Entreouvido na Vila Vudu:
Foi preciso corrigir algumas informações, mas...
se non è vero, è ben trovato
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Foi preciso corrigir algumas informações, mas...
se non è vero, è ben trovato
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Enoch Powell, falecido político da direita britânica, disse certa vez que "Todos os políticos, a menos que sejam colhidos pela sorte e arrancados da vida política no meio do caminho, terminam em fracasso, porque essa é a natureza da política e dos assuntos humanos." Em grande medida é verdade, porque, a menos que a morte ou alguma doença intervenha para interromper-lhes a vida política pública, todos os políticos tendem a permanecer tempo demais na arena.
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, é gloriosa exceção a essa regra. 'Lula', como o ex-presidente é carinhosamente chamado, foi o mais raros dos raros casos de políticos que simplesmente saiu de cena em 2010 com índices de aprovação que permaneciam nos 80%. Não tentou mudar a Constituição do Brasil para ganhar um mandato a mais, nem se declarou presidente vitalício nem trocou de papel com a esposa – nem algum dia cogitou de pôr sua esposa na presidência do seu país.
Por isso, quando a polícia chegou ao apartamento onde mora em São Paulo, às 6h da manhã, dia 4 de março de 2016, para levá-lo a um interrogatório em lugar não sabido, sobre uma investigação em curso sobre corrupção na Petrobras, o conglomerado brasileiro de petróleo e energia, e que envolvem acusações de uso de fundos públicos contra o próprio ex-presidente e membros de seu partido, um sentimento de ultraje tomou conta de muitos, muito plausível.
No domingo, 13/3, quando manifestações de protesto acontecerem na capital do Brasil, organizadas por detratores e por defensores do presidente, não há dúvidas de que o risco é alto; as linhas da batalha estão traçadas. Apoiadores de Lula no Brasil e no exterior veem conspiração montada para desacreditar a Esquerda brasileira e despachá-la rumo ao esquecimento, depois de ter permanecido no poder ao longo dos últimos 14 anos. Mesmo marxistas que não incluem Lula entre os seus, veem no movimento que se observa no Brasil um ataque à classe trabalhadora (por exemplo, aqui).
Lula é homem de personalidade magnética, que combina sensibilidade social e capacidade para avaliações políticas certeiras, e um tipo raro de inteligência emocional temperada por senso de humor e charme pessoal muito sedutor. A vida pessoal desse homem também é impressionante – de operário metalúrgico do chão de fábrica à presidência de uma das maiores economias do mundo. Mas, em vários sentidos, também é um feixe de contradições.
Lula governou totalmente comprometido com melhorar as condições de vida dos mais pobres e sempre foi intensamente consciente de que a miséria tinha de ser atacada diretamente e seriamente. Mas sempre viu, simultaneamente, a inevitabilidade de uma acomodação com os ricos e poderosos, sem a qual nenhuma democracia burguesa prospera. (...)
[Aqui se omitiram dois parágrafos do artigo original que repetem informação completamente errada, construídos com informação dos jornais brasileiros. Em 2005, o ministro Palloci pagou a dívida do Brasil ao FMI e por isso foi politicamente fuzilado pelos veículos da mídia-empresa liberal com grande alarde, acusado de envolvimento com prostitutas. Em 2009, o Brasil já emprestava dinheiro ao FMI. Desses eventos, o embaixador Bhadrakumar narra a versão falsa, do começo ao fim, da mídia-empresa brasileira (NTs)]
Com escândalos ou sem em seu governo, Lula sempre será lembrado com gratidão pelos pobres do Brasil, pelo programa que concebeu e implantou, "Bolsa Família", uma transferência mensal de dinheiro que é recebida pelas mulheres das famílias de mais baixa renda, para assegurar que as crianças frequentem a escola e os postos de saúde, regularmente, para controle de nutrição e crescimento. Hoje, o programa já alcança mais de ¼ da população do Brasil.
Lula é autor também de sucessivos aumentos no salário mínimo brasileiro que, cumulativamente, aumentou sempre, em seus oito anos de governo. (No Brasil, as aposentadorias são ligadas ao salário mínimo.) O Estatuto de Idoso é outro de suas mais notáveis realizações – bem como o sistema de empréstimos bancários para compra de casa própria pelos mais pobres, com débito automático nas aposentadorias e pensões. O investimento do Estado em educação triplicou.
Feitas as contas, o governo do presidente Lula promoveu a maior redução da pobreza em toda a história do Brasil. O número de pessoas que viviam abaixo do nível de pobreza caiu, de 50 milhões para 30 milhões, em seis anos. Quando Lula candidatou-se a um segundo mandato em 2006, a classe média que havia votado nele na eleição para o primeiro mandato, já se mostrava desiludida de seu governo [que fora menos liberal do que Wall Street desejaria; e a 'desilusão' foi furiosamente inflada pelos veículos da mídia-empresa que, no Brasil, é monopolizada por quatro famílias]. Mesmo assim, Lula foi reeleito com 61% dos votos, carregado pelo voto dos mais pobres e dos idosos.
Mas essa não foi outra história de populismo demagógico de líder carismático – da variante Hugo Chaves. Quando Lula chegou ao final de seu segundo mandato em 2010, a economia brasileira crescia ao ritmo de 7% ao ano. Lula atravessou brilhantemente as águas turbulentas do crash de Wall Street em 2008. Sua ação contracíclica promoveu o consumo doméstico e aumentou o investimento público, o que conseguiu o efeito de isolar a economia brasileira, que não sofreu os efeitos da quebradeira nos EUA, por mais que a economia brasileira fosse, como ainda é, inapelavelmente interconectada à economia dos EUA.
Lula foi governante excepcionalmente talentoso para a prática populista, com controle absoluto sobre o exercício do poder. Foram suas robustas políticas de Estado, sustentadas e focadas, que deram nova vida à economia brasileira. E depois, mesmo em tempos de queda na arrecadação, seu governo manteve o investimento social e o consumo, com investimentos públicos crescentes. Claro que, naquele momento, o boom nos preços das commodities muito ajudou.
Do ponto de vista da Índia, a questão mais intrigante é entender como um partido de esquerda como o Partido dos Trabalhadores (PT), que Lula liderou, conseguiu abalar a fortaleza do poder numa democracia burguesa e, mais importante, manter-se no poder, pelo voto, por quatro mandatos consecutivos? Qual foi a fórmula mágica de Lula?
Andre Singer, brilhante cientista político brasileiro e que foi assessor do ex-presidente Lula, oferece uma explicação. Para Singer, Lula compreende a psicologia dos pobres brasileiros, um subproletariado que recobre metade da população do país –, e sabe que os pobres são movido por duas emoções básicas: uma, a esperança de que o Estado consiga domar a desigualdade social; e, a outra, o medo de que movimentos de reivindicação social gerem desordem social.
Dito de outro modo, luta armada, inflação de preços e ação industrial são, na prática, três diferentes faces do mesmo fantasma de instabilidade social, que mais mete medo nos pobres. A incapacidade – aparentemente insuperável na esquerda –, para compreender essa evidência, não raras vezes trabalha a favor da direita.
De fato, Lula sempre entendeu que não só a classe proprietária, as classes altas, os grandes acionistas e gatos-gordos em geral precisavam receber garantias de que um governo popular no Brasil não faria 'coisas radicais': também os vendedores ambulantes, os trabalhadores que moram nas favelas e todos os despossuídos em geral careciam dessa 'segurança'. Lula precisou de três tentativas eleitorais de chegar ao poder, antes de entender essa evidência. Só foi eleito na quarta vez em que se candidatou. Mas dessa vez, foi eleito, em 2002, por mais de 60% dos votos.******