terça-feira, fevereiro 10, 2009

FSM 2009 - MST


MST no Fórum: sectarismo preocupante

O MST conta com o ódio visceral da direita brasileira e da maioria dos meios de comunicação. Ao mesmo tempo, alguns líderes do Movimento têm assumido, nos últimos meses, uma postura sectária e pouco construtiva para a convivência e convergência das forças democráticas e populares.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é um patrimônio nacional. Seus 25 anos de existência mostram como um trabalho sério, dedicado e constante transformaram as lutas pela democratização da propriedade no Brasil. Por causa disso, o MST conta com o ódio visceral da direita brasileira e da maioria dos meios de comunicação. Ao mesmo tempo, alguns líderes do Movimento têm assumido, nos últimos meses, uma postura sectária e pouco construtiva para a convivência e convergência das forças democráticas e populares. O ápice da falta de tato, beirando os maus modos, foi dada por um dos principais dirigentes do Movimento, João Pedro Stédile, em discurso no Fórum Social Mundial (FSM), realizado em Belém do Pará. Vale a pena nos determos na atuação de alguns dirigentes do MST em ato realizado na tarde do dia 29 de janeiro último, no ginásio da Universidade Estadual do Pará (UEPA). A cerimônia, que contou com a participação de quatro presidentes sul-americanos, representou um dos pontos marcantes do FSM, para bem e para mal. A mesa foi composta por Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Hugo Chávez (Venezuela), além de Stédile e outros dirigentes de movimentos sociais. Lula não foi convidado. Um segundo ato, realizado na noite do mesmo dia, em outro local de Belém, o reuniria aos seus colegas. As alegações pouco claras para a exclusão do brasileiro davam conta de que o tema em tela seria a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta de integração regional, lançada pela Venezuela, da qual o Brasil não faz parte. 

Fora da Alba "Não convidamos o presidente Lula porque o Brasil está fora da Alba. Não se trata de um problema político ou de retaliação. Nós não fomos convidados para o ato de Lula com estes mesmos presidentes e compreendemos, porque o ato não incluiu os movimentos sociais. Assim como aqui não caberiam países fora da Alba", explicou ao portal Vermelho João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST. A CUT era uma das promotoras do ato noturno e, até onde consta, é um movimento social. O curioso é que a proposta da Alba mereceu apenas menções laterais por parte dos oradores daquela tarde chuvosa e abafada. A causa principal para a exclusão parece ter sido a alegada paralisação dos projetos de assentamento para a reforma agrária ao longo do segundo governo Lula. Tudo bem, não quer convidar, não convida. Mas é preciso ficar claro: realizar um ato em território brasileiro com quatro chefes de Estado estrangeiros, por mais afinados politicamente com estes que se possa ser, não tira de cena a péssima educação de quem patrocina o evento e a quebra de qualquer decoro diplomático do gesto. Presidentes de outros países não podem participar unilateralmente de audiências de qualquer ordem no interior de qualquer país sem a anuência da diplomacia local. Não são pessoas físicas, são representantes de outras nações. Inexiste demanda possível de ser atendida por eles que não passe pelos canais democráticos e institucionais nacionais. 

"Frouxos" Discursando em espanhol para uma platéia majoritariamente brasileira, ao final do ato, João Pedro Stédile citou os governos brasileiro e argentino como progressistas e integrantes de "um movimento histórico da América Latina de rompimento com o neoliberalismo na região". Se é assim, o sectarismo é maior. Mas o dirigente foi além e, após uma curta análise da situação regional, disse, entre outras coisas, o seguinte: 1. "Os governos que me perdoem, exponho o que pensam os movimentos. Vocês têm andando muito frouxos. Fazem suas reuniões aí, comentam algo de conjuntura, mas nós esperamos mais de vocês, queremos mudanças estruturais, não remédios para o capital. Nas próximas cúpulas regionais, convidem os movimentos de seus países", cobrou. Quer dizer, Chávez que enfrentou e derrotou um golpe de Estado, Morales que venceu a direita separatista no processo constituinte, Correa que realiza uma auditoria de sua dívida pública e Lugo que mandou à lona uma ditadura de 60 anos do Partido Colorado não seriam mais do que "frouxos". Sensacional. 2. Comentando a reunião da Cúpula da América Latina e do Caribe (CALC), realizada nos dia 16 e 17 de dezembro, na Costa do Sauípe, na Bahia, o dirigente Sem-terra declarou: "Todos os presidentes da América Latina estiveram lá e nada decidiram. Comeram bem, andaram na praia e nós na expectativa de mudanças". Hugo Chávez não passou recibo: "Eu não fui à praia". Em tom de brincadeira, Stédile corrigiu: "Alguns gordos não foram à praia".  O encontro na Bahia teve o caráter simbólico de se contrapor à OEA - que exclui Cuba e inclui os Estados Unidos - e buscar caminhos para uma maior integração continental. Cuba estava presente e os EUA não. Trata-se de um evento inédito e alentador, do ponto de vista político. Não se deve subestimar o acontecimento, que foi atacado sem dó pela grande mídia. 3. A certa altura, Stédile opinou que as eleições não resolvem os problemas da região. "Se fosse assim, a Itália estaria muito bem", disse ele. Curiosa lógica. Todos os mandatários latinoamericanos foram eleitos, reeleitos e referendados em seguidas consultas populares. Fazem parte de uma vaga eleitoral antiliberal. Se a democracia real não conseguiu resolver os problemas, as soluções devem ser buscadas nas combinações de demandas sociais com o alargamento dos espaços institucionais. O próprio Fórum Social Mundial não existiria se governos democráticos não tivessem sido eleitos e investido dinheiro e estrutura em iniciativas desse tipo.  O MST, sempre que se vê acuado em seus embates com a direita, solicita apoio de governos e parlamentares progressistas, eleitos pelo povo, o que é muito justo. Mudará de tática daqui por diante? 

Anti-política É bom lembrar que o discurso antieleitoral, pretensamente radical, esconde o fato de que as eleições diretas foram uma conquista democrática da sociedade. Estiveram no centro da maior mobilização de massas da história do Brasil, organizada por partidos e movimentos sociais. Falamos da campanha das Diretas Já, em 1984. Os ataques à participação eleitoral têm por base a idéia de negação da atividade política e da prática partidária, que seriam espaço de uma mal denominada "institucionalidade burguesa". Os movimentos sociais seriam o que haveria de mais avançado na sociedade. É preciso mediar as coisas. Movimentos são por natureza organizações com reivindicações focadas em temas determinados, como terra, salário, direitos, água, etc. Em seu conjunto, podem fornecer as bases para a formação de um programa de ação abrangente e transformador. Isoladamente, buscam a satisfação de objetivos determinados. Equiparar sua atividade a de partidos, que buscam formular e articular projetos mais amplos é incorrer em comparações entre sujeitos de naturezas diversas entre si. 

Os ataques da direita O MST enfrenta hoje uma tentativa de isolamento social, promovida pelos meios de comunicação e pelo grande capital. No meio disso tudo, o governo Lula paralisa-se, subordinando-se à lógica do agronegócio voltado para exportação. A expansão do capitalismo no campo coloca em xeque um tipo de reforma agrária produtivista, historicamente pleiteada pela esquerda brasileira. O latifúndio agora é agronegócio e não mais um anacronismo econômico. Tornou-se parte do pólo dinâmico de uma economia que se reprimariza. É uma modalidade que emprega poucos trabalhadores e os submete - especialmente aos da cana - a condições de trabalho extremamente precárias. Para completar o quadro, na área de grãos, o patenteamento de sementes geneticamente modificadas aumenta exponencialmente a produtividade da terra, tornando culturas de trigo e soja característica cada vez mais de lavouras extensivas e não de pequenas propriedades. Embora, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, exista um aumento de recursos para o financiamento da agricultura familiar - modalidade em que se enquadra grande parte dos trabalhadores já assentados - os números de novos assentamentos estacionaram. Essa contradição, entre os que já têm terra e os que não tem, coloca o MST em uma encruzilhada. Assentados e acampados formam a base social do movimento. Um setor conta com mais recursos e outro vê suas esperanças de conquistar um lote serem reduzidas. Neste caminho difícil, o Movimento busca encontrar um norte. A luta pela terra no Brasil, tarefa de todos os que se batem pela justiça social, precisa ter este nó desatado o mais rápido possível. 

Sem lugar Uma lembrança final. O ato entre os movimentos sociais e os quatro presidentes, sem Lula, estava planejado para acontecer no Hangar, imenso centro de convenções da capital paraense. Quatro dias antes de sua realização, o governo do Estado comunicou ao MST que a cessão do espaço não seria possível. Na mesma noite aconteceria ali a cerimônia com os cinco mandatários, promovida pela CUT, pelo Ibase e pelo Instituto Paulo Freire. Os dirigentes do movimento tentaram em vão obter o empréstimo de outro lugar que comportasse o número de pessoas previsto para a atividade. Em vão. Todos os locais fechados da capital paraense estavam com as agendas lotadas para o dia 29. A saída foi buscar o auxílio do PSOL, que realizaria uma plenária sindical no ginásio da UEPA. O partido abreviou suas atividades, que iriam até o final do dia, e com isso, cerca de 1,2 mil ativistas de diversos movimentos puderam participar do encontro. Um pedido foi feito pelo partido ao MST: que um representante seu pudesse saudar brevemente os presentes. Tudo foi acertado no dia anterior. Quando a atividade tem início, surpresa! O representante do PSOL é convidado a se retirar do palco. A explicação para a quebra do acordo foi do dirigente João Paulo Rodrigues: "É uma plenária de movimentos, na qual não cabem partidos". Pode ser, mas a boa educação não funciona bem assim. Não é bom para a democracia brasileira e para a esquerda que dirigentes de uma organização com a respeitabilidade internacional do MST incorram em sectarismos de tal ordem. O movimento não vai alcançar seus objetivos sozinho, sem a luta política dos partidos populares, sem os o auxílio de governos progressistas e sem a ampliação de sua base de apoio, à esquerda e à direita.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4141&boletim_id=530&componente_id=9229


,,,