quinta-feira, agosto 31, 2006

Na Globo foi às 2 da manhã, mas você pode ler aqui



Entrevista com Lula



O Jornal da Globo prossegue a série de entrevistas com os presidenciáveis conversando no Palácio da Alvorada com o presidente Luis Inácio Lula da Silva, na condição de candidato à reeleição pelo PT.

Os partidos se comprometeram a não usar no horário da propaganda política as entrevistas concedidas, no todo ou em parte.

O tempo estipulado foi de 18 minutos, divididos em dois blocos, com tolerância máxima de 30 segundos.



William Waack: O senhor tem elogiado bastante o desempenho da economia brasileira. Mas se nós compararmos o desempenho da economia brasileira com o desempenho dos seus principais concorrentes – por exemplo, China, mesmo a Venezuela do seu amigo Chavez, ou Rússia, ou o Chile – nós somos o que menos crescemos. Por quê?Lula: William, há uma coisa engraçada nisso tudo. Eu, de vez em quando, vejo na televisão as pessoas compararem o Brasil à China, à Índia, já chegaram a comparar ao Haiti, já chegaram a comparar à Argentina. Veja, primeiro, é preciso ver a realidade de cada país. Nós temos que comparar o nosso país com o nosso país, com a nossa cultura, com a nossa indústria, com o nosso comércio, com a nossa capacidade de vender e de comprar. De todos esses países, podem ter alguns crescendo mais do que o Brasil. Mas nenhum tem a conjuntura de fatores positivos que tem a macroeconomia brasileira. Nós temos um conjunto de fatores positivos, de crescimento econômico, de crescimento das exportações, de crescimento da produção industrial, de crescimento do crédito, de crescimento da balança comercial, de crescimento da balança de conta corrente – o que é uma coisa inusitada na história do Brasil. Eu tenho pedido para economistas meus amigos analisarem, desde que foi proclamada a República até os dias de hoje, se houve algum momento na história do Brasil que a economia brasileira tenha tantos fatores positivos combinando entre si.
Christiane Pelajo: O senhor está feliz, então, com o crescimento atual do Brasil?Lula: Estou feliz com a situação econômica do país e desejoso, torcendo como eu torço para o futebol, que melhore cada vez mais. Estamos trabalhando para isso. As condições hoje estão colocadas para eu poder afirmar a vocês e ao Brasil de que nós vamos ter agora mais desenvolvimento, vamos ter mais distribuição de renda e vamos ter mais investimento em educação. Isso só foi possível porque nós preparamos o Brasil para crescer.
William Waack: Essa é a pergunta. O senhor preparou o país para crescer, se só 2% do Orçamento estão reservados para investimentos em infra-estrutura? Lula: O Brasil está altamente preparado para crescer. Primeiro, por que o crescimento depende da capacidade de investimento do Estado brasileiro, e nós estamos preparando o Estrado brasileiro para investimentos. Segundo, nós preparamos os marcos regulatórios para começarmos a implantar as PPPs, que são as parcerias público-privadas. E terceiro, nós temos projetos para incentivar que as grandes empresas desse país comecem a investir em projetos em que o Brasil não tem competição internacional. Eu vou dar um exemplo: papel e celulose. Não tem sentido você ter países nórdicos, como a Finlândia, tendo mais capacidade produtiva do que o país, se um pinho lá, entre plantar e dar o tempo de corte, leva 40, 50, até 60 anos, e aqui nós cortamos em sete anos. Então, o que nós precisamos, na verdade, é dizer o seguinte: o Brasil nunca, nunca, em nenhum momento da sua história, esteve tão preparado para dar o próximo passo como ele está agora.
Christiane Pelajo: O seu programa de governo, lançado ontem, não toca na redução de carga tributária. No começo do seu governo, o então ministro Antônio Palocci garantiu que a carga tributária não aumentaria – compromisso, esse que não fui cumprido. Por que, presidente? Lula: Bom, depende do que você enxerga por carga tributária. Se você enxerga carga tributária da relação do que o governo arrecada em função do PIB, você vai dizer que houve um aumento.
Christiane Pelajo:De 35,53% em 2002, para 37,37% agora. Lula: Isso, isso, exatamente. Os números não mentem. Mas se você for analisar a carga tributária como aumento de impostos, eu pergunto para você: você teve algum aumento de imposto? Pelo contrário, minha querida, você teve redução do Imposto de Renda – nós reajustamos a alíquota duas vezes, a alíquota que tinha ficado cinco anos sem reajuste. Desoneramos R$ 19 bilhões nesse país de impostos, e vamos continuar desonerando. Terceiro: ninguém pode esquecer, gente, que em abril de 2003 eu fui ao Congresso Nacional com 27 governadores levar uma proposta de reforma tributária. A parte federal foi votada; a parte estadual, não. Eu de vez em quando vejo alguém conversar com vocês e dizer “ah, porque eu vou fazer política tributária”, mas não fez. A parte dos estados está lá no Congresso Nacional, porque eles pretendem continuar fazendo a guerra fiscal, e nós queremos fazer a reforma tributária de verdade.
William Waack: O senhor se referiu à eficiência da arrecadação. A minha pergunta é a seguinte: por que esse ganho de eficiência não foi, por exemplo, repassado para a sociedade sob a forma de menos impostos. Vamos admitir o seu argumento, de que os impostos não subiram. Por que eles não desceram, se houve essa eficiência na arrecadação?Lula: Houve, acabei de falar que nós desoneramos R$ 19 bilhões. Pergunta para a dona de casa...
Christiane Pelajo: Por que não desceram ainda mais, então, presidente? Por que o senhor não repassou essa eficiência, portanto, para a sociedade, baixando ainda mais os impostos?Lula: Vai descer mais. Cada coisa tem o seu tempo. Primeiro, que nós passamos parte da eficiência para a indústria de máquinas, nós passamos essa eficiência para o arroz, para o feijão, para a farinha de mandioca, para o leite, nós passamos para o material de construção civil. Nós estamos preparando agora um novo pacote para a construção, nós passamos para vários setores da sociedade. E vamos passando, na medida em que a gente vai ajustando setor por setor, sem a pressa e sem o ufanismo daqueles que ficam dizendo que tudo se resolve com a política tributária. Governaram o Brasil 500 anos e não fizeram. Eu só quero dizer o seguinte: faz um pouco mais de 30 dias, eu tive uma reunião com o deputado Virgílio Guimarães, que é o relator da reforma tributária, preparamos o pacote que ia ser votado, fizemos até a concessão de dar 1% a mais do Fundo de Participação dos Municípios. Acontece que a oposição não quis votar. Então, os que eu vejo vocês entrevistarem dizendo que vão fazer a reforma, ela (a reforma) está lá no Congresso Nacional! É só mandar os seus deputados e senadores votarem, que nós teremos uma reforma tributária ainda este ano, reduzindo de 27 alíquotas do ICMS para apenas cinco.
William Waack: Vamos falar de emprego? O senhor tem uma longa carreira como líder sindical, e justamente onde o senhor começou a sua carreira, lá no ABC paulista, lá em São Bernardo, nós estamos vendo hoje milhares de demissões – 1.800 demissões, numa das fábricas mais tradicionais na sua região, e acho que inclusive na sua biografia. Se o senhor fosse hoje líder sindical, o senhor esperaria o que do presidente da República nessa situação do ABC?Lula: Você sabe que eu já fui chorar na porta da Volkswagen quando ela mandou embora, de uma única vez, oito mil trabalhadores? Eu já chorei na porta da Mercedes, quando ela mandou embora seis mil trabalhadores. Veja, há um problema sério com a indústria automobilística no caso da Volkswagen. Primeiro, a Volkswagen teve um projeto a mais confeccionado no Brasil, e a Volks sabe que não pode ter um projeto a mais. Ou seja, não deu certo o produto que eles imaginavam que pudesse dar certo. Eu estive com o ministro do Trabalho, pedi para o ministro do Trabalho conversar com os dirigentes sindicais e propôs à empresa uma negociação. Uma negociação para evitar que nós causássemos dispensa. Porque está mandando embora 1.600, mas é importante lembrar que desde que eu tomei posse nós contratamos, só no setor automobilístico, 27 mil trabalhadores.
William Waack: Mas o perigo é fechar a fábrica.Lula: Agora, veja, eu não tenho noção de como está a Volskwagen internamente, de como está a Volkswagen mundial. Nós vamos trabalhar para que uma indústria brasileira não feche. Nós vamos trabalhar para que a indústria brasileira continue produzindo. A verdade é que eles continuam exportando carro como poucas vezes exportaram, a verdade é que o mercado interno está crescendo. Agora, se uma empresa faz um projeto errado, ela também paga o preço de ter feito um projeto errado. Eu disse ao ministro do Trabalho que gostaria de conversar com a direção da Volkswagen, acho que a Volkswagen se precipitou em anunciar a dispensa dos trabalhadores por carta sem conversar, sabe, sem conversar com o governo e sem conversar com o sindicato adequadamente. Possivelmente, a gente venha a ter essa conversa, e nós obviamente que vamos trabalhar para ver se a indústria automobilística consegue produzir mais, consegue vender mais, consegue exportar mais e consegue gerar mais empregos.
Christiane Pelajo: Presidente, no conselho politico de sua campanha há nomes que o senhor sempre combateu, como, por exemplo, o deputado Jarder Barbalho – que, aliás, foi processado e chegou até a ser preso no caso do Banpará. O senhor também tem apoio de Ney Suassuna, um dos senadores acusados no caso das Sanguessugas, e também de Nilton Cardoso, um adversário histórico do senhor. Isso não constrange, presidente?Lula: Olha, primeiro vamos separar o conselho político das alianças políticas. O conselho político é um conselho de pessoas representadas pelos partidos que me apóiam, e dentro do PMDB tem uma parte que me apóia, que é uma parte que tem a representação do presidente do Senado, Renan Calheiros, do presidente José Sarney e de outra metade do PMDB na Câmara e no Senado. Eu não escolho quem participa das reuniões. E também não veto, porque eu não sou juiz para julgar as pessoas. As pessoas estão exercendo o seu mandato, foram eleitas democraticamente pelo povo, e o que você pensa ou o que eu penso das pessoas se torna uma coisa muito subjetiva se as pessoas reconquistaram o direito de ser mandatários de um cargo público.Segundo, eu tenho as alianças com quem quer me apoiar. Tem muita gente que gostaria que eu tivesse aliança com o PSDB, o PSDB virou o nosso adversário principal. Possivelmente, tem muita gente que quisesse aliança com o PFL, não é possível porque não era adversário nosso. Nós queríamos ter aliança com o PMDB total, e não temos, temos apenas com uma parte do PMDB – na maioria dos Estados o PMDB não tem aliança com o PT. Então, aliança é como casamento. Você, muitas vezes, só casa quando você encontra o par certo, que gosta de você e quer casar. Sabe, não adianta você ficar achando “olha, eu não quero casar com fulano”, porque, se você gosta dela, você vai casar. Eu acho que nós estamos numa situação de alianças políticas por causa da lei que foi feita, que você não pode fazer aliança completa porque tem problemas na legislação complicados. Agora, eu sinto orgulho do apoio que eu estou dando, sinto orgulho porque nós vamos ganhar as eleições, se Deus quiser e o eleitor brasileiro compreender a necessidade de continuar esse governo, e vamos construir uma força política para dar ao Brasil a sustentabilidade e a tranqüilidade que o Brasil precisa.
William Waack: Candidato, presidente, eu gostaria de citar uma frase que o senhor gostou de repetir ao longo de sua carreira política, e mesmo aqui como presidente do país. O senhor gosta de dizer que prefere e é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. Agora, por que o seu governo gasta mais em programas que dão o peixe, como o Bolsa-Família, e menos, por exemplo, do que com o Fuindeb – que ainda não foi aprovado, mas vai ter menos dinheiro que o Bolsa Família.Lula: Eu já vi que você nunca foi pescador. Se você fosse pescador, você ia saber que enquanto a gente está pescando, é importante a gente comer um peixinho. Se você chegar na beira de um rio qualquer e tiver um pescador que já tenha pego um peixe e ele te der aquele para você comer enquanto você está preparando a tua vara, você vai ficar muito agradecido. O problema das políticas sociais, William, é que nós precisamos saber de uma coisa. Uma estrada pode esperar um dia, uma semana ou um mês. O Fundeb está no Congresso há um ano e meio, ele atrasa, mas ele não causa prejuízo. A fome não pode esperar, meu filho. Quem está com fome não tem como aprender, sequer. Se for à escola, vai ser menos capaz do que o outro que come todo santo dia. Então o que nós estamos fazendo é criar uma forte política de assistência social para garantir que as pessoas possam tomar café de manhã, almoçar e jantar. Isso está na Bíblia, isso está na nossa consciência de cristão e na nossa consciência de homem público. Não adianta eu ficar falando em avanços tecnológicos se eu não garanto dar para as pessoas um pão e um copo de leite de manhã para as crianças. Então, quando eu resolvi priorizar a política social – saímos de um gasto de R$ 7 bilhões para R$ 22 bilhões – , é porque eu sei o que é a fome. Eu sei o que é uma mãe ver cinco ou seis filhos agarrados no rabo da sua saia pedindo um pedaço de pão, e não ter para dar. Então, isso nós vamos fazer e vamos continuar fazendo. E vamos trabalhar para que dêem emprego e para que as pessoas possam ter uma porta de saída, e não precisar de auxílio do governo.
William Waack: O senhor vê o cadastro sendo bem-feito? Sessenta e quatro mil famílias por dia foram cadastradas no Bolsa Família em junho, em abril foram 6.900. Houve aí uma aceleração, tem agradado?Lula: Veja, o problema é o seguinte. O cadastramento normalmente é feito numa parceria com as prefeituras, é fiscalizado pelo Ministério Público, muitas cidades têm comitês da sociedade que fiscalizam. Agora, são 11,1 milhões de famílias, você pode ter uma margem de erro em tudo; até as pesquisas de opinião pública que vocês fazem com todos os institutos falam “dois pra mais, dois pra menos, três pra mais, dois pra menos”. Ora, num programa que envolve 11 milhões de pessoas você pode ter um erro! E o que nós queremos fazer? Nós queremos, primeiro, aumentar a fiscalização para acabar com as fraudes. Segundo, nós queremos aumentar o programa para atender a todas as pessoas que precisam e terceiro, nós precisamos fazer com que haja muita formação e muita geração de empregos, porque esta sim é a porta de saída das pessoas que estão vivendo com os programas sociais.
Christiane Pelajo: Presidente, vamos falar um pouquinho de educação. O senhor não acha que faltou apoio ao Ensino Fundamental? O senhor me permita dar alguns números: no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Educação Pública Anísio Teixeira (o Inep, que é ligado ao MEC), de todas as escolas públicas de Ensino Fundamental, apenas 23% têm biblioteca, só 5% dispõem de laboratórios de ciências, 9% possuem laboratórios de informática e somente 10% têm acesso à Internet. E entre os professores que trabalham para a rede pública, 45% não têm curso superior. Não é um quadro desolador, presidente?Lula: É. É. Agora, isso, é um acúmulo de 500 anos que está sendo mudado nos últimos 36 meses. Você vai perceber agora que todos os Estados têm uma quantidade enorme de escolas com laboratórios, você vai perceber que nós aprovamos uma lei aumentando de oito para nove anos o tempo de permanência da criança na escola, você vai perceber que desde junho do ano passado nós colocamos o Fundeb para ser votado, porque vem R$ 5 bilhões a mais para investimento na educação – inclusive criar um piso nacional para os professores, e mais ainda: acabamos de anunciar, no palácio do Planalto, a coisa de dois meses atrás, convênios com 309 prefeituras criando a Universidade Aberta, para que a gente possa fazer a formação dos nossos professores. E nós achamos que, nos próximos dois anos, nós poderemos ter em 80% dos municípios brasileiros Universidades Abertas em que as pessoas não precisam sair da sua região para fazer o seu curso para se tornar professor, fazer a sua reciclagem, e poder melhorar a qualidade das aulas da criança.Eu vou lhe dizer mais uma coisa que você não disse na pergunta, mas eu vou dizer: neste país, se media a qualidade da educação investigando apenas seis mil escolas, meninos da quarta série, em 290 mil alunos. Nós, em 2004, mudamos. Passamos a investigar 41 mil escolas e passamos a investigar 3,6 milhões alunos da quarta e da sexta série. Agora, veja uma coisa interessante: o que aconteceu na verdade? Nem todos os estados quiseram fazer o teste. São Paulo, por exemplo, não fez o teste, possivelmente para que nós não descobríssemos que São Paulo, que é o estado mais rico, não tem a melhor qualidade de educação. Mas como Deus é justo e escreve certo por linhas tortas, fizemos o Enem. E no Enem, São Paulo ficou em oitavo lugar.
William Waack: Nossa última pergunta. O PT não vai indo bem nas pesquisas de opinião. Três estados, talvez, acabem com governadores do PT do jeito que as coisas, mais ou menos, estão hoje. O senhor vê o eleitor reprovando o seu partido?Lula: Olhe, para você dizer que o PT não vai bem nas pesquisas, precisa dizer quem vai melhor. Se tiver algum partido que vai melhor do que o PT, eu reconheço que o PT não vai bem. Eu acho que nós temos uma dificuldade no Legislativo. Nós temos uma dificuldade. Agora, meu caro, nós estamos chegando no final. Isso é que nem campeonato de Copa do Mundo, ou seja, vai chegando no final, o povo vai entrando, vai entrando, vai entrando, e, como sempre, o povo vai votar, vai escolher deputados estaduais, senadores, governadores, presidente da República, e a vida continua. Os partidos que tiverem menos votos vão ter que se ajustar e vão ter que fazer as coisas de forma mais correta daqui pra frente, para que a gente possa ganhar cada vez mais.