Embora deve ser saudada como a primeira manifestação de
autoridades públicas sobre o episódio da sonegação, pela Globo, dos impostos
devidos na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002, a nota oficial do Ministério Públicogera uma série de
perguntas sobre o caso, porque é vaga e, lamentavelmente, só manifesta
consternação pela divulgação de documentos que diz estar sujeitos a sigilo
fiscal, enquanto a sonegação de uma quantia imensa de recursos que pertencem à
população, que certamente provoca-lhes consternação maior fica sem uma palavra
deste tipo.
O primeiro ponto é a afirmação de que “por determinação do
Ministério Público Federal, nos idos de 2005, a Receita Federal foi
instada a instaurar procedimento administrativo fiscal em relação à alegada
sonegação envolvendo empresas da Rede Globo“.
Então, tem-se que foram os promotores que solicitaram a ação
dos fiscais da Receita sobre a Globo. Muito bem, só poderiam ter feito isso se
tivessem pressentido a ocorrência de crime fiscal.
Mas a nota diz que “os fatos chegaram ao conhecimento do MPF
em audiência realizada em processo de cooperação às autoridades estrangeiras
que investigavam denúncias referentes a outras empresas e que não tinham
relação direta com a suposta sonegação. Imediatamente, o MPF
encaminhou documentos à Receita Federal para avaliação do interesse
fiscal”
Determinação para instaurar procedimento fiscal ou
“avaliação do interesse fiscal” assim, vagamente?
E diz ainda que, “conforme estabelece o sistema normativo em
vigor, não é possível ao MPF requisitar a instauração de inquérito policial
antes da constituição definitiva do crédito tributário ou na hipótese de
parcelamento ou quitação integral da dívida. Dessa forma, só cabia ao MPF o
acompanhamento do procedimento fiscal, na eventualidade de se ter confirmada a
suposta sonegação”.
Bem, ao que se sabe pelos documentos que vieram à luz, foi
confirmada a sonegação. E houve a requisição de inquérito policial, a seguir?
Modestamente, parece que essa seria uma informação de interesse público e
inquéritos policiais, salvo quando decretado sigilo, são públicos.
Depois após “uma das requisições de acompanhamento do MPF,
foi informado o extravio dos autos do procedimento fiscal. Isto gerou
investigação paralela para identificar os envolvidos, resultando em ação
criminal – já com sentença condenatória – contra uma servidora da Receita
Federal, bem como a identificação de inúmeras outras fraudes perpetradas por
ela. O MPF ofereceu várias oportunidades para que a servidora cooperasse com as
investigações e indicasse os eventuais co-autores do delito, porém a ré optou
por fazer uso de seu direito constitucional ao silêncio”.
Então, ficamos assim? A funcionária surrupia e faz
desaparecer um processo de mais de 600 milhões de reais contra a Globo,
descobrem que ela também metia a mão em uns caraminguás de outras empresas,
pedem para ela falar, ela não fala, acabou-se a história?
O MP tem poderes investigatórios – não foi para mantê-los
que se lutou contra a PEC 37? – e não foi atrás de quem se beneficiava com o
crime da barnabé pilantra? Houve quebra do sigilo telefônico e bancário da
indigitada?
Com todo o respeito, os senhores promotores não podiam
deixar de ver que essa senhora não deu “doril” a um processo de mais de R$ 600
milhões por esporte, ou por gostar de viver perigosamente. Negociou e recebeu –
ou teve prometido receber – por isso. Não parece difícil saber a quem
interessava o sumiço do processo, não é?
Ah, mas está tudo bem, porque “quanto ao procedimento fiscal
extraviado, foi providenciada a sua reconstituição, com novo tombamento, e a
tramitação seguiu seu curso regular”.
Isso não é o “arrependimento eficaz” de nosso Código Penal.
O MP poderia informar um pouco mais sobre “tramitação
regular”? Ao menos dizer qual é o novo número (tombamento) do
procedimento fiscal?
Com a devida vênia, não se pode satisfazer a opinião pública
com um “la garantía soy yo”.
Por último, a questão do sigilo fiscal, parece um pouco
elástica a interpretação de que a aplicação de uma multa por sonegação de
impostos se enquadre no que determina o art. 198 do Código Tributário Nacional,
que institui o sigilo fiscal: “é vedada a divulgação, por parte da Fazenda
Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a
situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.
Não se tratou ali, nos documentos revelados por Miguel do
Rosário, em seu blog O Cafezinho, da situação financeira da
Globo nem do estado dos seus negócios ou atividades. Não estão nos jornais,
todos os dias, débitos havidos com a Fazenda pela Vale ou pela Petrobras em
razão de impostos devidos por negócios feitos em triangulações no
exterior? Será que a Globo não é uma empresa como elas?
Nós também não queremos, como os senhores com toda a razão
não quiseram, uma “Lei da Mordaça”. E convenhamos: se com documentos e
sentenças publicadas no Diário Oficial, a grande mídia ainda assim não publica
uma linha, temos então de ter ações incisivas.
Porque não achamos justos que quando alguém grita “Pega,
Ladrão!” o culpado seja quem gritou.
Por: Fernando Brito