quarta-feira, agosto 23, 2006

Se Fernando Henrique fosse outro, teria saudades de Bill Clinton e não de Carlos Lacerda.

PAULO HENRIQUE AMORIM

FHC, Lacerda e Bill Clinton

Reproduzido da Conversa Afiada

"As famílias felizes são todas iguais. As infelizes são infelizes cada uma à sua maneira." Esta não é uma frase de um correligionário de Geraldo Alckmin, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Esta é a primeira frase do romance Ana Karenina, de Leão Tolstoi. E a mesma frase com que o ministro da Fazenda de Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan, abriu, em Washington, uma reunião de emergência de ministros da Fazenda latino-americanos, para anunciar que o Real e o cambio fixo tinham ido para o vinagre. Isso aconteceu em setembro de 1998. No dia 4 de outubro de 1998, Fernando Henrique Cardoso foi reeleito Presidente. De setembro de 98 a 12 de janeiro 1999, o Real sobreviveu, segundo um jornalista americano (1), por um ato de levitação. Quando o corpo finalmente caiu e Malan voltou a Washington e ao FMI, Malan "não tinha menor idéia do que fazer" (2). Entre setembro de 98 e janeiro de 99, Bill Clinton reelegeu Fernando Henrique Cardoso. Porque foram Bill Clinton e seus Secretários do Tesouro, Robert Rubin e Larry Summers, quem "persuadiram" o FMI a sustentar o Real até que Fernando Henrique fosse reeleito. (3) Se Fernando Henrique fosse outro, teria saudades de Bill Clinton e não de Carlos Lacerda. Pelo menos por gratidão. Lacerda foi um golpista. Ajudou a dar o golpe em Vargas. Trabalhou todos os dias para dar o golpe em JK, na Radio Globo (foi o que me disse JK, numa entrevista, em 1972). Ajudou a dar o golpe contra Jango. Lacerda faria qualquer coisa para tomar o poder. Não fica bem um presidente eleito duas vezes pelo voto popular prever um "curto-circuito", quando faltam menos de dois meses para uma eleição. E muito menos sentir saudades de alguém como Carlos Lacerda, "... que tinha essa capacidade de dramatizar e de cobrar. A meu ver, cobrava errado mas tinha conseqüência", disse Fernando Henrique. (4) Que conseqüência?, pergunta-se. As cobranças de Lacerda tinham a "conseqüência" de provocar um "curto-circuito" institucional? Quer dizer, então, que Fernando Henrique prega o golpe? O curto-circuito, como conseqüência de uma cobrança à Lacerda? É disso o que precisamos? Ou de eleições, como aquelas que elegeram Fernando Henrique - e Bill Clinton? Clinton, como Fernando Henrique, se elegeu presidente duas vezes. Depois que deixou a presidência instalou uma fundação que tem a finalidade de fazer o bem. Na ultima viagem que fez à África (5), esteve na África do Sul, com Mandela e Bill Gates, no Lesotho, Nigéria e Libéria para inspecionar investimentos da fundação no combate à AIDs; no Malawi e em Ruanda para ver como estão projetos de desenvolvimento. Daqui para frente, Clinton pretende dedicar a maior parte do tempo à luta contra o aquecimento da Terra. Desde que deixou a presidência, não se tem noticia de um ato de Fernando Henrique em beneficio do outro.

Notas: (1), (2) e (3) - Livro "The Chastening", de Paul Blustein, editora BBS, 2001, Cap 11 e 12, págs 335 a 369. (4) - Folha de S. Paulo - pág A6 - 22 de agosto de 2006, "FHC diz que é preciso alguém como Lacerda" (5) - Jornal Financial Times, - Arts & Weekend - 18 de agosto, 2006, "Charm offensive"

TARSO: "FHC É OPOSIÇÃO RAIVOSA"
O Ministro de Relação Institucionais do Governo, Tarso Genro, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta terça-feira, dia 22, que FHC faz parte da "oposição raivosa que não tem proposta para o país". Tarso respondeu à declaração de FHC de que o Brasil precisa de um Carlos Lacerda. "Essa declaração só confirma uma visão que eu tenho discutido através dos meios de comunicação que a extrema da oposição, a oposição radical, oposição raivosa não tem nenhuma proposta para o país a não ser a ira", disse Tarso. Segundo o Ministro, FHC está sozinho e abandonado por seus companheiros, que não defendem seu governo e não o prestigiam. Por isso, segundo Tarso, FHC resolveu "dar uma radicalizada extremista, lacerdista".

Veja a íntegra da entrevista de Tarso Genro: Paulo Henrique Amorim - Ministro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma palestra aqui em São Paulo para um grupo de empresários e disse que o Brasil precisava, embora ele não concordava com algumas coisas, precisava de Carlos Lacerda porque ele cobrava e quando ele cobrava tinha conseqüência e talvez fosse necessário provocar um curto-circuito. Como o senhor interpreta essas declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? Tarso Genro - Olha, para ele precisar do Lacerda, ele está pensando certamente alguém que possa cometer um desatino enquanto presidente da República, que seria o presidente Lula. E ele está completamente equivocado. Ele tem na presidência da República um homem que tem uma enorme capacidade de luta, de resistência, que tem um apoio enorme da população. E essa lembrança lacerdista do ex-presidente Fernando Henrique só confirma uma visão que eu tenho discutido e disputado através dos meios de comunicação de que a extrema da oposição, a oposição extremada, a oposição radical, a oposição raivosa não tem nenhuma proposta para o país, a não ser a ira, no momento em que as pesquisas apontam que o presidente da República tem um enorme respaldo e que sua reeleição é muito provável. Acho que o presidente Fernando Henrique está meio abandonado por seus companheiros que não defendem seu governo, que não prestigiam-no, que não apresentam suas faces nos programas de televisão e resolveu dar uma radicalizada extrema, lacerdista, para ver se chama alguma atenção. É lamentável que um ex-presidente da República se preste a esse papel. Paulo Henrique Amorim - Agora, porque o senhor acha que ele tenha evocado exatamente a imagem ou a lembrança de um político que entrou para a história do Brasil como um símbolo de um político que pregou sistematicamente o golpe de Estado contra Vargas, contra Jucelino, contra Jango? O senhor acredita que exista um sentimento golpista na oposição brasileira? Tarso Genro - Eu acho que não de maneira precisa e nem toda oposição. Acho que tem oposição e oposição, oposições e oposições. Eu não acho sinceramente que o presidente Fernando Henrique seja golpista que ele esteja querendo fazer um movimento de desestabilização golpista com essa lembrança do Lacerda. Eu acho que mais ele está sem proposta, ele está sem palavras, ele não está compreendendo o que está acontecendo no país: os efeitos políticos do salário mínimo, os efeitos da retomada do crescimento de 100 mil empregos por mês, enquanto que em seu governo era de oito mil, o fato de o Brasil ter se libertado do Brasil, ter pago a conta que ele fez. Ele não está compreendendo o que está acontecendo no país, de onde vem esse grande apoio popular que o presidente Lula tem. Então ele entra numa faixa um pouco eu diria um pouco emocionaria, um pouco desesperada, que leva a dizer absurdos como esses, lembrando um político que tem um currículo na história do Brasil mas que se sabe que usava a tribuna exatamente para pregar a desestabilização das instituições do Estado. Paulo Henrique Amorim - O senhor acredita que a situação do candidato da oposição hoje, Geraldo Alckmin, seja tal que ele possa e deva dispensar, evocar o nome de Fernando Henrique, ou seja, o Fernando Henrique é um governo descartável para a campanha do candidato Geraldo Alckmin? Tarso Genro - Aí eu estaria entrando numa questão que é uma questão da oposição. Agora, o que se percebe efetivamente é que o ex-presidente Fernando Henrique está se sentindo injustiçado pelo verdadeiro abandono, que ele foi relegado. O que é a disputa política que está se fazendo hoje no Brasil? Está se comparando o que é o governo Lula e o que foram os oito anos de Fernando Henrique. Então, o candidato Alckmin deveria disputar essa imagem, deveria mostrar a superioridade do governo do seu partido e daquele que é o seu principal ponto de apoio, inclusive para sua indicação enquanto candidato a presidente da República, e não faz. Acho que isso é que está gerando essas controvérsias, inclusive aquelas outras que nós ouvimos, de um grande líder do que PFL, que disse que não vê programa de televisão, enquanto o programa de televisão não mudar, porque o Alckmin não tem presença, o Alckmin não confronta, não disputa, em última análise, com o Lula. Então, há uma certa crise, eu diria, crise na oposição. É uma crise ao mesmo tempo de perspectivas para o país e uma crise de como fazer oposição. Eles estão sendo infelizes nisso como mostram as pesquisas. Daí vem essa desestabilização política, esse desequilíbrio político do ex-presidente Fernando Henrique com esse tipo de lembrança, esse tipo de ataque.

http://www.informante.net/resources.php?catID=2&pergunta=3018#Cena_1