sexta-feira, dezembro 30, 2011

Alteram-se as tendências, na disputa por recursos vitais (2/3)

27/12/2011, Pepe Escobar (entrevistado por Lars Schall), Consortium News
Lars Schall: Mas você diria que é coincidência, essa conexão histórica entre recursos energéticos e drogas ilícitas? Por exemplo, na guerra do Vietnã.
Pepe Escobar: É verdade, com a Air America. A Air America não estava só defendendo civis no Laos e no Vietnã. Basicamente, foi uma operação de contrabando de heroína, que a CIA dirigia. – Mas a coisa não é necessariamente assim.

Eu lembraria o caso da Colômbia, que foi completamente diferente. A Colômbia foi um caso de cartéis locais, que lutavam entre eles, pelo monopólio de exportar cocaína para os EUA. Nesse caso, eu diria que havia poucos interesses norte-americanos envolvidos nisso – vender equipamento e armas, sim, mas os norte-americanos não estavam à frente da batalha contra os cartéis. E quando os cartéis se fragmentaram, espalharam-se por todos os cantos. Agora, nos últimos três ou quatro anos, são peruanos que controlam a distribuição de cocaína na América do Sul, já não são os colombianos.

Deslocalizaram-se, por exemplo, também para o Brasil, como centro de refino e de exportação. Eu diria que, semana a semana, aumenta a apreensão de cocaína no Aeroporto Internacional de São Paulo, por exemplo. Se você multiplica isso pelo que realmente entra por ali, é incrível. Hoje, o aeroporto de São Paulo é um dos principais portos de embarque de cocaína para a América do Norte e para a Europa. Antes, foi a heroína que vinha da Ásia Central via Europa, e que desembarcava também no Brasil.
Engraçado: houve um tempo, nos anos 1980s, lembro bem, que havia uma conexão italiana: as pessoas traziam heroína de Milão para São Paulo, e levavam cocaína de São Paulo para Milão (risos). Isso, há quase trinta anos.

O caso da Colômbia é muito diferente. Não há relação direta entre drogas e energia. E o mesmo acontece na Venezuela: ali, o único jogo em andamento tem a ver com energia: é uma batalha por energia. Hugo Chávez – e pense-se o que se pensar sobre ele – tem agido com muita inteligência, porque [pensou ele]... OK. Minha saída é negociar com outros players. E a Venezuela fez logo negócio gigante com a China. Hoje, são um dos maiores fornecedores de petróleo para a China.

Em breve estarão vendendo 1 milhão de barris de petróleo por dia, à China. E podem aumentar para dois milhões, facilmente, se os chineses investirem na região do Orenoco, explorando novos campos, o que os chineses farão. Não é prioridade agora, porque, no momento, os chineses estão concentrados na Sibéria, Ásia Central e África. Mas os chineses ainda têm esse plano C ou D para eles: a Venezuela.

E contam com o Brasil, como exportador de petróleo?

Pepe Escobar: Sim, com toda a certeza, por causa dos depósitos do pré-sal, no Brasil, que são uma espécie de ‘benção’ complexa, de fato. A Petrobrás é vista em todo o mundo como das mais competentes empresas estatais de petróleo. O problema é que a Petrobrás tem de desenvolver tecnologia específica para perfurar a camada de sal, para extrair o petróleo. É operação extremamente complexa e extremamente cara. Dizem que a extração começará em 2017, mas duvido.

O último número que vi, em termos do investimento necessário, faz alguns meses, era algo como 220 a 240 bilhões de dólares de investimentos ao longo de poucos anos, para começar a extrair o petróleo do pré-sal. Todos querem participar. A Chevron já está lá, a Exxon Mobil, a Gazprom quer vir e, claro, os chineses. E tenho certeza de que, quando os brasileiros começarem a lançar projetos, os chineses estarão na primeira fila, com todas as suas empresas, CNPC, CNOOC, todas elas.

Mas é projeto de longo prazo para os chineses, é claro, porque, se se analisa a coisa com realismo, não haverá petróleo do pré-sal antes de 2019/2020. Os chineses estão pensando à frente.

Ouvimos falar muito dos BRICS. Você entende que seja só um bom nome, inventado por Goldman Sachs, ou há mais sob esse nome, uma estratégia abrangente, alguma coisa desse tipo?

Pepe Escobar:
Ainda não há uma estratégia abrangente. Foi só um bom nome, em 2001/2002. Agora já é mais que isso, porque eles se reúnem com regularidade, não só no encontro oficial anual, mas os ministros de Relações Exteriores trabalham juntos, os vice-ministros encontram-se, como encontraram-se recentemente em São Petersburgo. Todos têm interesses semelhantes. Para Rússia e China, trata-se de manter os EUA longe de seus quintais, quer dizer, basicamente, longe da Ásia Central e das ex-repúblicas soviéticas.

Ao Brasil, o que interessa é manter os norte-americanos fora da América do Sul, o mais que seja humanamente possível, considerando que Brasil e EUA mantêm relações muito, muito próximas, e os EUA ainda veem o Brasil como aliado-chave na América Latina. O jogo das relações exteriores entre Brasil e EUA é extremamente complicado.

À Índia, o que interessa é manter-se no mesmo grupo das demais nações emergentes, sem antagonizar demais os EUA. A Índia também tem de jogar um jogo difícil.

A África do Sul só foi incluída, basicamente, porque os demais precisavam dar um salto continental, queriam estar representados em três continentes. Do ponto de vista dos BRICS, eu diria – e, de fato, já discutiram isso em Brasília, no ano passado – que o quinto BRIC seria a Turquia, seria o grupo BRICT. Mas, no último momento, incluíram a África do Sul. Entenderam que precisavam acrescentar ao grupo a maior economia da África, e porque Brasil, África do Sul e Índia já comerciavam entre eles, muito mais, nos últimos quatro anos, que nos 400 anos anteriores. Brasil e África do Sul estão-se integrando muito bem. E a África do Sul é a ponte entre o Brasil e a Índia. Encaixava-se bem aos outros três players.

Mas acho que, em breve, os BRICS talvez incluam – digo “talvez”, porque começaram a discutir, mas ainda não sabem como fazer, em termos formais – a Turquia, a Indonésia e a Coreia do Sul. Que são candidatos naturais, não há dúvidas. Dois na Ásia e um no Oriente Médio, na intersecção entre Europa e Ásia.

Começaram a conversar sobre maior integração em termos das suas economias, trocas culturais, todo esse blá-blá-blá. Agora, estão pensando: OK. Temos de dar um soco no mesa, mesmo que, no começo, seja um soco soft. Já agiram juntos no caso da Líbia, quando se abstiveram de votar a Resolução UN 1.973 – o que já foi um grande passo. Foram condenados por isso, mas sem alarido, por europeus e pelos EUA. Mas raciocinaram que aquela não podia ser uma linha vermelha; no máximo uma suave linha amarela. Nenhum deles pode antagonizar muito os EUA.

Depois, veio a mais recente proposta para que o Conselho de Segurança da ONU votasse o caso da Síria. Os BRICS imediatamente perceberam que “não, não, isso não pode ser: aí está a linha vermelha”. E isso, por várias razões. Porque Rússia e China têm muitos bons negócios com a Síria. Brasil e Síria são muito próximos. Milhões de sírios vivem no Brasil, além de sírio-libaneses. No Brasil se diz sírio-libaneses. São quase indistinguíveis para muitos brasileiros, porque começaram a chegar nos anos 1920s, 1930s e também depois da II Guerra Mundial. Todos vivem perfeitamente integrados na sociedade brasileira, e há muitos negócios entre Brasil e Síria. Essas razões são algumas das que explicam também porque todos aqueles países têm posição comum.

Quanto à África do Sul, é evidente. Na primeira votação, da Resolução da ONU, foram pressionados por Obama. Obama telefonou ao presidente Zuma, falaram por duas horas, e Obama disse: você tem de votar conosco, ou vão ter problemas. Zuma votou contra vontade. Adiante, participou da delegação da União Africana para tentar negociar a paz entre Gaddafi e os ‘rebeldes’. Gaddafi aceitou tudo; os ‘rebeldes’ disseram não. Por quê? Porque a OTAN mandou que dissessem não. Quer dizer, a África do Sul também tinha seus motivos.

A Síria é a linha vermelha. Por isso estão agora começando a organizar a abordagem conjunta, do grupo, em relação ao ocidente atlanticista, de modo muito mais bem coordenado. E em termos econômicos, estão pressionando o Fundo Monetário Internacional, para que dê mais peso aos votos do Brasil e da China.

O FMI tem três nomes na posição de diretores regionais com direito a voto, e China e Brasil dizem, há anos, que precisam de mais diretores, para que seus votos pesem mais. Tudo isso está em discussão. Lembre que o ministro das finanças do Brasil disse ‘e se, talvez, encontrássemos um meio para ajudar as economias europeias?’ Foi como dizer: ‘O problema é do FMI. Nós queremos participar, queremos ter mais votos, mais peso nas votações. Depois, decidiremos se vamos ajudar ou não. Mas terá de ser feito pelo mecanismo do FMI’.

Não há dúvidas de que, sim, estão agindo de modo muito mais coordenado do que há, digamos, dois anos. Não demorará, e os BRICS serão BRICTS, BRICTIISS, BRICS expandidos. Mas hoje o grupo está configurado como um contrapoder, em termos geopolíticos, em termos de atrair o mundo em desenvolvimento; porque os BRICS exercem enorme fascínio sobre o Movimento dos Não Alinhados [orig. Non-Aligned Movement, NAM], por exemplo; e sobre outros países latino-americanos, vários países do Oriente Médio, vários países do Sudeste Asiático, um fascínio imenso... E contra uma ‘liga’ atlanticista, EUA-OTAN (é praticamente uma coisa só, porque os EUA controlam a OTAN).

A OTAN aliou-se às monarquias do Golfo Persa, ultrarreacionárias e ultrarrepressivas. O realinhamento do tabuleiro de xadrez é algo hoje muito suspeito, porque hoje esses países, especialmente o Qatar e os Emirados Árabes Unidos são subseitas da OTAN. Escrevi recentemente que começava a considerar a possibilidade de falar sempre de OTANCCG ou CCGOTAN. CCG é o Conselho de Cooperação do Golfo, que costumo chamar de Clube Contrarrevolucionário do Golfo, porque é o que o que é.
[23/11/2011, Pepe Escobar, “A pedregosa estrada de Damasco” (Asia Times Online), em português em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/pepe-escobar-pedregosa-estrada-de.html].

De fato, a fusão entre OTAN e CCG já é total, hoje. Se se inclui a fusão entre o complexo industrial-militar ocidental nos EUA, e o sistema de defesa dos sauditas, que também já é fusão total, pode-se dizer que o Pentágono e o CCG já são uma e a mesma coisa.

Os BRICS veem tudo isso. E para alguns daqueles países é extremamente complicado. Para a China, por exemplo, porque seu principal fornecedor de petróleo é a Arábia Saudita. Atualmente, a Arábia Saudita está ultrapassando Angola. A Venezuela já está entre os cinco maiores. A Líbia não estava entre esses cinco maiores fornecedores, motivo pelo qual disseram ‘OK, agora, não. Quem sabe, adiante.’ Mas como eles organizam o relacionamento entre Pequim e Riad? Os chineses veem que Riad está completamente alinhada com a agenda do Pentágono. E, ao mesmo tempo, os chineses dependem do petróleo dos sauditas. Isso explica, dentre outros fatores, por que os chineses estão tão ansiosos para conseguir depender cada vez menos no petróleo do Oriente Médio.

Tudo isso implica mais negócios com o Irã. Meu palpite, mais ou menos bem informado, é que, em breve, os chineses irão a Teerã e perguntarão: ‘De quanto dinheiro vocês precisam para ampliar muito suas instalações de gás e petróleo? Nós pagamos, desde que vocês negociem conosco.’

Isso explica o oleogasoduto do Turcomenistão à China; isso explica os dois oleogasodutos da Sibéria à China; e isso explica a China estar em Angola e também na África Central; e isso explicará que a China chegue ao Brasil e diga: De quanto dinheiro vocês precisam? A relação sauditas-China é muito complicada para Pequim, o que significa que, por hora, a China não pode antagonizar a Arábia Saudita em nenhum campo.

Ainda sobre os BRICS: você observou o fato de que os bancos centrais da Rússia, da China e da Índia, e também alguns bancos centrais da América do Sul, estão comprando muito ouro?

Pepe Escobar: Sim, claro! Estão agora comprando ouro, e ainda têm o Plano B, que é uma cesta de moedas, em termos de um sistema internacional de moedas. Os russos e chineses querem, os brasileiros querem, e a cesta incluirá provavelmente o dólar, o euro, o yuan, talvez o rublo e também o real, talvez o yen, mas os japoneses não entraram, até agora, na conversa. Por enquanto, se trata, é claro, de comprar ouro, inclusive os que não estão no jogo, mas estão conectados a ele, como a Venezuela. Não esqueça que a Venezuela está repatriando todo o ouro que o país tinha depositado em bancos europeus. Uma primeira remessa de ouro repatriado já está em Caracas.

Você acredita que possa vir a haver algum tipo de conexão, entre a cotação do petróleo e do ouro, no futuro próximo?

Pepe Escobar: Sinceramente, não sei. E sabe por quê? Eu diria que essa conexão dependerá de um movimento ligado a abandonar o petrodólar. É movimento que já começou há alguns anos. O Irã quer muito fazer, hoje como antes. A Rússia já disse que quer. A Venezuela já disse, na América do Sul, sim, nós também queremos. Mas acho que é solução ‘bomba atômica’. Pergunto: você consegue imaginar o dia em que os grandes produtores de petróleo dentro da OPEP digam: ‘Chega de petrodólar. A partir de agora negociaremos com nossas próprias moedas ou com as moedas de uma cesta de moedas’? Basicamente, é o fim da hegemonia dos EUA.

O país que tentar, estará frito.

Pepe Escobar: É. O mundo todo estará frito. Vejo essa opção como opção ‘bomba atômica’. Há poucos anos, quando o Irã estava implantando uma Bolsa de Energia, de fato, a ideia já estava presente lá, desde 2008.
[“Oil Bourse Opens in Kish”, Fars News Agency, 18/2/2008, http://english.farsnews.com/newstext.php?nn=8611290655]

Pepe Escobar: Lembro que, em 2005, entrevistei o sujeito encarregado de organizar e implantar essa Bolsa de Energia em Teerã. Foi uma entrevista fantástica. E, logo depois, tive uma briga terrível com o então editor de Asia Times, porque ele disse “Se publicarmos isso, amanhã os EUA bombardeiam nosso website.

Os iranianos disseram: é nosso primeiro passo, para que as pessoas comecem a comprar contratos de petróleo aqui, na nossa Bolsa, não em New York ou em Londres. E eu disse a ele: E vocês sabem o que estão fazendo, se a coisa evoluir? Dia seguinte os EUA bombardeiam Teerã. E ele me disse: “Sabemos dos riscos. O homem que está construindo esse mecanismo para nós é um ex-corretor que operava em Londres.” Foi negócio extremamente complicado, essa é a verdade.

Depois da minha entrevista, ainda se passaram três anos. Como você disse, a Bolsa só foi implantada em 2008. É uma Bolsa muito pequena, mas, do ponto de vista dos iranianos, é só um começo. Eles gostam dessa Bolsa. Começaram só com petroquímicos e querem, no futuro, negociar petróleo e gás. Estavam especialmente interessados em atrair compradores do mundo em desenvolvimento, além de Rússia e China, que poderão comprar produtos da energia iraniana diretamente do Irã. Tenho certeza de que Rússia e China também adoraram a ideia. Mas, no momento, é só um embrião de algo muito maior, que virá depois.

Você usa as expressões “Oleodutostão do Grande Oriente Médio” e “Grande Jogo 2.0” na Ásia Central. É útil conhecer o bom velho Halford Mackinder (geógrafo britânico, chamado de ‘o pai da geopolítica’), para pensar o “Oleodutostão”?

Pepe Escobar: Não. Quem conhece bem Mackinder é a turma de Brzeziński e o pessoal das agências de segurança nacional em Washington. Só eles acham que podem ‘aplicar’ Mackinder e vencer (risos). Os russos e os chineses diriam: “Não na nossa região, caríssimos. Aqui, a coisa é diferente. Nós temos os recursos. A Rússia é potência continental. A China, sozinha, é um reino e uma civilização. Aqui não admitimos interferência externa, vocês nunca controlarão nossa parte da Eurásia. Podem controlar a parte ‘euro’ da Eurásia, mas ela acaba no Bósforo. À direita do Bósforo, a Turquia tem ambições regionais, o Irã tem ambições regionais, nós temos nossas ex-repúblicas soviéticas, que ainda vemos como nossos satélites.”

O sudeste da Ásia está hoje ligado à China, em termos de comércio, negócios. Eu diria até que partes do sudeste da Ásia já se estão convertendo em subseitas da China.

Lembre que, durante o Milagre Asiático, quando o Banco Mundial lançou aquele famoso livro, em 1993, O Milagre Asiático, o Japão estava à frente, com os quatro tigres asiáticos atrás, depois os subtigres, e a China estava muito atrás, na fila. Hoje, em 2011, a coisa inverteu-se completamente: a China vem à frente, imensíssima, e atrás da China vêm os ‘sub’, tentando manter o passo e obter negócios. A diáspora chinesa é essencial em todos aqueles países.

Eles controlam a maior parte da economia na Indonésia, controlam quase toda a economia na Tailândia, casamentos mistos, tai-chineses, controlam quase toda a economia nas Filipinas, controlam grande parte da economia na Malásia, controlam toda a economia em Cingapura. Tigres? Não. Minigansos. A coisa está completamente invertida.

Por tudo isso, não vejo como se possa ‘aplicar’ Mackinder. Pensaram nisso, no governo Bush, tomado de húbris, e porque diziam, lembra-se, diziam isso dia sim, dia também: “Nós criamos nossa própria realidade e vocês, resto do mundo, que nos acompanhem.” Supuseram que conseguiriam implementar sua estratégia de grande jogo na Ásia Central, construindo aquele oleogasoduto no Afeganistão, o TAPI – Turcomenistão, Afeganistão, Paquistão, Índia, contornando o Irã, a Rússia e a China.

Supuseram que pudessem forçar os turcomanos a vender gás a empresas ocidentais, não à China, ou a ligarem-se à rede russa de oleogasodutos. Estavam ainda embriagados pelo sucesso que obtiveram com o oleogasoduto BTC (Baku-Tbilisi-Ceyhan) e diziam que seria o começo de vários dutos que contornariam o Irã.

Mas tudo isso foi no começo do governo Bush até 2003/2004, depois do ‘sucesso’ da guerra do Iraque. Hoje, poucos anos depois, como já conversamos, os americanos já não conseguem ganhar coisa alguma. De fato, a Organização de Cooperação de Xangai, que é mecanismo para conter essa proliferação de iniciativas dos EUA na Ásia Central, fortalece-se dia a dia.

Em termos de negócios de energia, a Rússia, o Irã, a China, o Turcomenistão, todos estão negociando entre eles. Obviamente, há espaço com a Europa, mas eles não podem negociar com a Europa, no caso do Irã, por causa das sanções; e no caso do Turcomenistão, porque construir um oleogasoduto como Nabucco, de mais de 20 bilhões de dólares, é inexequível. Para dar-lhe uma ideia, o custo do BTC, 4,5 bilhões de dólares naquele tempo, e naquele tempo todos diziam: é ridículo construir um oleogasoduto como esse, quando podemos ter rota mais curta a partir do Irã, que custará dez vezes menos que aquilo. E constroem, mesmo assim. Hoje, já é 500% mais caro que o BTC.

Verdade é que os EUA não estão vencendo coisa alguma; no Afeganistão, estão atirando no próprio pé, porque agora já antagonizaram não só o Paquistão, o que fizeram ao bombardear o país, nos últimos anos, na guerra dos drones; já antagonizaram os próprios afegãos, que realmente queriam acertar alguma coisa com os americanos. Os líderes tribais já diziam ‘vamos conversar com os norte-americanos sobre o tipo de base que querem depois que se retirarem, em 2014’. Queriam discutir o assunto.

Hoje? Esqueça, porque o Paquistão não quer mais discutir, estão fartos; e o Paquistão e a China estão cada vez mais próximos, mais próximos. Os chineses vão explorar essa ravina entre Washington e Islamabad. No Afeganistão, a confusão será total. Eles não querem saber de bases norte-americanas, tenho certeza, depois de 2014. O Pentágono, assim, tem de impor as bases, contra o Afeganistão; não se conhece ainda o mapa do caminho, tampouco, para fazer isso.

Assim sendo, se você analisa em termos de sucessos do novo grande jogo ao estilo dos EUA na Eurásia, já depois de quatro ou cinco anos, não se vê grande coisa (risos).

Se consideramos a questão: “Por que as guerras acontecem?”, você diria que o fato de os bancos estarem no topo da lista dos que se beneficiam com as guerras é parte importante da resposta, por exemplo, até agora?
[Nota do editor: para conhecer o contexto, ver J.S. Kim: “Inside The Illusory Empire Of The Banking Commodity Con Game“, in The Underground Investor, 19/10/ 2010 (http://www.theundergroundinvestor.com/2010/10/inside-the-illusory-empire-of-the-banking-commodity-con-game/): “O Federal Reserve dos EUA cria dinheiro para financiar a guerra e empresta o mesmo dinheiro ao governo americano. O governo americano, por sua vez, tem de pagar juros pelo dinheiro que toma emprestado do Banco Central para custear a guerra. Quanto maior as apropriações de guerra, maior os lucros dos banqueiros.”]

Pepe Escobar: Concordo, mas só se houvesse grandes apropriações de guerra, se o butim fosse alto. No Iraque não foi. O butim a ganhar no Iraque seria o petróleo que pagaria a guerra e, mais que isso, garantiria fornecimento de petróleo para os EUA pelos próximos mil anos, o novo Reich Americano, baseado no petróleo do Iraque. Não funcionou.

O que aconteceu no Iraque foi uma fascinante lição histórica. No começo, os neoconservadores pensavam, obviamente, porque nada sabem, absolutamente nada, sobre o Oriente Médio, sequer viajam, não conhecem; mas pensaram: ‘Ora, vai-nos custar praticamente nada; faremos os iraquianos pagar por tudo; e depois, quando o petróleo começar a chegar, pagarão o que não tiverem pagado antes’. Lembre-se do que diziam: “Somos a nova OPEC”. Isso, no final de 2002, começo de 2003. Também não funcionou.

Hoje, vemos uma variante, digamos, do modelo: guerras pagas por potências estrangeiras. A China está financiando as guerras no Iraque, no Afeganistão, parte da guerra na Líbia (não custou muito, mas, de qualquer modo, sim, a guerra na Líbia), a guerra na Somália, a guerra no Iêmen, a próxima guerra em Uganda ou no Sudão, que os EUA resolvam começar. Basicamente, todas essas guerras são financiadas pelos chineses, quando compram bônus do Tesouro americano. É uma variante do modelo.

Em artigo para a al-Jazeera
[“Why the US won't leave Afghanistan“, Al Jazeera, 12/7/2011, http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2011/07/2011711121720939655.html], você citou um estudo sobre o custo da Guerra ao Terror, publicado pelo projeto Eisenhower da Brown University. Lembra?

Pepe Escobar: Sim, lembro.

E o custo era quatro bilhões?

Pepe Escobar: Era, dependendo das variáveis do cálculo, dependendo dos custos médicos para tratar nos EUA os veteranos feridos, que só aumenta, e aumenta sempre, porque eles ainda têm de pagar pensões a eles. O custo varia hoje entre quatro e seis trilhões de dólares. Quer dizer: o que os EUA ganharam desses de quatro a seis trilhões de dólares, até agora? Até agora, pode-se dizer, só ganharam a Líbia, que não é, exatamente, prioridade para os EUA.

Era parte do plano original dos neoconservadores – começaria com o Iraque, depois Líbano, Síria, especialmente o Irã. Mas, até aqui, só ganharam a Líbia.

Por isso, precisamente, a Síria é tão importante: porque a Síria é passagem para o Irã, e isso ainda é o mesmo que diziam os neoconservadores em 2002, e ainda é parte da doutrina da Dominação de Pleno Espectro. Volta-se sempre aos mesmos temas, porque esses são os temas básicos do que vemos hoje. [Continua]