quarta-feira, novembro 01, 2006

A eleição do Lula significa muito para o Brasil

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Santayna: "Jornais e jornalistas perderam a solidariedade com o povo"



O jornalista que foi colaborador do presidente Tancredo Neves, Mauro Santayana, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta terça-feira (31) que os jornais e os jornalistas perderam o sentimento de solidariedade com o povo.



“No meu tempo, os jornais eram solidários com o povo, hoje os jornais são solidários com os banqueiros. Vou ser mais duro: são os jornalistas. Poucos jornalistas conseguem manter o sentimento de solidariedade com o povo brasileiro”, disse Santayana.



Santayana disse que o Brasil é uma República Federativa e deve se acostumar com a idéia de um candidato de fora de São Paulo ser eleito presidente.



“Nós estamos há muito tempo com a idéia de que, como São Paulo é a força hegemônica do ponto de vista econômico do Brasil, São Paulo também tem que ter a hegemonia política da Nação”, disse Santayana.



Para Mauro Santayana, é preciso acabar com essa hegemonia política de São Paulo para que o Brasil seja um país integrado e com a unidade nacional preservada. Segundo ele, acabar com essa hegemonia é uma questão de democracia.



Mauro Santayana disse que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso “faria um bem enorme ao Brasil se estudasse a história do país e escrevesse sobre isso”. “Liderança política ele não tem mais”. disse Santayana.



Veja a íntegra da entrevista com Mauro Santayana.



Paulo Henrique Amorim - Você, como mineiro, e vendo esse resultado da perspectivas de Minas, e tendo como premissa, é claro, a informação de que Aécio Neves ganhou no primeiro turno e é possivelmente candidato à Presidência da República, qual é o quadro que você imagina, que você vê à sua frente?



Mauro Santayana - É muito difícil fazer um prognóstico com quatro anos de antecedência. O que eu acho é o seguinte: nós precisamos entender, e parece que aqui no Brasil não se entendeu até agora, que nós somos uma República Federativa e que devemos nos acostumar à idéia de que, amanhã, um candidato do Mato Grosso do Sul, ou um governador do Mato Grosso do Sul, ou um governador da Paraíba ou um governador do Sergipe possam ascender à Presidência da República. Um dele pode chegar. É que nós estamos há muito tempo com a idéia de que, como São Paulo é a força hegemônica do ponto de vista econômico do Brasil, que São Paulo também tenha que ter a hegemonia política sobre a nação. Isso aí, eu acho que é preciso acabar com isso para que nós tenhamos realmente um país integrado e com a unidade nacional preservada.



PHA - E qual seria a vantagem de se interromper esse processo hegemônico paulista na política brasileira?



Santayana - A primeira vantagem é uma questão da democracia. Porque São Paulo é a grande força economia do país, mas isso não significa que deva manter a hegemonia política. Você vê que nos Estados Unidos o candidato alcançou, o candidato de Ohio, o candidato não sei de onde, sempre chega. Não me consta que nenhum Estado tenha mantido durante algum tempo a condução do processo, ao contrário. Eu me lembro de uma coisa do [historiador inglês Lorde] Acton muito interessante, dizendo que o que fortalece o sistema norte-americano é justamente o poder dos governadores de Estado que moderam a tendência unitária ou predominante da costa leste dos Estados Unidos. Então, eu acho que é muito importante ter isso em mente.



PHA - Eu gostaria que você me ajudasse a entender o que você vê de diferente da eleição do presidente Lula em 2006 em relação à eleição de 2002.



Santayana - A diferença é pequena, mas a grande diferença, a meu ver, é o seguinte: Lula perdeu alguns eleitores nesse processo e ganhou outros com muita consistência. Quais foram os outros que Lula ganhou? Ganhou, para usar a expressão usual, nos grotões. E não ganhou nos grotões porque houvesse uma adesão dos donos dos grotões. Ele ganhou exatamente porque houve uma independência da população dos grotões com relação aos seus donos antigos. Isso é tranqüilo para mim. Eu acho que a eleição do Lula significa muito para o Brasil, menos até pelo o que ele pode fazer administrativamente ou politicamente durante esses próximos quatro anos. Ele pode até perder para a oposição que será feita a ele. Mas a grande vantagem dessas eleições foi que a aglutinação em torno de Lula representa uma consciência de cidadania que não existia até então. Eu acho que o Brasil agora está marchando realmente para o perigoso jogo democrático, vamos dizer assim. Nós vamos ter realmente uma democracia agora no Brasil. Essa é a grande vitória do povo brasileiro com a eleição de Lula. Pode até ser que a corrupção continue, que tudo isso continue, mas o fato mais importante a meu ver é que uma população que não tinha consciência de dignidade, que não tinha consciência de sua cidadania, adquiriu a sua cidadania mediante à dignidade. Essa é a minha impressão.


PHA - O que você acha que se pode esperar do comportamento da oposição brasileira?



Mauro Santayana - Nesses primeiro meses ela está um pouco desorientada. Ela vai ficar mais calma agora nos próximos meses porque eles nem sabem mais ou menos como apanhar os cacos. Mas que essa oposição vai recrudescer, vai. Ela vai recrudescer inclusive porque ela representa interesses muito fortes. Porque eu não acredito numa conciliação nacional tal como ela já está sendo empregada. Eu acredito que possa haver um convênio entre os diversos partidos ou dos diversos líderes para colocar um pouco em ordem o funcionamento das instituições. Mas a oposição não vai desistir porque, é claro, os interesses da oposição, que são os interesses das oligarquias, não vão ficar sossegados diante da situação nova. Eles vão tentar recobrar a direção da sociedade brasileira mediante os instrumentos políticos, mediante o Parlamento. Disso, não tenho dúvida.



PHA - E qual o papel do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nisso?



Mauro Santayana - Eu não gostaria de falar no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Tenho a impressão de que ele faria um bem enorme ao Brasil se ele se dedicasse a estudar a história do Brasil, os problemas brasileiros, escrever sobre isso. Porque liderança política parece que ele não tem mais. Então, eu não sei, acho que cada um pensa de uma maneira. Eu acho que o presidente tem uma experiência muito grande, um grande intelectual. Ele podia ajudar a pensar o Brasil. Isso, eu tenho a impressão que seria um grande papel que ele desempenharia. Todo mundo conhece seus valores intelectuais, mas liderança política, não só ele como muitos outros, se aposentaram agora.



PHA - Qual será o papel do governador de Minas, Aécio Neves, nesse novo ambiente, sendo ele de um partido de oposição?



Mauro Santayana - Eu tenho a impressão de que... O problema todo é o seguinte: é que Minas sempre teve o papel moderador na política brasileira. Eu acho que o Aécio, como aconteceu com o Tancredo e a gente está vendo que está se repetindo isso, mesmo sem querer Aécio começa a liderar alguns governadores que o buscam, o procuram, que se aconselham com ele. Está se repetindo o que eu vi acontecer com o Tancredo nos anos de 83 e início de 84. Não é que Minas seja mais que os outros, que os mineiros tenham nascido com dons especiais. Mas é que a própria história de formação de Minas, do povo mineiro, é uma história que exigiu o diálogo, a moderação, o exercício da política na sua acepção mais clara, mas limpa e mais nobre. Então, os mineiros são muito desconfiados dos extremos, os mineiros não gostam de extremismos, os mineiros querem conciliar as partes e buscar o caminho do meio. Que, aliás, é o único jeito. Aquela concepção Aristotélica do justo meio: os mineiros têm essa preocupação porque eles sofreram tanto, sobretudo por serem ricos, por terem ouro, por terem tudo isso. Sofreram bastante para aprender que é melhor dialogar do que armar o arcabouço. Só armar o arcabouço quando não tem mais argumento.



PHA - Agora, Mauro, uma última pergunta. Você que é um jornalista que já viu de tudo. Eu te pergunto: essa eleição, aí digo eu, essa eleição colocou em evidência a questão da mídia, o papel da mídia na democracia brasileira. O presidente Lula já disse que vai mudar a relação dele com a mídia. Eu ontem entrevistei o deputado mais votado na história do Brasil, o deputado Ciro Gomes, que me disse que a questão da discussão da democratização da mídia está colocada e ele vai trabalhar nessa questão. E eu lhe pergunto: o que você acha que aconteceu com a mídia? E, por exemplo, eu lhe pergunto como é que a mídia de São Paulo vai absorver – se essa será a situação – uma candidatura à presidência como a de Aécio Neves?




Mauro Santayana - Em primeiro lugar, eu não gostaria de falar sobre a candidatura à presidência de Aécio porque tem muita coisa ainda na frente. Mas o que eu queria dizer sobre a mídia é o seguinte: outro dia eu disse a uns companheiros nossos que me entrevistaram para um programa para a TV do Senado, eu disse que o que aconteceu com a mídia é que a mídia perdeu o sentimento de solidariedade com o povo. No meu tempo os jornais eram solidários com o povo brasileiro. Hoje os jornais são solidários com os banqueiros brasileiros. A verdade é essa. Não são só os jornais não. Eu vou ser mais duro: são os jornalistas. Poucos jornalistas conseguem manter um sentimento de solidariedade com o povo brasileiro. Eu tenho as minhas teorias sobre isso mas nem quero colocá-las porque são muito polêmicas. Eu acho que o governo militar resolveu que o jornalismo estaria reservado, seria uma reserva de mercado para a classe média, não queriam outros sujeitos lá não, não queriam pessoas de extração mais baixa no jornalismo. Então, aí nós temos o seguinte: não há mais solidariedade com o povo. E você nota o seguinte: não há solidariedade dentro dos jornais, os jornalistas hoje vivem brigando uns com os outros. No meu tempo não era assim, no meu tempo nós tínhamos um sentimento de solidariedade e de camaradagem dentro dos jornais que era exemplar. Hoje você não tem mais isso. Se bem que também houvesse muito canalha no meu tempo. Nós tínhamos aí o senhor David Nasser da vida e outros. Mas geralmente, no conjunto da maioria, nós tínhamos o sentimento de solidariedade com o povo. Se nós perdemos o sentimento de solidariedade com o povo, como é que nós vamos ter um sentimento democrático?


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