sábado, maio 15, 2010

A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que o seu futuro é inseparável da luta de classes

O povo da Grécia luta pela humanidade

ÃÅÍÉÊÇ ÁÐÅÑÃÉÁ
Por Miguel Urbano Rodrigues, no O Diário.info
Neste artigo Miguel Urbano Rodrigues chama a atenção para o agravamento da crise mundial do capitalismo. A dívida externa dos EUA, a maior do mundo, ultrapassa já o PIB do país e continua a aumentar. Obama, negando compromissos assumidos, nomeou para postos chave da Administração alguns dos principais responsáveis pela crise financeira. Numa segunda parte, reflecte sobre os acontecimentos da Grécia, sublinhando que nestas semanas o povo da Helada luta pela humanidade inteira num combate em que o Partido Comunista da Grécia se assume como vanguarda revolucionária da classe operária, na melhor tradição leninista.
As gigantescas manifestações de protesto do povo grego contra a política do Governo do Partido Socialista e as medidas impostas ao país pela União Europeia e o FMI iluminam nestes dias a amplitude e complexidade de uma crise sem precedentes.
A grande maioria da Humanidade não tomou ainda consciência de que o seu futuro é inseparável da luta de classes em desenvolvimento na terra que foi berço da civilização europeia e do conceito de democracia política.
Um sistema mediático controlado pelo imperialismo insiste em apresentar os acontecimentos da Grécia como episódio de uma crise financeira mundial prestes a ser superada.
Trata-se de uma inverdade. A Humanidade enfrenta uma crise global e estrutural do capitalismo que se agrava a cada semana nas frentes económica, financeira, cultural, energética, ambiental, militar, social e politica.
O MITO OBAMA
A crise iniciou-se nos EUA, o principal baluarte do imperialismo. A potência que os media portugueses insistem em apresentar como «a maior economia do mundo» entrou num processo de decadência irreversível. Os EUA são hoje o país mais endividado do mundo. A sua divida externa no final de 2008 atingia 13,77 milhões de milhões de dólares, o equivalente ao PIB do país; actualmente já o excede. É actualmente superior a todas as dívidas externas somadas da Europa, Ásia, África e América Latina. Uma divida impagável, anunciadora de um estouro que abalará o mundo. Por si só, a China é possuidora de mais de 900 mil milhões de dólares em reservas de dólares e títulos do Tesouro norte-americano.
Por que se mantém então a hegemonia dos EUA?
Dois factores a garantem. O primeiro é o seu imenso poderio militar. O outro a permanência do dólar como moeda de referência no comércio internacional, nomeadamente a divisa utilizada nas transacções do petróleo. E não há controlo para a emissão do bilhete verde.
Mas como os EUA se transformaram numa sociedade parasitária que consome muito mais do que produz, o país avança para um desastre, sem data no calendário, de proporções colossais.
O gigante tem pés de barro. O seu deficit comercial ultrapassou um milhão de milhões de dólares no ano passado. Este ano será superior.
Como a acumulação capitalista não funciona mais de acordo com a lógica do sistema, Washington, na fidelidade a uma estratégia de dominação universal, saqueia os recursos naturais de dezenas de países e desencadeia guerras de agressão ditas «preventivas» com a cumplicidade dos seus aliados da União Europeia.
Neste contexto o presidente Barack Obama, apresentado pela propaganda como político progressista e humanista, desenvolve uma politica que é indispensável e urgente desmistificar porque configura uma ameaça à Humanidade.
A falsificação da História não pode apagar a realidade. O homem distinguido com o Nobel da Paz ampliou a politica belicista de Bush. Manteve a ocupação do Iraque, intensificou a guerra de agressão no Afeganistão, iniciou os bombardeamentos no Noroeste do Paquistão, mantém a aliança com o sionismo neofascista israelense.
Crimes monstruosos, sobretudo no Afeganistão, comparáveis aos das SS nazis na II Guerra Mundial, são cometidos rotineiramente pelas Forças Armadas dos EUA. A barbárie militar tem aliás por complemento uma vaga de barbárie cultural. Essa é porém assunto a que os grandes media dedicam atenção mínima. Seria incómodo lembrar a destruição e saque de patrimónios da Humanidade na antiga Mesopotâmia. Informar por exemplo que nas ruínas de Babilónia estacionam tanques da US ARMY, que a maior base americana no Afeganistão, Begram, está instalada no espaço arqueológico de Kapisa, a antiga capital da desaparecida civilização Kuchana.
O Nobel da Paz dos EUA é o primeiro responsável pelo golpe de Estado nas Honduras (ver odiario.info de 26 de Julho e 1 de Dezembro de 2009), retoma a política de hostilidade à Revolução Cubana, volta a enviar a IV Esquadra para águas da América Latina, ameaça a Venezuela Bolivariana, o Equador e a Bolívia, cria 7 novas bases militares norte-americanas na Colômbia, instala em África o AFRICOM, um exército permanente dos EUA naquele Continente, bombardeia a Somália e o Iémen.
O presidente dos EUA é elogiado como defensor de um mundo sem armas nucleares. Mas na recente Conferência sobre Desnuclearização ameaçou usá-las contra o Irão, se o seu governo não se submeter às exigências de Washington.
A CUMPLICIDADE COM A FINANÇA
Diariamente lemos nos jornais portugueses e ouvimos em programas televisivos em que pontificam politólogos do sistema que a recessão terminou na maioria dos países da União Europeia, que a retoma é uma realidade e que nos EUA a economia cresceu no último trimestre mais do que o previsto. A Grécia, Portugal, a Espanha, a Irlanda e a Itália seriam excepções. A «turbulência» dos mercados mantinha-se, com bruscas oscilações nas bolsas, mas isso resultaria da acção de especuladores.
Os governantes e a comunicação social esforçam-se por persuadir os povos de que tudo voltará em breve à normalidade graças a sábias políticas financeiras -insinua-se – que salvaram a banca e a medidas de austeridade impostas pela necessidade de reduzir os deficits orçamentais. Em Portugal o PEC seria a solução salvadora. Com custos, é um facto, mas a hora exigiria sacrifícios de «todos» a bem da pátria.
O discurso da mentira e da hipocrisia pode mudar na forma, mas o seu conteúdo é fundamentalmente o mesmo de Washington a Paris, de Tóquio a Londres.
O objectivo é enganar os povos para impedir que a intensificação das lutas sociais abale as bases do sistema.
Uma vez mais são os EUA quem comanda a campanha de desinformação.
Na realidade, muito pouca coisa mudou ali no mundo corrupto da finança. Centenas de milhões de dólares foram injectadas no «mercado» pela Administração Obama, mas não para acudir às grandes vítimas da crise, as camadas mais pobres do povo norte-americano. As medidas tomadas pelo Governo Federal visaram salvar da falência os responsáveis pelas acções criminosas que desencadearam a crise, sobretudo a grande banca, as seguradoras, os gigantes da indústria automóvel.
Os patrões da finança são os mesmos e continuam a atribuir-se salários e prémios milionários (em Portugal acontece o mesmo) e retomam os métodos fraudulentos que estão na origem do tsunami financeiro.
Prémios Nobel da Economia como Joseph Stiglitz, Paul Krugman e académicos de prestígio mundial como Noam Chomsky arrancam a máscara ao governo federal, desmontando a mentira da recuperação. Acusam frontalmente Obama de, ao invés de punir os cardeais da finança ter colocado muitos deles em postos chave da Administração. É o caso do secretário do Tesouro, Timothy Hitler, um ex-magnata de Wall Street, hoje responsável pela política monetária do país. Mais expressivo ainda é o caso de Larry Summers. Esse homem foi, durante o governo de Clinton o autor intelectual da revogação da lei que impedia a chamada «desregulamentação», isto é as politica criminosas que provocaram falências em cadeia. Que fez Obama? Nomeou-o seu assessor económico.
Em 1929, no auge da crise iniciada com o crash de Wall Street, John Kenneth Galbraith, o eminente economista liberal afirmou que «o sentido de responsabilidade da comunidade financeira perante a sociedade (…) é praticamente nulo».
Nada mudou desde então.
Obama comprometeu-se a reformar profundamente o sistema financeiro. Mas, em vez de cumprir a promessa, manteve os privilégios dos cardeais da finança.
O desemprego, entretanto, cresce. A pobreza alastra em cidades como Detroit (antes pulmão da indústria automobilística) e Pittsburg (antiga capital do aço) onde bairros inteiros, desabitados, oferecem uma imagem de decadência que nega os slogans do american way of life.
A chanceler Merkel e o presidente Sarkozy bradam que «é preciso refundar o capitalismo». Mas, conscientes de que o capitalismo não é humanizável, tudo fazem para o recauchutar.
O EXEMPLO DA GRÉCIA
Foi ilusório acreditar que a Europa escaparia aos efeitos da crise nos EUA.
Sucedem-se as crises na Islândia, na Espanha, na Irlanda, em Portugal, na Grécia.
O euro desvaloriza-se em ritmo alarmante. A taxa de desemprego atinge já os 20% em Espanha. Na Alemanha e na Grã-Bretanha a gravidade da crise será transparente após as eleições. Em França, Sarkozy tenta em vão ocultar o profundo descontentamento do povo que se expressa na amplitude assumida pela contestação social.
Na Grécia a economia desmoronou-se. O alarme foi tamanho em Bruxelas que os grandes da União Europeia, temendo o contágio, aprovaram com o FMI, após tumultuosos debates, marcados por contradições e hesitações, um plano dito de «ajuda» que na realidade impõe ao país medidas que, a serem aplicadas, o reduziria à condição de colónia administrada pela finança internacional.
Subestimaram o espírito de luta do povo grego, a sua firmeza no combate em defesa de direitos históricos adquiridos há muitas décadas.
Sete greves gerais nos últimos cinco meses expressaram a recusa dos trabalhadores gregos a submeter-se ao chamado «programa de austeridade», eufemismo que encobre as exigências impostas pelo grande capital, violadoras da soberania nacional.
A greve do dia 5 de Maio, gigantesca, paralisou o país. Centenas de milhares de trabalhadores protestaram em Atenas e 68 outras cidades contra a agressão exterior mascarada de «ajuda».
Como era de esperar, os media internacionais desinformaram na Europa e nos EUA. Reduziram a dimensão do protesto e deturparam o significado da grande jornada de luta.
Mas o objectivo de caluniar o povo grego não foi atingido. Era impossível ocultar que o país parou. Transportes, escolas, hospitais, fábricas, portos, aeroportos, comércio; o sector privado juntou-se ao público.
Elementos da extrema direita provocaram distúrbios na manifestação em frente do Parlamento. Entre eles havia polícias à paisana. Mas a tentativa de responsabilizar o PAME – a Frente Sindical que mobilizou os trabalhadores -fracassou porque o protesto foi pacífico, excluindo todas as formas de violência.
Os governantes e banqueiros da UE insistem em falar do «caos grego», criticam os grevistas que se opõem a medidas de austeridade concebidas para «salvar o país». Mentem conscientemente. A Grécia projecta nestas semanas a imagem de uma luta de classes exemplar na qual o seu povo, no confronto com o capital, assume o papel de sujeito histórico. O mundo do trabalho não está disposto a pagar a factura da política capituladora que lhe é imposta, prevista aliás no Tratado de Maastricht: eliminação dos 13º e 14º salários, redução de pensões de reforma, corte brutal nos salários, congelamento dos mesmos, etc.
No dia 4 de Maio, reagindo à estratégia de Bruxelas, o Partido Comunista da Grécia (KKE), ocupou simbolicamente a Acrópole, em Atenas, e desfraldou naquela colina milenar bandeiras com uma inscrição desafiadora: «Povos da Europa levantai-vos!»
O KKE está consciente de que a Europa não se encontra no limiar de uma situação pré-revolucionária. Na própria Grécia não estão reunidas condições para um assalto ao poder.
Nem por isso o brado revolucionário do KKE é menos comovente e oportuno. Também em 1848 Marx sabia, quando redigiu com Engels o Manifesto do Partido Comunista, que a Revolução socialista na Europa não iria concretizar-se no futuro próximo. Mas o grito «Proletários de todos os países uni-vos!» ecoou no Continente como incentivo à luta de classes, desencadeando um vendaval de esperança nas massas oprimidas.
As grandes revoluções não se forjam em dias, sequer em meses ou anos. Não existe para elas data previsível porque resultam de uma soma de pequenas e grandes lutas inseridas em contextos históricos favoráveis.
Os comunistas gregos não ignoram que a derrota do capitalismo vai tardar. Mas adquiriram há muito a convicção inabalável de que deve ser frontal e sem concessões no combate ao sistema que invoca a necessidade de «reformas» e de «políticas de austeridade» para reforçar a opressão social.
Uma certeza: a crise, na Grécia e no mundo, vai agravar-se com pesado custo para o proletariado de novo tipo que engloba a nível planetário centenas de milhões de trabalhadores.
E não será dos Parlamentos transformados em instrumentos da dominação das classes dominantes que sairá a saída para a crise global que vivemos e ameaça a Humanidade.
Por isso mesmo, a exemplar lição de combatividade dos trabalhadores gregos e do seu heróico partido, vanguarda revolucionária na melhor tradição leninista, é tão importante, bela e simbólica.
Nesta Primavera europeia do ano 2010, os filhos da Helada voltam a lutar pela Humanidade.
V.N.de Gaia, 9 de Maio de 2010
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