quarta-feira, dezembro 13, 2006

NO CONVERSA AFIADA

“CLASSE MÉDIA NÃO PAGA A CONTA DOS POBRES”

A coordenadora do Observatório do Mercado de Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Paula Montagner, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta terça-feira, dia 12, que é errado dizer que a classe média paga a conta do crescimento da classe baixa (clique aqui para ouvir).
Segundo ela, o aumento dos salários mais baixos (até três salários mínimos) não provoca uma perda no rendimento da classe média.
“Eu não acredito que a gente tenha uma leitura tão simplificada. Não é o aumento das classes que ganham até três salários mínimos que provoca essa situação. Tem a ver com o tamanho do crescimento econômico”, disse Paula Montagner.
A economista não concorda que haja perda de poder aquisitivo na classe média.
Paula Montagner disse que a média salarial de quem ganhava entre R$ 6,1 mil e R$ 10 mil em 2000 era de R$ 7.726,00 e, em 2005, essa média passou para R$ 7.870,00.
Já a média salarial de quem ganhava entre R$ 3 mil e R$ 6,1 mil em 2000 era de R$ 4.207,00. Em 2005, essa média passou para R$ 4,3 mil.
A economista disse que os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) não mostram que o número de ocupados com renda acima de três salários mínimos caiu. “Nos dados da RAIS a gente tem um crescimento para todas as faixas acima de três salários mínimos”, disse Paula Montagner.
Paula Montagner não aceita a tese da consultoria MB Associados e do jornal Folha de S. Paulo de que nessa faixa acima de três salários mínimos houve uma queda de renda real de 46,3% para a faixa acima de três salários mínimos entre 2001 e 2006 (clique aqui).
“Os nossos dados por faixa salarial não mostram isso”, disse Paula. Segundo ela, todos os segmentos intermediários de renda têm variação positiva. Ou seja, não houve perda e sim ganho salarial.
Paula disse também que 75% dos trabalhadores com vínculo formal são isentos do Imposto de Renda.
Segundo ela há um maior Imposto de Renda, principalmente para as faixas com mais altas rendas. Por isso que o Ministério do Trabalho defende um reajuste da tabela do Imposto de Renda, para que haja uma equidade entre a parte mais alta da contribuição aconteça para os salários de mais alto nível.
Leia a íntegra da entrevista com Paula Montagner:
Paulo Henrique Amorim: Paula, como você deve saber, o jornal Folha de S.Paulo no domingo publicou em manchete, o Jornal Nacional ontem fez uma matéria em cima de uma tese chamada “a renda da classe média cai 46% em seis anos”, a reportagem mostra também que teria havido uma diminuição, uma redução do saldo de ocupados na classe média. A reportagem classifica classe média qualquer um que ganha acima de 3 salários mínimos, cerca de R$ 1.000 por mês. E isso se baseia em um estudo, um comentário quinzenal da MB Associados. Primeira pergunta: o número de trabalhadores da classe média de fato diminuiu?

Paula Montagner: Olha, a gente tem que lembrar que a estrutura ocupacional do Brasil sempre foi uma estrutura ocupacional calcada em pelo menos 60% dos trabalhadores, entre 6-% e 65% estavam em ocupações cuja qualificação era baixa e que pagavam salários inferiores a R$ 1.000. Então, o que a gente vem observando é que no período recente, com a política de valorização do salário mínimo, de fato há mais contratações na base, que é essa base até 3 salários mínimos. A gente passa algo em torno de 61 para 64%, agora, desde 2002, a gente tem mais ou menos 65% dos trabalhadores recebendo até R$ 919, que seria o valor atualizado do salário mínimo no período. Eu chamaria a atenção que nos últimos dois anos, até porque a economia está melhorando o seu desempenho, ela, apesar dos números de contratações, como em todos os países, ocorrer predominantemente na base, já temos algumas indicações de crescimento entre R$ 900 e os R$ 3.000. O que chama a atenção – estou usando dados da Rais – é que não há diminuição do número de trabalhadores, pelo contrário, eu estou olhando uma série histórica que vai pelo menos de 2000 a 2005, o número de trabalhadores absolutos de fato tinham algum decréscimo até 2002, mas de 2002 pra cá esses números já são superiores àqueles que a gente tinha em 2000 e em 1999.

Paulo Henrique Amorim: Isso dos trabalhadores acima de..

Paula Montagner: Acima de R$ 3.000.

Paulo Henrique Amorim: Três salários mínimos?

Paula Montagner: Acima de R$ 3.000, que são 10 salários mínimos, está certo, nos valores de 2005 porque a gente tem que olhar para a estrutura como um todo. A estrutura ocupacional dos trabalhadores com vínculos formalizados vai aparecer na Rais. A gente sabe que há um movimento de formalização crescente do trabalhador, mas uma parte importante do nosso mercado de trabalho é um mercado de trabalho com muita informalidade, que também compõem esse segmento. Agora, os nossos dados no Pnad também sugerem que gradativamente nós estamos recuperando a possibilidade de gerar postos de trabalho com maiores rendimentos. Veja, é um crescimento que não é tão acelerado quanto na base, mas a gente já nota, pelos três anos que a gente pode observar – 2003, 2004 e 2005 – recuperações nos rendimentos médios, no número de ocupados e o que ainda a gente não observa é uma recuperação plena da percentagem de apropriação da base de salários.

Paulo Henrique Amorim: Agora, tem um ponto que eu gostaria de esclarecer. A reportagem da Folha e o estudo da MB Associados diz que “acima de três salários mínimos, o saldo de ocupados diminuiu em 1,9 milhão de pessoas entre 2001 e 2006”. A senhora tem como confirmar isso?

Paula Montagner: Olha, pelos dados da Rais, não. Pelos dados da Pnad, o pouco que eu consegui avaliar dos dados da Pnad, com trabalhadores com renda, também não. Então, eu acho que seria importante esclarecer melhor esses dados, olhar um pouco melhor porque veja: de fato a gente tem uma rotatividade no nosso mercado de trabalho muito elevada e que sempre é em prejuízo para quem tem melhores salários. Não é uma novidade, é uma realidade associada à quantidade de possibilidade de contratações com menores salários no momento que nós tínhamos muita gente desempregada e que podia ser ocupada. Nos resultados que a gente vem observando pela Rais,é que as pessoas que permaneceram ocupadas tiveram aumentos salariais também, não é que é um processo em que todo mundo é demitido e só tem trabalhadores da base. Não, continuamos tendo uma série de trabalhadores que exercem profissões que envolvem de maior qualificação. Acho que é importante chamar atenção de que a nossa economia teve um processo de modernização que ainda está em curso e muitas atividades de supervisão deixaram de ser relevantes, muitas atividades que envolviam, que hoje envolve a informática, substituíram os postos de trabalho que antes eram bem remunerados. Isso não é algo que deva ser considerado completamente extemporâneo ao que acontece em outros países.

Paulo Henrique Amorim: Agora, só para eu não ter nenhuma dúvida: a afirmação de que o número de ocupados na faixa acima de três salários mínimos caiu ou não caiu? Não caiu?

Paula Montagner: Nos dados da Rais, não. Nos dados da Rais a gente tem um crescimento para todas as faixas acima de três salários mínimos. O ponto mais baixo é 2002 e tem crescimento consecutivo – 2003, 2004 e 2005; 2006 a gente ainda não dispõe.

Paulo Henrique Amorim: Agora, a MB Associados fala em dados do Caged, quando ela fala em saldo de ocupados entre admitidos e desligados por faixa de renda de pessoas acima de três salários mínimos. Esse 1.900.000 que teriam sido desocupados são dados do Caged, segundo a MB Associados.

Paula Montagner: É isso que eu to querendo chamar a atenção. Os dados do Caged vai nos falar de pessoas que estão admitidas e demitidas. É uma rotatividade de mais ou menos 10 a 11 milhões a cada ano, com o que estamos aqui analisando. O que acaba acontecendo, se a gente acaba olhando só os dados de admitidos e demitidos a gente imagina que não acontece nada com quem permaneceu ocupado. Quem permaneceu ocupado tem elevação de postos, na sua trajetória profissional, tem aumentos de salários. Quando a gente vai olhar os resultados da Rais, a estrutura dos postos de trabalho, não apenas olhando aquela variação da mobilidade, que é o que o Caged nos permite olhar, esse dado só é possível de ser olhado considerada a Rais, o que parece que o movimento que está ali descrito não ocorreu pelo menos no período de 2000 a 2005. O dado de 2006, a gente sabe que tem um crescimento de contratações de um salário mínimo porque neste ano o salário mínimo conseguiu ter um aumento real muito maior que nos últimos anos, então, tem uma contratação mais elevada com um salário mínimo, mas as indicações dos acordos coletivos sugerem que, para quem permanece no mercado de trabalho, não há uma elevação de salário idêntica ao salário mínimo, mas também está ocorrendo aumentos salariais que ultrapassam a inflação. Então, a gente, não dá pra falar exclusivamente da eliminação dos postos de trabalho e a gente vai observar que nos postos de trabalho tem elevação salarial.

Paulo Henrique Amorim: Então a senhora também não aceitaria a tese da MB Associados e da Folha de S. Paulo de que nesta faixa acima de três mínimos houve queda de renda real entre 2001 e 2006 de 46,3%?

Paula Montagner: Nossos dados por faixa salarial não mostram isso.

Paulo Henrique Amorim: Mostram o quê?

Paula Montagner: Mostram, de 2000 para cá, que, embora na média a gente tenha uma queda nos rendimentos na ordem de 4,2% , isso no conjunto dos empregados, teve um aumento para quem ganha até três mínimos de 4,8%. Mas houve variação positiva em todos os segmentos: são 2% para quem ganha entre 3 e 5 mínimos; 2,7% para quem recebe entre 5 e 10, e mesmo para o segmento superior a 30 há um crescimento de 9,8%. Os crescimentos menores da renda estão constatados na faixa entre 10 e 30 mínimos. Agora estes segmentos já têm renda... para termos uma noção do que estamos comparando: enquanto a renda média de quem recebe até 3 mínimos está na ordem de R$ 530,00, os segmentos entre 20 e 30 mínimos o salário é de R$ 7,.670,00. São ordens de grandeza muito diferenciadas. Se quisermos diminuir a desigualdade de renda são necessárias políticas de apoio para as classes de renda mais baixa, com menos capacidade de negociação, e para a mais alta renda a capacidade de negociação estará limitada ao crescimento econômico. Por isso é tão importante voltar a crescer em taxas maiores, na ordem de 5%, como o governo vem se esforçando para fazer. Isso vai permitir que ganhos sejam incorporados para as empresas, com redistribuição para todos os segmentos.

Paulo Henrique Amorim: Eu gostaria de perguntar o seguinte, se a senhora me permite: se houve uma queda no conjunto de 4,2%, quem é que perdeu?

Paula Montagner: Aparentemente não conseguimos localizar nos nossos dados segmentos que tiveram perdas significativas. Os dados que observamos mostraram um comportamento de queda mais acentuada até 2002 e crescimentos mais acentuados obviamente em 2005 e 2006, que ainda tem crescimento menor. Certamente os segmentos que tiveram maiores perdas são os segmentos até três mínimos. Esta recuperação posterior ocorreu a partir de 2004 e é mais intensa em 2005. Agora, entre 10 e 20 mínimos houve perdas até 2002 e uma recuperação mais tênue entre 2003 e 2005. O crescimento acumulado é de 2,2%. O que é verdadeiro é que o rendimento deles cresce menos. Mas nós falamos aí de patamares médios elevados.

Paulo Henrique Amorim: Claro. Eu posso dizer que a classe média está pagando a conta do crescimento da classe baixa?

Paula Montagner: Eu acho que é uma situação controvertida. Nós temos hoje, se considerar os dados de 2005, 75% dos trabalhadores com vínculo formal estão isentos do Imposto de Renda. Há um maior impulso de renda principalmente para os segmentos de mais altas rendas. Por isso o Ministério do Trabalho tem sempre repartido para que haja um reajuste da tabela do IR de tal modo que a gente mantenha uma certa eqüidade, em que a parte mais alta da contribuição aconteça para os salários de mais alto nível. A gente sabe que há sonegação no nosso país, principalmente daqueles que não têm seu salário controlado na fonte. E essas ‘subdeclarações’ existem nos segmentos de maior renda. Uma parte importante da contribuição seguramente vem dos segmentos assalariados. Mas é uma briga importante, é uma negociação que precisa ser feita para evitar que o custo maior recaia sobre eles, e para aumentar a progressividade dos impostos para que recaiam sobre as grandes empresas, grandes salários e grandes fortunas, não é?

Paulo Henrique Amorim: Claro. Mas a senhora pode dizer – ou não pode - que hoje esse aumento dos salários mais baixos, de até três mínimos, está provocando uma perda da classe média?

Paula Montagner: Eu não acredito que a gente tenha uma leitura tão simplificada. Eu acho que não é o aumento das classes que recebem até três mínimos que provoca essa situação. Acho que tem a ver com o tamanho do crescimento econômico, com uma série de fatores, e principalmente: estamos lidando com diferenciais de salários muito elevados. Estamos lidando com salários até R$ 900,00 e salários que superam R$ 10 mil. São níveis de grandeza muito grandes. Há países em que as diferenças de renda não são desta proporção e a eqüidade é muito melhor. É importante que se valorize o crescimento dos níveis mais baixos de renda para que a gente tenha mais equidade na nossa sociedade. Essa é uma das principais funções da política do mínimo, porque ajuda a equilibrar renda e aumentar o consumo da população que tem maior número e menor apropriação da massa de salários.

Leia mais:
Clique aqui para ver a tabela de emprego e renda do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)

http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/405001-405500/405283/405283_1.html

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