domingo, julho 30, 2006

"Filme isto para os europeus e os americanos. É isto a civilização que nos trazem?"


30/07/2006 - 12h27
Mulheres abraçaram os filhos em Qana durante ataque para tentar protegê-los da morte

BEIRUTE (AFP) - As mulheres abraçaram os filhos para protegê-los da morte, mas este último e inútil escudo não foi suficiente no abrigo de Qana, uma cidadezinha que já havia sofrido há 10 anos um bombardeio israelense que matou uma centena de civis.
Os corpos de mães, vestidas com calças compridas estampadas de flores, estavam deitados no chão, com os olhos aterrorizados; morreram estreitando os filhos nos braços, comprovou a correspondente da AFP.Do prédio situado no sopé de uma colina recentemente terminado, resta apenas um terceiro andar num equilíbrio precário.
O proprietário, um plantador de tabaco conhecido como Abbas Hachem, adaptou um porão no prédio, onde se haviam refugiado vizinhos e dezenas de portadores de deficiência mental e física. Havia 63 pessoas lá, entre elas 34 crianças, afirmou à AFP Fares Attiyah, encarregado do abastecimento do abrigo.
"Vi mulheres em posição fetal, coladas à parede, pensando que o tabique as protegeria quando, na realidade, aconteceu o contrário. Sua escolha foi fatal, essas paredes caíram sobre elas", conta entre soluços Naim Rakka, responsável pela equipe da Defesa Civil enviado ao local.
Segundo ele - o que não pôde ser comprovado com fontes independentes - houve uma primeira bomba e depois uma outra que implodiu o edifício.
Voluntários trabalhavam com as mãos para tirar debaixo das ruínas os corpos cobertos de poeira. Tiravam corpos de crianças de pijama e os cobriam com um cobertor levando-as depois a uma casa ao lado.
"Houve um primeiro bombardeio à 01H00 local (22H00 GMT de sábado). Algumas pessoas deixaram o prédio e, minutos depois, um segundo bombardeio que só deixou escombros. Havia 63 pessoas, das famílias Chalhub e Hachem", confirmou Ghazi Aidibi.
"Depois do bombardeio, a poeira cobria tudo. Não se via mais nada. Consegui sair com duas crianças e tudo desabou. Há vários membros de minha família dentro e acho que não há sobreviventes", declarou comovido Ibrahim Chalhub, de 26 anos."
O bombardeio foi tão intenso que ninguém podia se mover. As tarefas de resgate só começaram com a manhã adiantada", declarou ele, um dos poucos sobreviventes.
"Tirei meu filho e deixei meu marido, Mohammad Chalhub, um paraplégico de 35 anos, no prédio porque não podia carregá-lo. Mas quando fui tirar minha filha que havia deixado no abrigo já era muito tarde, o prédio estava destruído", contou Rabab.Alguns vizinhos não poupavam as expressões de ira contra os americanos. O presidente George W. "Bush bebe seu whisky enquanto nós contamos o número de mortos", gritava histérico um morador que perdeu vários familiares. Outros chamavam os israelenses de "assassinos".
Em meio às tarefas de resgate no local, onde várias dezenas de casas estavam destruídas, a aviação israelense prosseguia os bombardeios nos arredores de Qana, segundo a jornalista da AFP.
Qana já foi cenário de um sangrento bombardeio israelense durante a operação "Vinhas da Ira" no dia 18 de abril de 1996, na qual morreram 105 civis que haviam se refugiado num posto da ONU e outros 300 ficaram feridos. enviado por Maria Luiza Tonelli

30/07/2006 - 11h10
Massacre em Qana

Javier Otazu Beirute, 30 jul (EFE).- O massacre de Qana, onde teme-se que 55 pessoas tenham morrido, causou o cancelamento da visita da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, ao Líbano e levou às ruas de Beirute milhares de manifestantes que destruíram a sede da ONU na capital libanesa.Segundo a Cruz Vermelha libanesa, que recolheu o testemunho de um xeque (autoridade religiosa) de Qana, no sul do Líbano, havia 63 pessoas no edifício bombardeado pela aviação israelense, das quais apenas oito foram resgatadas com vida no começo da manhã.
Às 14h (8h de Brasília), o porta-voz da Cruz Vermelha libanesa, George Katani, disse à Efe que os serviços de resgate de várias instituições tinham recolhido 25 cadáveres, 16 deles de crianças.As televisões libanesas e árabes mostraram várias imagens destas crianças que jaziam inertes entre os escombros, quase todas de pijama, pois supostamente foram surpreendidas durante o sono pelos bombardeios.
"Filme isto para os europeus e os americanos. É isto a civilização que nos trazem?", gritava para as câmeras da emissora "LBC" um homem com uma menina morta em seus braços."Isto é um açougue, um açougue", gritavam mulheres da cidade, situada a cerca de 20 quilômetros de Tiro.
O ministro do Interior do país, Ahmed Fatfat, disse que o edifício era utilizado como abrigo no povoado, outras vezes duramente castigado por bombardeios.Em um tentativa de se eximir da culpa pela tragédia, o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, disse hoje que o Exército, por meio de panfletos, tinha avisado os moradores de Qana para deixar a cidade devido à iminência de bombardeios, posto que o comando israelense alega que o Hisbolá utiliza a localidade como base de operações.
O primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, ao saber das notícias do bombardeio em Qana, cancelou a visita que a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, iria fazer ao Líbano."Não há espaço neste dia triste para nenhuma discussão que não seja um cessar-fogo imediato e incondicional, assim como uma investigação internacional dos massacres israelenses no Líbano já", disse Siniora aos jornalistas.
A visita de Rice não tinha sido oficialmente anunciada, mas o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, tinha dito ontem que enviaria Rice à região para falar com israelenses e libaneses sobre uma possível solução para a crise.Os EUA, alinhados com Israel, se recusam, por enquanto, a exigir um cessar-fogo imediato como princípio de qualquer tipo de negociação, como pede o Líbano.
Pouco antes do meio-dia, enquanto organizações humanitárias e jornalistas se deslocavam o mais rápido possível para Qana para investigar o ocorrido, milhares de manifestantes saíam para o centro de Beirute para manifestar sua raiva convocados espontaneamente pelo Hisbolá.
Os manifestantes se concentraram em frente à sede a ONU em Beirute, um edifício moderno, envidraçado e rodeado por muros de concreto, o que não impediu a invasão de dezenas de pessoas, que destruíram vidros, palmeiras, computadores, cadeiras e mesas.Os funcionários da ONU, que na hora estavam dentro do prédio, tiveram que buscar refúgio nos porões. A destruição só acabou quando o presidente do Parlamento, Nabih Berri, ocasional aliado do Hisbolá nestes dias, pediu calma aos manifestantes pelo bem do Líbano.
A manifestação continuou nos arredores do edifício e pelas ruas de Beirute."Nasrallah, destrua Tel Aviv", "Morte à América", "Todos somos a Resistência", gritavam os manifestantes, muitos dos quais carregavam cartazes com mensagens como "Que culpa têm as crianças?" ou "Suas bombas inteligentes matam crianças".