segunda-feira, fevereiro 27, 2006

ENTREVISTA DA 2ª - DILMA ROUSSEFF (por Valdo Cruz, diretor-executivo da sucursal de Brasília), em Folha de S.Paulo, 27/2/2006, na edição impressa e na Internet, em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2702200621.htm
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Chefe da Casa Civil refuta que medidas recém-adotadas pelo governo tenham objetivos eleitorais. Dilma diz que oposição tem "visão elitista" da população
Chefe da Casa Civil, responsável pelo gerenciamento do governo Lula, a ministra Dilma Rousseff disse à Folha que a oposição tem uma "visão elitista" da população brasileira ao comentar o resultado das últimas pesquisas que indicam recuperação da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na opinião dela, tucanos e pefelistas subestimaram a reação do eleitorado às medidas que o governo Lula vem tomando e à atitude do presidente diante da crise do "mensalão". "Há uma visão elitista de quem supõe que temos um conjunto de habitantes pobres que não entende o que está sendo falado."
Dilma rebate ainda as críticas da oposição às últimas medidas do governo, como o aumento do salário mínimo para R$ 350 e o lançamento do pacote habitacional. "Não são eleitoreiras."
Substituta do ministro José Dirceu, que teve seu mandato de deputado cassado pelo Congresso, Dilma afirma que até agora "não houve prova" do "mensalão" e que o PT deve reconhecer os erros que cometeu, mas não pode reduzir a eleição a "uma via-crúcis", "uma autoflagelação".
Crítica da política de superávits elevados, que reduzem os investimentos do governo, a ministra diz que um segundo governo petista deve manter a estabilidade, mas priorizar o desenvolvimento. Dilma recebeu a Folha na quarta-feira passada, antes da divulgação do resultado do PIB de 2005.
Folha - Neste início de ano, o governo Lula lançou uma série de medidas, como aumento do salário mínimo para R$ 350 e pacote habitacional, tachadas de eleitoreiras pela oposição. O governo resolveu adotar medidas para reeleger o presidente?
Dilma Rousseff - Olha, uma vez você me perguntou, no ano passado, por que o governo estava parado. E eu disse que nunca esteve parado. É isso. Não são medidas eleitoreiras. O que é uma iniciativa eleitoreira? É aquela de curto prazo, inconseqüente, que não foi planejada. Essas não são. O governo planejou o Bolsa-Família, uma política de recuperação do salário mínimo, o pacote habitacional, a ampliação da farmácia popular.
Folha - Mas o ritmo das medidas não acelerou? O governo não está gastando mais neste ano, de eleição, do que em outros?
Dilma - Quando assumimos o governo, estávamos diante de uma crise fiscal e cambial. Nós fomos recuperando as margens de manobra, aumentando a nossa capacidade de investimento. Foi isso que aconteceu.
Folha - Mas algumas medidas não têm esse caráter eleitoral, sendo lançadas apenas agora? A oposição vai insistir nas críticas ao governo.
Dilma - Eu te diria o seguinte: eu não sei se vão. Sabe por quê? A população brasileira tem acesso à comunicação, TV, rádio, internet, as pessoas escutam, falam e chegam a conclusões. Vai chegar uma hora em que reverterá contra a oposição essa crítica de tentar tachar uma porção de coisas fundamentais para o país com o crivo de eleitoreiro. Afinal, foi eleitoreiro pagar o Fundo Monetário Internacional e aumentar o grau de liberdade do país de gestão de sua questão externa? Foi eleitoreiro diminuir o Imposto de Renda dos investidores estrangeiros que aplicam em títulos para alongar o perfil da dívida e diminuir a taxa de juros?
Folha - As pesquisas divulgadas nos últimos dias, mostrando recuperação do presidente, podem estar sinalizando isso ou trata-se apenas do que a oposição vem repetindo, de que seria reflexo da superexposição do presidente?
Dilma - Eu acho que há uma visão um tanto quanto elitista de quem supõe que nós temos um conjunto indiferenciado de habitantes brasileiros pobres que não entende o que está sendo falado. Aliás, essa foi a versão do período de ditadura militar -"o povo vota mal, não entende o que acontece". Acho que é um rescaldo disso, de uma certa visão bastante elitista a respeito da população brasileira. Tem hora em que até ela pode cometer erros, como qualquer um de nós comete, sejam os mais intelectualizados.
A gente tem de perceber que atualmente é muito complicado ter aquela versão de que a opinião pública é algo inerme sendo formado por um agente ativo externo a ela. Acho que a gente tem de repensar o que é a opinião pública em um universo de comunicação de massa.
Folha - A sra. acha que a oposição subestimou isso?
Dilma - Acho que ela subestima isso. Tem uma visão elitista do povo brasileiro. O povo só acredita naquilo que tiver fundamento. Você não engana o povo -estou falando dessa grande multidão de brasileiros que ganha até dez salários mínimos. Não acho que eles são manipuláveis, no sentido de que é possível passar para esse povo uma versão do que não estiver acontecendo.
Veja, você acha que tentar colocar energia elétrica em toda a zona rural brasileira é uma questão populista de manipulação? Não. Quem recebe a luz elétrica sabe perfeitamente que ela vai melhorar sua vida numa pequena propriedade lá no interiorzão do Brasil. Quem chegar lá e disser "olha, isso aí está sendo feito para te manipular" vai bater de frente com a realidade.
Folha - Na campanha, a oposição vai explorar também a questão ética para atacar o PT. Como o partido vai enfrentar esse debate?
Dilma - Nós achamos que os erros que forem feitos têm de ser assumidos como erros. O que a população tem condição de discernir é que esse governo, ao ser confrontado com processos incorretos, com suspeitas, teve uma atitude no sentido de tentar impedir que isso continuasse. Nós jamais fomos coniventes quando tivemos conhecimento. E eu acho que isso a população percebeu.
Folha - Agora, na reta final das investigações do "mensalão", a sra. poderia dizer com convicção que não houve desvio de dinheiro público?
Dilma - O que eu posso falar, e falo com convicção, é que não houve prova. Nós, como toda a população brasileira, os deputados, estamos querendo que se prove. Acho que a conclusão das CPIs vai permitir definir qual é o nível de prova que existe no Brasil quanto a certos processos. Em todos os processos nos quais houve denúncia contra o governo, a Polícia Federal foi envolvida, o próprio governo tomou providência. Até hoje, até onde nós enxergamos, nós não constatamos a existência de "mensalão". Aguardamos os resultados da CPI e as provas que ela vai gerar.
Folha - Voltando à questão da campanha, a sra. defende que o PT reconheça publicamente, em seus programas eleitorais, que errou?
Dilma - O PT já está se posicionando em vários momentos a esse respeito. Acho que deve reconhecer todos os erros durante a campanha eleitoral, sempre que solicitado. Agora, você não pode reduzir a campanha eleitoral do PT a simplesmente uma via-crúcis, não é isso. Não é uma autoflagelação do partido. É algo muito mais construtivo no sentido de se comprometer com práticas que sejam preventivas e não pura e simplesmente se chicotear por equívocos. O PT tem de pensar a questão da ética não só numa dimensão exclusiva do que foi de falha, mas muito mais numa visão de como não deixar repetir, de aperfeiçoamento do país.
Folha - Como o governo deve se apresentar durante a campanha eleitoral deste ano? A oposição pretende atacar o PT pelo lado da ética?
Dilma - A nossa linha, eu estou falando no plano do PT, é muito mais no sentido de apresentar os resultados dos nossos quatro anos de governo. Eu acredito que a linha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ser apresentar os resultados dos oito anos de governo, que parece que a população não o avalia muito bem. Eu estou falando pelos resultados das pesquisas, não tem nenhuma avaliação subjetiva da minha parte.
Agora, nós vamos ter o firme compromisso de fundamentalmente governar o país até o último dia de governo. Nós não vamos parar, não paramos em situações muito adversas, não vamos parar durante a eleição, nós vamos governar até o final e achamos que a melhor propaganda, ou seja, a melhor propaganda do PT é a gente entregar as obras e as realizações do governo.
Folha - Durante a eleição, o presidente deverá ser muito questionado sobre se sabia ou não do esquema de caixa dois do PT...
Dilma - O presidente já esclareceu em várias entrevistas coletivas qual é a posição dele a respeito disso. Ele de fato não sabia, e, quando soube, tomou todas as providências cabíveis. Sobre o que ele soube, sobre o que o governo soube, sobre tudo que provaram para nós, nós tomamos todas as providências cabíveis. Nós usamos de todos os mecanismos, nós abrimos todos os inquéritos possíveis, nós investigamos, inclusive em alguns casos até nos antecipamos nas investigações. O que o presidente demonstra de forma pública é o absoluto compromisso com a apuração, doa a quem doer. Isso eu acho que a população reconhece.
Agora, se alguém quer se utilizar desse fato... Olha, esse negócio de não saber começa lá no FonteCindam [quando o Banco Central, no governo FHC, foi acusado de ajudar bancos em dificuldades]. Lá alegaram que não sabiam também. Então, eles têm o benefício da dúvida.
Folha - O que deve mudar no programa de um eventual segundo mandato do governo Lula?
Dilma - O presidente, como você sabe, ainda não tomou uma decisão a respeito da sua candidatura. Eu, obviamente, acho que, se ele decidir ser candidato, o povo dará a ele o direito de um segundo mandato. Mas o presidente, como você sabe, e ele insiste nisso sistematicamente, só irá decidir em junho.
Folha - Na hipótese de ele decidir...
Dilma - Eu não faço hipótese sobre questões que envolvam o presidente da República. O que eu posso falar é que um segundo governo do PT tem de manter a estabilidade econômica, obtida com muito sacrifício, mas terá necessariamente de priorizar o desenvolvimento, fazer o país crescer, gerar empregos, distribuir renda. Essa é a prioridade.

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