sexta-feira, outubro 20, 2006

Quem esqueceu o remédio do vovô ???




A mídia expõe as suas vergonhas – as lições de um jornalismo sórdido

Foi vergonhoso e infame o triste papel feito pelos jornalistas e chefes de jornalismo da Folha, do “Estadão” e da TV Globo, bem como a inconfessável teia de sordidez em que se enredaram.
- por Lula Miranda (http://agenciacartamaior.uol.com.br)

“(...) Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara.” – trecho da carta de Pero Vaz de Caminha.



Primeiro foi o Congresso Nacional que, em seguidos escândalos, expôs à sociedade suas vergonhas – mais por indecência que inocência (como a inocência dos índios na visão da carta de Caminha), registre-se, a bem da verdade. Olhando para o passado recente, e, claro, sem perder de vista o flagrante presente, tivemos o escândalo dos “anões do orçamento”, a compra de votos para dar um segundo mandato a FHC, a eleição de Severino Cavalcante à presidência da Câmara, o esquema de caixa 2 batizado de “mensalão”, a máfia dos “sanguessugas”, dentre tantos. O Judiciário já havia também exposto as suas faces pudendas – se me permitem a blague com partes pudendas. Acompanhamos, sem maiores espantos, diversos casos de magistrados que vendiam sentenças, a prisão dos juízes “Lalau” e Rocha Matos, as aposentadorias e proventos milionários, o apego ao nepotismo, a morosidade nos julgamentos e processos...etc. e etc. Agora chegou a vez da mídia expor as suas próprias vergonhas – em mais um atentado contra a moral e os bons costumes, melhor dizendo, contra a ética.

A revista CartaCapital dessa semana, na sua edição nº415, em antológica e imperdível matéria do experiente jornalista Raimundo Rodrigues Pereira (de vasto e honorável currículo – é preciso reverenciar e respeitar profissionais como esse), desnuda, de modo definitivo e irretocável, pecados capitais da nossa imprensa – essa mesma que, nas suas hipócritas missas de todos os dias, posa de vestal, pluralista, imparcial e outros qualificativos tão mentirosos quanto vazios. Os personagens principais dessa farsa infame são, como sempre, os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, e a TV Globo – só faltou a Veja, mas essa não faltará, como, aliás, há muito não tem faltado. Nessa matéria podemos apreender (sim, e aprender) como a realidade é muitas vezes manipulada, e como alguns de nossos jornalistas se utilizam do expediente nada ético de omitir ao público informações essenciais que certamente influenciariam na elaboração de um julgamento mais completo dos fatos. Para esses “jornalistas de resultados”, assim como na máxima já tão gasta (mas nem por isso menos repulsiva) de certo historiador florentino do séc XV/XVI, os fins justificam os meios.

Resumo da ópera: o delegado da PF que passou as fotos do dinheiro (estrategicamente empilhado para dar impressão de “montanha” de dinheiro) procedeu de forma criminosa, pois, além de vazar informações protegidas pelo segredo de justiça, disse aos repórteres que iria forjar um B.O. e comunicar aos seus superiores que o CD havia sido roubado.

Mais ainda: pautou que a notícia tinha que sair no JN. Mais ainda: disse, em alto e bom som, está tudo gravado, que fazia isso porque queria “f**** o Lula e o PT”. O mais grave, no caso da Folha, é que a repórter que recebeu as fotos do delegado da PF e que o ouviu dizer que iria forjar um B.O. porque queria f**** o Lula e o PT, escreveu uma matéria no dia seguinte sustentando, difundindo e auferindo credibilidade à versão mentirosa do delegado. Por que a jornalista agiu assim? Tinha a cumplicidade e aprovação dos seus superiores?Vejamos o que disseram sobre a matéria alguns jornalistas (jornalistas realmente, e não mafiosos vendedores de mentiras).

Luis Nassif : “ A reportagem de Raimundo não é partidária, não é militante, não é raivosa, não trata a falta de escrúpulos com falta de escrúpulos – como tem sido a marca desses tempos de escuridão, nessas batalhas absurdas de capas atacando Lula e atacando a oposição. É fria e lógica como uma cirurgia de especialista. Não desperdiça palavras, não gasta acusações, apenas confronta princípios básicos de jornalismo com a atitude de cada veículo, repórteres e direção, no episódio em pauta”. Esse é um pequeno trecho de um “post” do Nassif em seu blog, do dia 15/10, domingo, intitulado Réquiem do Jornalismo.” O título em si já diz muito, quase tudo, mas o comentário do jornalista, que, aliás, abandonou a canoa cheia de furos em que se tornou o jornal Folha de S.Paulo, é um exemplo de bom jornalismo a ser seguido pelos seus leitores, mas principalmente pelos seus colegas de profissão e estudantes de jornalismo.

O jornalista Tão Gomes Pinto (também ex-Folha), no seu “Blig do Tão” , foi o primeiro a comentar o assunto, antes mesmo de Nassif, ainda no dia 14/10, sábado. Disse ele em seu texto intitulado A mídia e seu triste papel de terrorista político: “A matéria de capa da CartaCapital é um dramático relato da prática de um ato de terrorismo político. Uma espécie de Watergate tupiniquim. (...) [ A matéria] É antes trágica, na medida em que a orquestração anti-Lula da mídia prenuncia momentos de crises, reais ou fabricadas, cujo desfecho resvala para o imponderável”. O que viria a ser “o imponderável”? Por definição, difícil dizer.

Paulo Henrique Amorim, no seu Conversa Afiada, carregando um pouco mais nas tintas, disse, simulando uma manchete, que “Um golpe de Estado levou a eleição para o segundo turno”.

Mas se você quer ter acesso à opinião de um jornalista mais conservador, leia ainda o artigo de Luiz Weis O vídeo, divulgado. O áudio, ocultado, publicado no site do Observatório da Imprensa (que, por sinal, já não anda observando como deveria), em que ele diz “(...) Os jornais e a emissora mostraram o dinheiro. Omitiram o que disse aos seus repórteres a fonte que lhes entregou o DVD[na verdade, um CD] com as fotos de pilhas de reais e dólares – e cujas palavras forma gravadas. (...) Não só seria eticamente correto, mas jornalisticamente indispensável, porque poria em evidência as motivações do policial e serviria de pista para tentar descobrir se ele agiu de comum acordo com interessados nos prováveis efeitos eleitorais da exibição pública das fotos.” Portanto, não se trata de ser conservador ou não, de direita ou de esquerda, trata-se de ser apenas jornalista: leal aos fatos, coerente e comprometido com os princípios básicos da profissão.

Ao ler a matéria de CartaCapital, ainda na noite de sexta-feira, 13/10, fiquei estarrecido, perplexo, embasbacado e... revoltado, para dizer o mínimo. Levantei-me, de imediato, e me dirigi ao computador para enviar uma mensagem ao ombudsman da Folha (com cópia para a direção do jornal) em que dizia, resumidamente, as seguintes, e singelas, palavras: “Estou estarrecido/estupefato/boquiaberto com informações que obtive através de matéria do jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, na revista CartaCapital dessa semana. Através dessa matéria, fiquei sabendo que dois jornalistas da Folha, certamente com a cumplicidade das suas respectivas chefias (ou, nesse caso, seria legítimo dizer que o Diretor de Redação não sabia de nada?), sabendo de uma certa realidade, criou matérias jornalísticas manipulando essa realidade de tal sorte a servir ao propósito de prejudicar a candidatura do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Certamente, a essa altura dos fatos, o eminente ombudsman já deve ter lido a referida matéria e procurado ouvir o outro lado, o dos repórteres citados.

Diante de tal grave fato, só restam duas alternativas: ou o Diretor de Redação da Folha diz-se traído pelos seus funcionários [na verdade, um dos funcionários citados não é propriamente um repórter, é a editora-executiva da Folha, sra Eleonora de Lucena] e demite a ambos ou, caso contrário, no caso de não haver nenhuma punição exemplar por parte do jornal aos seus jornalistas, é a vez do senhor, preservando sua dignidade como profissional, pedir demissão. Pois, mais vale a dignidade do que um emprego. Não estou certo?

Pode estar certo que, em caso de prevalecer a segunda alternativa, o acompanharei, junto com muitos outros leitores, abandonando o jornal, cancelando de imediato a assinatura.”

Desnecessário dizer que não obtive resposta do ombudsman ou mesmo da direção do jornal, tampouco tive minha carta publicada no Painel do Leitor. Afinal, eles são isentos e pluralistas – e quem manda, no fim das contas, ou, melhor dizendo, na linha editorial do faz-de-conta, é o assinante/leitor. Além do que, cabe a pergunta: há resposta possível?

Essa matéria de CartaCapital, como tantas outras excelentes matérias veiculadas por esse semanário, certamente não obterá a repercussão necessária, pois esse é um veículo típico daquela imprensa que não tem vergonhas a mostrar ou esconder. Como sabemos, é um pequeno Davi enfrentando os gigantes da nossa mídia – lembro-lhes que a tiragem de Veja é de cerca de 1.100.000 exemplares contra algo em torno de 60.000 da valorosa e valente CartaCapital.

Porém, é nossa obrigação de cidadãos difundir essa matéria para quantos for possível. Além de, é claro, lê-la com a máxima atenção e discuti-la com o nosso próximo – como quem compartilha as idéias nossas de cada dia.

Foi vergonhoso e infame o triste papel feito pelos jornalistas e chefes de jornalismo da Folha, do “Estadão” e da TV Globo, bem como a inconfessável teia de sordidez em que se enredaram. E que artimanhas torpes como essas não nos levem, ao final da eleição, a dar de cara com “o imponderável” – como adverte o jornalista Tão Gomes. Afinal, vai ser difícil explicar, ao povo e aos movimentos sociais notadamente, os métodos heterodoxos – para usar de um eufemismo – de que se utilizaram a mídia e os donos do poder para tirar da Presidência um dos presidentes mais populares e queridos da história da República. Que o imponderável não nos faça uma surpresa – o que seria por demais desagradável, decerto.

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