segunda-feira, outubro 23, 2006

Não seja tão subserviente. O patrão não te pede tanto.

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Kamel é chamado de Ratzinger, por ser o guardião da doutrina da fé na Globo

KAMEL NÃO É EVANDRO
Paulo Henrique Amorim

O que o Jornal Nacional fez na edição na véspera do 1º. Turno – quando ignorou a queda do avião da Gol e se concentrou em dar noticias contra o Presidente Lula – foi mais do que o tradicional "padrão Globo" de qualidade: um jornalismo parcial, militante, anti-trabalhista.
O que vem de longe.
A/O Globo ajudou a derrubar Vargas.
Tentou derrubar JK (mini-série, como se sabe, não é documento histórico).
Ajudou a derrubar Jango.
Foi o porta-voz dos "anos militares" (*).
Lutou contra Brizola.
Sempre foi contra Lula.
Quando Roberto Marinho mandava, era proibido ter "sobe som" do Lula, durante as campanhas presidenciais. Se Lula falasse swahili, o publico não saberia. Fora das campanhas, Lula só aparecia em situações que o prejudicasse.
A edição do Jornal Nacional da véspera da eleição foi uma intervenção no processo político muito mais profunda do que a edição do Jornal Nacional na véspera do segundo turno, que elegeu Collor.
A mídia – com a Globo à frente – levou a eleição para o segundo turno, é o que demonstra, com números, Marcos Coimbra, do Vox Populi, na edição da Carta Capital que está nas bancas.
E na entrevista que me concedeu, aqui, no IG: clique aqui para ler.
O que o Jornal Nacional fez na véspera do primeiro turno é outra coisa: é da categoria do "ódio", da "vingança".
É mais do que jornalismo militante, parcial.
E isso é obra de Ali Kamel, Diretor-executivo de jornalismo da Central Globo de Jornalismo (sic).
O cargo de manda-chuva no jornalismo da Globo é provavelmente mais importante, no Brasil de nossos dias, do que o de Ministro da Justiça.
O Brasil já teve ministros da Justiça que eram coordenadores políticos de relevo. Tancredo Neves, de Vargas. Petrônio Portella, de Figueiredo. Fernando Lyra, de Tancredo.
O Ministro da Justiça de hoje faz política de forma ocasional. Por exemplo, quando foi jantar na casa do Senador Heráclito Fortes, em Brasilia, com o empresário Daniel Dantas, depois de a revista Veja publicar que o Presidente da Republica e o chefe da Policia Federal tinham contas secretas no exterior, de acordo com informação, segundo a Veja, de Daniel Dantas.
O manda-chuva do jornalismo da Globo é tão poderoso que pode mandar uma eleição para o segundo turno.
Tanto que na Globo, segundo a revista Carta Capital, chamam Kamel de Ratzinger, o guardião da doutrina da fé.
Nem sempre foi assim.
Evandro Carlos de Andrade também foi o guardião da doutrina da fé do jornal Globo e da tevê Globo.
Mas tinha uma diferença.
Evandro não deixava impressões digitais.
Ele dirigiu o Globo durante um largo período dos "anos militares" (*). E não deixou impressões digitais. (A não ser o próprio jornal que fez).
Na Globo, a mesma coisa. Evandro trabalhava como o Barão Scarpia. Um pelotão de fuzilamento acabava com Cavaradossi, mas Scarpia não precisava subir ao terraço do Castel Sant'Angelo. Até porque Floria Tosca já o tinha esfaqueado.

Kamel deixa impressões digitais.

Numa polêmica publica a respeito da participação da Globo na fraude da Proconsult, que tentou impedir a eleição de Brizola no Rio, em 1982 – polêmica que está na origem de meu livro ("Plim-plim, a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral", que escrevi na companhia da jornalista Maria Helena Passos) -, pude dizer a Kamel:

Não seja tão subserviente. O patrão não te pede tanto.

Nesse episodio do Jornal Nacional na véspera da eleição, Kamel foi, provavelmente, sobre-subserviente.
Foi para o campo do "ódio" e da "vingança", quando um verdadeiro guardião da doutrina da fé, como Evandro, se teria comportado dentro dos limites tradicionais de Globo: parcialidade e anti-trabalhismo.
Kamel foi longe demais.
Vamos imaginar a hipótese de o presidente Lula se reeleger.
Assim como há a Lei da Gravidade, a Lei Geral de Telecomunicações vai ter que mudar. Isso afeta a Globo.
Não faz sentido você chegar lá, pagar R$ 250 mil, comprar uma licença, e colocar no satélite a emissora de tevê que você bem entender. Isso é possível nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Japão? Aqui, é assim que funciona. E isso vai ter que mudar. E isso afeta a Globo.
E a polêmica sobre se as operadores de telefonia podem ou não produzir conteúdo? Isso afeta a Globo.
Assim como muitas outras questões geradas pela convergência, e que terão quer institucionalizadas nos próximas quatro anos – com Lula ou Alckmin.
Interessa à Globo construir a imagem de "ódio" e "vingança", que transparece das capas da revista Veja?
Muitos já disseram que o "ódio" da Veja é uma forma de "vingança" contra uma decisão do Presidente Lula sobre livros didáticos, que, este ano, deu um prejuízo à Editora Abril de R$ 40 milhões ( clique aqui).
Porque o Ministério da Educação resolveu mudar uma pratica que beneficiava a Abril. E decidiu beneficiar editoras menores ( clique aqui).
Até a edição do Jornal Nacional da véspera da do primeiro turno sempre se imaginou que a Globo preferisse um guardião da fé como o Evandro.
Evandro, antes de ir para a Globo, foi um dos melhores jornalistas políticos do país.
Morto Evandro, a Globo substituiu-o por Kamel, cujo obra jornalística está por construir-se – e não no passado.
Ate aqui, a Globo preferia um guardião da doutrina que não quisesse ser mais do que isso: um guardião da doutrina da família Marinho.
Kamel quis ser papa.
Como Ratzinger.

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(1) A expressão "anos militares" é usada pelo respeitável cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Parece-me mais adequada do que "ditadura militar", que, no Brasil, mudou de significado.

Fonte:http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/396001-396500/396225/396225_1.html

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