vai conseguir financiamento alguém que está começando um novo movimento, que representa novos segmentos populacionais. Por definição, a inovação é minoritária, tudo aquilo que é inovador é minoritário, como melhorar as condições de competição do minoritário? Não quer dizer que sou a favor de acabar o financiamento público, apenas estou pensando em diversas possibilidades. Não se pode ser dogmático em política, são tantas as situações diferentes da vida política, que você tem que ser aberto para elas.

Marina Amaral - Dizem: "As pessoas estão cada vez mais desencantadas com os políticos". O senhor acha que isso é verdade?
Olha, não é só no Brasil que se produz isso, no mundo inteiro há vários relatórios, vários livros sobre esse aspecto: "O que você está achando dos políticos?". "Não valem nada." Isso é do Oiapoque ao Chuí, porque a democracia é um sistema em que é legítimo fazer todas as demandas desde que não violem a lei, então cada um particular não quer nem saber, quer que a demanda dele seja resolvida, então você tem uma distribuição de insatisfação. É muito pequeno o número de pessoas que está plenamente satisfeita com o andar das coisas. Se perguntar ao ricaço: "Negativo"; banqueiro: "Negativo, porque acho que o outro banco levou uma melhor". Você vai perguntar ao pobre, ao cara que recebe o Bolsa Família e que não tinha um tostão, e ele já começou a achar o valor baixo, já não acha tão bom. A democracia estimula essas maluquices, daí o cara diz: "Não, político não presta, as instituições não funcionam direito". Na Suécia, na Dinamarca, na Holanda, a porcentagem de gente que considera "é tudo ladrão" é como aqui. Os caras têm tudo, têm um sistema social, têm um sistema penitenciário, mas acham que "é tudo ladrão", "não fazem nada", esse tipo de coisa. A democracia tem isso, você não tem esse tipo de resposta num sistema oligárquico, o oligarca não pergunta.

Marcos Zibordi - O fato de a população que votou de novo no Lula saber que um ou outro problema ético ocorreu em seu governo, isso é maturidade política ou cinismo do eleitor?
É maturidade política, porque o que aconteceu até agora? Alguns problemas do ponto de vista de lisura da conduta em relação a questões públicas vieram a furo, porque você tem uma política de governo em relação aos órgãos de apuração inédita no país, esse é o ponto um. Dois: não houve nenhuma posição do governo no sentido de impedir apurações, enquanto não houve nenhuma CPI criada durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Por definição legal da democracia, o que é bom, as comissões parlamentares de inquérito têm que incluir as oposições, aí o pessoal vai lá a fundo pra descobrir o treco, isso agora foi garantido. Assim se soube de malfeitorias executadas por quadros dentro do governo e do partido, o que antes você não teve as condições de apurar. E aí, obviamente, cobram e devem cobrar. Mas é o resultado de uma política de respeito à legalidade democrática, isso só está acontecendo porque o governo permitiu que acontecesse, porque, se não quisesse permitir, não permitiria, não teriam aparecido aqueles atores na televisão.

Marcos Zibordi - ACM Neto.
Eduardo Paes... Esses caras não teriam tido a chance daquele espetáculo diário durante o ano. Então, uma das razões pelas quais está aparecendo uma parte errada do governo é por uma de suas partes boas: a de permitir que isso aconteça. Está havendo liberdade de apuração e qual é o resultado disso? Até agora, ninguém encontrou nada que pudesse responsabilizar o presidente Lula e ninguém pode dizer - e ninguém diz - que não se sabe da responsabilidade dele porque está havendo impedimento para que se chegue lá. Ele tem estado a salvo e tomado atitudes muito rápidas em relação às coisas que vêm acontecendo. E, quando um cidadão que o Lula bondosamente chamou de aloprado, um cidadão que não tem mandato, um quadro burocrático dentro do partido, bota na cabeça que vai ajudar o partido comprando um dossiê...

Marcos Zibordi - Possível dossiê.
Não perguntou a ninguém, aos interessados, não se aconselhou, não pediu autorização às autoridades do partido, nem do governo, faz um treco desses, como é que você escapa de uma coisa dessas? Então, o eleitor tendo seu lado, que é esse lado, vai dizer agora "eu não voto no Lula, voto no Alckmin"? Esse seria um eleitor irresponsável.

Marina Amaral - Mas parece que esse episódio do dossiê trouxe um impacto maior do que se esperava, embora as pesquisas feitas logo depois de a história vir à tona não acusassem mudanças.
Eu acho que houve impacto no eleitorado flutuante que estava dando ao presidente Lula 52 por cento nas pesquisas até uma semana antes das eleições. Porque compare o resultado do primeiro turno de agora com o resultado do primeiro turno de 2002. Em 2002, também se achava que ia ganhar no primeiro turno, chegou lá, só conseguiu 46 por cento do eleitorado.

Marcelo Salles - Até que ponto a mídia foi determinante pra mudança desse eleitorado flutuante?
É difícil dizer, eu não sei ser juiz, teria que fazer investigações, sobre sabia, não sabia, soube através da imprensa, soube através da televisão, os comentários da televisão. A foto do dinheiro certamente teve impacto, mas em que extensão isso provocou mudança de voto? Agora ele teve 48,6 por cento dos votos, com tudo isso. Não é brincadeira. Está pensando que o eleitorado é um eleitorado maluco, volúvel, atrasado? Não, o eleitorado tem um lado, um lado que o Lula representa e vem representando muitíssimo bem.

Marina Amaral - Você escreveu um artigo enfático sobre o episódio do dossiê na Folha de S. Paulo, condenatório.
Porque não foi só o dossiê, culminou com isso. Você não pode ter um partido com esse grau de autonomia de militantes que não têm mandato popular, burocratas de partido que tomam decisões dessa magnitude e botam para perder uma eleição... Vão culpar agora a TV Globo por ter armado a coisa, mas deram a chance. O dinheiro está lá, deram chance, houve coisa, não precisava haver.

Marina Amaral - Mas e o crescimento do Alckmin não surpreendeu?
Marcos Zibordi - Ele cresceu muito no final.
Olha, o que vinha acontecendo é que o Alckmin vinha crescendo 2, 3 pontos percentuais por semana, cada ponto percentual representa mais de 1 milhão de votos. é muita coisa. O que significa isso? Significa que o eleitorado do lado dele finalmente o aceitou como representante. porque o Alckmin não tirou voto do eleitorado do Lula. no máximo tirou pontos desse eleitorado flutuante que não tem dono. Também é bobagem dizer. como disseram. que foi São Paulo que levou a eleição ao segundo turno. Foi São Paulo somado com o desempenho espetacular que o Alckmin teve em algumas outras regiões. como Santa Catarina. ou ocorreu algo inesperado, como no Acre. Em Minas. o 2° Colégio Eleitoral. por exemplo, depois que o Aécio entrou na campanha. a diferença entre o Lula e o Alckmin. que era de quase 40 por cento, baixou pra 10 pontos percentuais.

Marina Amaral - E o fato de serem dois candidatos de São Paulo, de dois partidos nascidos em São Paulo, não desperta antipatia nos eleitores de outros Estados?
O eleitor vê com antipatia, mas não tem saída por enquanto. A questão da estadualização dos dois principais partidos vai ter repercussão... Não vamos esquecer que o dossiê tem a ver com o Mercadante, de São Paulo. Isso vai ser matéria de complicações na política nacional, porque já está feita a divisão dentro do PSDB, segundo me informaram, entre a ala Fernando Henrique-Serra e a ala em que foi feita uma coligação Alckmin-Aécio. O PT vai ter problemas também. E isso vai mudar um pouquinho. Não vai mudar revolucionariamente, mas vai mudar um pouquinho.

Marina Amaral - O senhor é a favor ou contra a reeleição?
Eu sou a favor. Eu não acho que o problema é a reeleição, que tem em vários lugares do mundo. Não é problemático nos Estados Unidos, e aqui é problemático? No nosso sistema, no fundo o presidente recebe um mandato que em tese pode ser de oito anos, mas no meio tem que pedir licença para continuar. Acho isso sábio. Qual é o problema do parlamentarismo, em que se diz que a qualquer momento pode se dissolver o parlamento? O problema é que isso raramente acontece, os primeiros-ministros só fazem isso quando têm segurança de que vão ser reeleitos porque são eles que convocam. Eu fui pegar lá na Grã¬Bretanha o período da Thatcher. Em todos os seus anos de mandato, quando perguntavam aos cidadãos "está satisfeito com o governo?", a maioria respondia que estava insatisfeita e ela não estava nem aí. Só quando ela perdeu o poder dentro do partido conservador teve de convocar eleições fora do prazo.

Marcos Zibordi - Até que ponto o capital político do PT e do Lula sofreu com esse processo de crise política? Foi só um risco na pintura?
O resultado das eleições proporcionais é: o partido diminuiu a sua representação em relação a 2002, mas de novo saiu com a maior votação de todos os partidos. O PT é um partido que representa um segmento da sociedade brasileira e conseguiu uma coisa que os partidos brasileiros de esquerda jamais conseguiram: fazer um casamento entre suas boas intenções e o reconhecimento do eleitor. O PC do B nunca fez. o antigo PTB nunca conseguiu fazer. o PT fez. Sei lá por que, mas fez. Então, você não acaba com o segmento. O PT é o partido dele, se ele não for do PT, ele está ferrado.

Marina Amaral - O senhor diria que o PSDB é o partido de quem?
O partido está em busca do eleitorado.

Marcos Zibordi - E conseguiu bastante. hein?
O PSDB? Não, não sei, perdeu muito. Foi um dos partidos que mais perderam, ele e o PFL. O PSDB saiu muito mal desse festival de denúncias. Diminuiu muito a bancada, é o quarto partido. O PSDB está se encontrando como o partido de um tipo de classe média urbana bem¬sucedida que teme mudança e também de uma certa faixa da população carente que conseguiu se situar bem. Vou dar o exemplo da minha secretária doméstica, que é semi-analfabeta, maranhense, trabalha que nem uma mula - ela é funcionária do prédio, chega às 6 horas e sai às 3 horas da tarde. Vai para a minha casa, ou vai para outras casas, e fica, dá mais cinco horas de trabalho. E ela é ótima. Bom, ela vota em qualquer candidato conservador. Por quê? Porque ela construiu a sua casa no subúrbio, tem tudo dentro de casa até o exagero, ela tem uma televisão enorme a que ela não pode assistir, sabem por quê? Porque ela botou na sala não só a televisão, mas sofás, poltronas etc., aí ela não consegue assistir, vê a novela na casa da vizinha, porque na casa dela fica muito em cima das outras coisas. Agora, ela quer ter, e ela tem. O que a mudança, que é uma coisa positiva, significa para ela? Para onde ela pode mudar? Só para pior. Mudança, para ela, é uma ameaça de perda de status. Ela não quer saber de mudança, quer estabilidade. Então, você tem uma parcela da população pobre que afinal votou no Fernando Henrique e deu uma surra no Lula em duas eleições.

Marina Amaral - Que aí era muito ligado ao controle da inflação...
Claro, estabilizou a moeda. Diziam, e essa era a imagem, que o Lula ia mudar tudo, ia voltar com a inflação, aquele negócio todo, opa, nem vem.

Marcelo Salles - Em São Paulo é muito evidente a presença da elite no eleitorado do Alckmin...
Marcos Zibordi - Clube Espéria. Patricinhas e mauricinhos em carros importados...
Sem dúvida, mas veja, em termos proporcionais, qual o tamanho disso dentro de 120 milhões de eleitores? Se um partido for representar estritamente a classe rica, está ferrado. O apelo do PSDB tem que ser bem calibrado, porque ele não precisa fazer apelo direto para essa elite, ela sabe que eles são os seus representantes. Ele tem que fazer um apelo é para aquele que ele está disputando, aquele da classe média e está achando seu eleitorado, o que não é ruim para a democracia. Acho ruim que tenha gente golpista dentro desse partido. Que não aceita o fato de que vai levar tempo até que, uma vez identificado como um partido de centro conservador legítimo, o PSDB consiga que a maioria do eleitorado tope um programa conservador. Vai ter que ter paciência, não pode ficar querendo melar a regra do jogo por causa da eleição que perde. Porque vai perder várias.

Marina Amaral - O que o eleitor pode esperar de um outro governo do PT e de um novo governo do PSDB?
Um governo do PT seria a continuação de uma política que prioritariamente é a população carente que é atendida. Há política pra todo mundo, há política de crescimento, mas há uma preocupação com diminuição drástica da miséria, isso é claro e a população identifica com facilidade. Não só a que é beneficiada, como aquela que fica aborrecida com a que está sendo beneficiada. Tanto aqueles que recebem benefícios quanto aqueles que dizem que esse benefício é assistencialista, é demagógico, é não sei o que lá, não ensina nada, é compra de consciência, sabem o que é o governo Lula.

Marcos Zibordi - Qual a opinião do senhor sobre isso? O senhor acha que é um governo assistencialista, que não ensina a pescar?
Quando me disserem o que é um governo não-assistencialista, quando me mostrarem o que você põe no lugar da Bolsa Família, com os mesmos efeitos na redução da miséria e que não é chamado de assistencialista porque não traz popularidade, quando me mostrarem isso, que jamais me mostraram, aí eu vou entender o que significa essa diferença. Assistencialista é aquele que assiste, então toda política social assiste os que eram desassistidos, portanto toda política social, pra mim, é assistencialista. Agora, se ela é implementada de uma forma corrupta como era, em que você tinha que se matricular no partido ou levar a cartinha do seu correligionário pra poder conseguir o beneficio, aí não é por ser assistencialista que essa política é ruim, ela é ruim porque é discriminatória. Não é o caso das políticas assistencialistas do governo Lula. Ninguém nunca acusou nem mostrou que essa política está sendo usada discriminatoriamente. Dizem que é usada simplesmente pra glorificar o nome do Lula. Até aí morreu o Neves. né?

Marina Amaral - E, se o presidente Lula perder a reeleição, o senhor acha que o PT vai perder capital político ou consegue se reconstruir como oposição?
Mas como ir para oposição?

Marina Amaral - Se perder a eleição.
Não vai perder a eleição. O governo Lula foi um governo excepcional, se comparar com o governo Fernando Henrique é covardia, e a população não é idiota, não adianta eles dizerem que o povo é mal informado, aliás, o mesmíssimo povo que fez o Fernando Henrique dar uma surra no Lula duas vezes. Aí não era mal informado? Vou dizer em que condições o PT perde a eleição: se sumir um alfinete de dentro do Palácio do Planalto. Não pode acontecer nada. Não acontecendo mais nada, não há condição de o Alckmin ganhar do Lula.

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