quinta-feira, julho 29, 2010

O que se entende por normalidade, no nosso mundo “EUA”?

O jogo dos contrários
Todas as anomalias do mundo “EUA”, numa coluna de jornal
Alguém já pensou sobre como é verdadeiramente estranho o que se entende por normalidade, no nosso mundo “EUA”? Demonstro o que quero dizer, com o exemplo de uma notícia publicada sem destaque no Washington Post e que não me sai da cabeça. É exemplo de notícia pela qual, no nosso mundo “EUA”, passamos quase sem reação, saltando para a notícia seguinte, apesar da extrema anomalia que se esconde nela.
O artigo assinado por Craig Whitlock foi publicado dia 19/7, sob o título “Militares norte-americanos criticados por comprar helicópteros russos para a Força Aérea afegã.” Destacado aqui, o título já soa estranhíssimo. Helicópteros russos? Claro. Todos sabemos, pelo menos vagamente, que, até o final do ano, os gastos dos EUA nessa frustrada guerra afegã e mais frustrada ‘reconstrução’ do Afeganistão estarão chegando a 350 bilhões de dólares. E, claro, são dólares que tomam o rumo de alguma caixa recebedora.
Todos sabemos também que, nos tempos que correm, em vários pontos dos EUA, governos estaduais e municipais mal conseguem reunir fundos para pagar os professores ou os policiais. O Pentágono, contudo, não hesitou em usar pelo menos 25-27 bilhões de dólares para “treinar” e “formar” o exército e a polícia afegãos – e depois de cada rodada de treinamento que não produz os resultados esperados, sempre pede mais dinheiro para mais treinamentos, e assim vai, sempre, sempre.
Entre os treinados está a Força Aérea do Afeganistão que, nos anos soviéticos da década dos 80s, contava com mais de 500 aviões e respectivos pilotos treinados. O que restava daquela Força Aérea – de pouca serventia na era dos Talibãs – foi destruído no ataque e invasão dos EUA ao país, em 2001. Resultado disso, “Força Aérea Afegã” (cerca de 50 helicópteros e aviões de transporte) nem chega a ser nome certo, porque, de fato, trata-se de “Força Aérea dos EUA”.
Ainda há alguns pilotos afegãos, a maioria deles já chegados aos 40 anos, treinados há muito tempo nos Mi-17, helicópteros russos de transporte. E, informa-nos Whitlock do Post, o Pentágono já gastou 648 milhões de dólares na compra de uma versão ‘atualizada’ daqueles helicópteros. O modelo Mi-17 foi especialmente projetado para o específico ambiente de voo no Afeganistão, no tempo em que guerrilheiros islâmicos jihadistas (alguns dos quais os EUA enfrentam hoje, identificados como “os Talibã”) eram aliados dos EUA contra os russos.
Aí vai o primeiro parágrafo do artigo de Whitlock: “O governo norte-americano está comprando helicópteros made in Russia para formar o núcleo da Força Aérea Afegã, estratégia que tem atraído pesadas críticas no Congresso, que deseja obrigar os afegãos a voar em helicópteros made in USA.”
É, há vários senadores e deputados norte-americanos incomodados porque não há planos para só comprar produtos made in USA... para a Força Aérea do Afeganistão. Essa é a notícia que Whitlock conta e comenta, porque o Pentágono planeja comprar mais dúzias de Mi-17s ao longo da próxima década. E isso, pelo que se vê, seria motivo para grave indignação nacional, porque os bons cidadãos dos EUA que vivem de fabricar armas estão perdendo contratos.
Mas há outros três aspectos do artigo de Whitlock, pelos quais passamos quase sem ver, apesar de ali estar ‘noticiada’ a espantosa ‘normalidade’ que os EUA identificam nas guerras dos EUA em terras distantes – e em Washington.
1. O programa de treinamento que não treina: Há hoje o número impressionante de 450 treinadores militares dos EUA treinando a Força Aérea do Afeganistão. Infelizmente, há um problema. Pode não haver um programa de só comprar produtos made in EUA, mas há um programa de só se entender em língua made in USA. Para ser piloto da Força Aérea Afegã, você tem de falar inglês – “a língua que se fala no cockpit,” como garante Whitlock (mesmo que seja cockpit de helicóptero russo). Como diz o articulista, o problema é que os pilotos em treinamento são quase todos analfabetos, e demoram de dois a cinco anos só para aprender inglês.  (Imaginem o que seria a Força Aérea dos EUA se, só para decolar, o piloto tivesse de aprender o idioma dari.)
Graças a essa barreira do idioma, os EUA podem continuar a treinar seja quem for, pelo tempo que for, e é garantido que praticamente nada acontecerá. “Até agora”, informa Whitlock, “apenas um piloto afegão conseguiu graduar-se em escola de voo nos EUA, e há dúzias tentando. Por causa disso, os treinadores norte-americanos no Afeganistão tiveram de confiar em pilotos que aprenderam a voar nos Mi-17s nos dias dos soviéticos e dos Talibã.” Em outras palavras, apesar da impressionante performance soviética nos anos 80s, o treinamento da Força Aérea Afegã foi replanejado pelos EUA como trabalho de Sísifo.
Tem-se aí apenas um vislumbre de o quanto são bizarros os programas de treinamento que os EUA têm oferecido ao exército e à polícia afegãos. De fato, parece que o mesmo tipo de comentário, as mesmas notícias, detalhando sempre os mesmos programas e respectivos fracassos, os mesmos relatórios, são reciclados, ano após ano, sem que ninguém jamais estranhe coisa alguma, ou pressinta algo de esquisito – ou surpreenda-se com a evidência de que cada novo carregamento sucessivo de más notícias apareça como argumento para que o Congresso decida alocar mais dinheiro e mande mais treinadores para aqueles ‘projetos’.
Em 2005, por exemplo, quando Washington já consumira 3,3 bilhões de dólares em treinamento e formação do exército e da polícia afegãos, a Agência Central de Controle de Gastos do Governo dos EUA [ing. U.S. Government Accounting Office, GAO] publicou relatório indicando que “se envidaram muitos esforços para equipar plenamente número crescente de soldados [afegãos], e mas os esforços para estabelecer instituições sustentáveis, como apoio indispensável para aqueles soldados, não acompanharam aquele processo.”
Ainda pior, segundo o relatório, “estima-se que ainda sejam necessários 7,2 bilhões de dólares [para completar o projeto de treinamento] e cerca de 600 milhões anuais para mantê-lo.”
Em 2006, de acordo com o New York Times, “relatório conjunto do Pentágono e do Departamento de Estado (...) constatou que a força policial afegã treinada pelos EUA é em larga medida incapaz de executar o trabalho de aplicação da lei, e que administradores do programa de treinamento de 1,1 bilhão de dólares não sabem dizer como há tantos oficiais considerados habilitados e em serviço, ou onde estão milhares de caminhões e equipamentos entregues às unidades policiais”. Na melhor das hipóteses, dizia aquele relatório, “menos de metade do número de policiais anunciado oficialmente “foram de fato treinados e equipados para executar satisfatoriamente funções de polícia.”
Em 2008, quando já haviam sido consumidos 16,5 bilhões de dólares em programas de treinamento do exército e da polícia afegãos, a US-GAO voltou ao tema, para dizer que apenas duas de 105 unidades do exército haviam sido consideradas “plenamente capacitadas para executar sua missão primária” e que “nenhuma unidade de política pode ser declarada capaz.”
Em 2009, o Inspetor Geral dos EUA para Reconstrução do Afeganistão [ing. U.S. Special Inspector General for Afghan Reconstruction] disse em relatório que “apenas 24 de 559 unidades policiais afegãs são consideradas prontas para operar sem auxílio internacional.” Depois desses relatórios, assim como depois de noticiários de jornais (repetitivos e repetidos) e assim como depois de milhares de análises e colunas sobre o tema, sempre vem uma longa lista de lamentações sobre corrupção, indisciplina, analfabetismo, drogas (uso e venda), altos índices de deserção, infiltração pelos Talibã, soldados-fantasma e muitos outros problemas. Mas em 2009, apesar de tudo, a solução sugerida foi a mesma de sempre: o relatório de 2009 “conclui que são necessários mais treinadores norte-americanos e mais dinheiro.”
Em junho desse ano, auditoria do governo dos EUA, outra vez por iniciativa do Inspetor Geral Especial, desmentiu as mais recentes avaliações dos treinamentos por treinadores norte-americanos e da OTAN: “os padrões adotados para avaliar as forças afegãs desde 2005 são gravemente inadequados, inflando as habilidades dos avaliados.” E seguia-se a infalível litania de lamentações. Apesar disso, segundo a Agência Reuters, o presidente Obama quer mais 14,2 bilhões de dólares para o projeto de treinamento no Afeganistão “para o ano corrente e o próximo.” Afinal, na semana passada, Julian Barnes, do Wall Street Journal, noticiou que o novo comandante da guerra no Afeganistão, general David Petraeus, está planejando “retrabalhar” a estratégia norte-americana, para lá “introduzir maior atenção ao modo como as forças de segurança afegãs estão sendo treinadas.”
No que tenha a ver com os programas norte-americanos de treinamento, pode-se concluir que o Afeganistão é um neo “Ardil 22” [ing. Catch-22, romance satírico-histórico, de Joseph Heller, norte-americano, de 1961[1]], espaço onde o tempo não anda – como tampouco anda o cérebro coletivo do establishment da segurança nacional nos EUA. Para Washington, não há curva de aprendizado no Afeganistão, não, pelo menos, no que tenha a ver com “treinamento” de afegãos.   
E, depois, o mais estranho de tudo, embora ninguém se dê o trabalho de pensar sobre isso nesse contexto: os Talibãs não recebem centenas de bilhões de dólares em fundos estrangeiros para treinamento; não receberam anos de aconselhamento estratégico pelos mais poderosos cérebros dos EUA e da OTAN que o dinheiro consegue comprar; não contam com empresas privadas contratadas, como a DynCorp, para ensiná-los a lutar e policiar. Mesmo assim, e muito estranhamente, não dão sinais de enfrentar qualquer dificuldade e estão-se dando muito bem naquela guerra. Não há soldados rebeldes ou mal treinados. Os Talibãs não foram infiltrados por seguidores de Hamid Karzai. Não há denúncias de corrupção em prejuízo dos Talibã nas hostes Talibã. É possível que sejam analfabetos e não falem inglês fluente, mas estão suficientemente bem treinados e organizados em gr andes grupos, das dimensões de uma unidade de combate dos EUA, para atacar bases militares pesadamente fortificadas dos EUA, prisões afegãs, estações de polícia e assemelhados, e, tudo, sem manter um único mentor-treinador estrangeiro na folha de pagamento.
Parece que estamos ante um moderno des-milagre, milagre ao contrário. E os EUA comprovaram-se absolutamente incapazes de treinar soldados afegãos num país onde até os meninos andam armados, no qual se combate há décadas, onde praticamente todos os homens combatem ou algum dia combateram, onde a habilidade em combate é tradição histórica. Também é muito estranho que os EUA, até agora, não tenham conseguido treinar uma pequena Força Aérea, que pelo menos conseguisse pilotar aviões leves de transporte recauchutados dos anos 80s e os tais helicópteros russos. Afinal de contas, a União Soviética, último poder imperial a tentar tal proeza, conseguiu, sim, criar uma Força Aérea afegã que, sim, pilotava muito bem, de helicópteros a aviões bombardeiros.
2. Estratégias para não-sair-de-lá: Mergulhemos um pouco mais fundo no que há de estranho no que Whitlock noticia, e consideremos a questão de quando os EUA planejam sair do Afeganistão.
Eis o que diz Whitlock: “Os militares norte-americanos estimam que a Força Aérea afegã não terá capacidade para operar independentemente até, no mínimo, 2016, cinco anos depois do prazo que o presidente Obama fixou para iniciar a retirada de soldados norte-americanos do Afeganistão. Mas Boera [brigadeiro-general da Força Aérea dos EUA, Michael R. Boera] já disse que essa data pode ser adiada por no mínimo mais dois anos, se o Congresso obrigar os afegãos a pilotarem helicópteros de fabricação norte-americana.”
Em outras palavras, enquanto os norte-americanos discutem sobre o que realmente significará o prazo fixado pelo presidente para a retirada dos soldados (julho de 2011), e enquanto o presidente afegão Hamid Karzai sugere que as forças afegãs serão encarregadas da segurança do país a partir de 2014, há “militares norte-americanos” (que Whitlock preserva, perfeitos anônimos) que operam declaradamente por outro fuso temporal, de fato pelo fuso temporal do Pentágono, e planejam com vistas a 2016-2018, e para que as forças afegãs estejam em condições, apenas, de “operar independentemente” (o que absolutamente não significa “sem apoio dos EUA”).
Se você estiver conspiracional, poderá quase pensar que o Pentágono optou por não criar nenhuma Força Aérea afegã que funcione, para que, em vez disso, haja lá, por toda a eternidade, uma força aérea apenas complementar e dependente. Foi o que aconteceu no Iraque, onde havia a 6ª maior Força Aérea do mundo e onde hoje, depois de anos de treinamento e supervisão pelos EUA, só resta sucata.
3. Quem são os russos de hoje?: Continuemos, avançando mais um pouco rumo às profundezas das coisas estranhas que nos cercam, guiados por uma passagem que se lê entre os parágrafos 20º e 21º dos 25 parágrafos do artigo de Whitlock:  “Além disso”, Whitlock noticia, “o Comando Especial de Operações dos EUA [ing. U.S. Special Operations Command] tem interesse em comprar também alguns helicópteros Mi-17s russos também para o próprio Comando, de modo que as Forças Especiais dos EUA em missões clandestinas possam esconder a identidade norte-americana. ‘Gostaríamos de também ter alguns, misturados entre os demais, para ajudar a fazer coisas por lá’, disse um militar de alta patente dos EUA, que pediu que seu nome não fosse revelado, como condição para falar sobre o programa clandestino.”
Até agora ainda não se ouviram explicações sobre como – ou onde – esses helicópteros russos ajudarão a “esconder a identidade norte-americana” em missões das Forças Especiais Norte-americanas no Afeganistão, ou em quê serão “misturados, ou que “coisas” farão por “lá”. Nada se discute sobre coisa alguma.
Em outras palavras, já se noticiou que há urgência em russianizar o transporte aéreo por “lá” e, quase um mês depois, que eu saiba, nenhum senador ou deputado pôs-se a esbravejar; nenhum jornal da grande mídia escreveu editorial questionando, indignado (nem, sequer, apenas intrigado) a adequação ou a correção dessa medida; nenhum repórter, que eu saiba, saiu a campo para investigar.  
Como mais um factóide sem qualquer importância, enterrado nas entrelinhas de artigo dedicado a outros assuntos, com certeza passou despercebido, ninguém nem viu. Mas vale a pena parar um momento e considerar a extrema estranheza desse fragmento de notícia-que-jamais-ganhará-status-de-notícia. Um dos modos pelos quais se pode considerá-lo é jogar o jogo dos contrários que sempre dá certo nesse nosso planeta EUA de mão-única.  
Imaginemos que abrimos o jornal e lá encontramos, matéria sobre país estrangeiro, o que abaixo se lê:
*De Teerã. Equipes das Forças Especiais Iranianas procuram para comprar velhos helicópteros Chinook dos EUA, para que possam ocultar a identidade iraniana em ações a serem executadas no Afeganistão e na província paquistanesa do Baluquistão.”
*Diário do Povo, de Pequim, anuncia: Equipes das Forças Especiais Chinesas procuram para comprar modelos usados de helicópteros norte-americanos, para... Epa! Aqui o jogo dos contrários não dá muito certo, e abre-se uma fresta pela qual se começa a ver o que é realmente muito estranho nas atividades dos EUA pelo planeta: por que os chineses teriam de usar essa artimanha (e por que, de fato, os EUA aceitariam participar dela)? Onde interessaria à China intrometer-se, sem ser identificada com o exército chinês?
Talvez pareça difícil imaginar hoje, mas garanto-lhes uma coisa: se alguma fonte estrangeira trouxesse notícias sobre planos desse tipo, ou se Craig Whitlock descobrisse o plano e fizesse referência a ele em coluna do WSJ – ainda que escondida profundamente em algum parágrafo –, haveria pandemônio em Washington.  O Congresso marcaria audiências. Todos os jornalistas manifestariam a mais profunda indignação sobre a infâmia de agentes iranianos ou chineses usarem nossos helicópteros como disfarce. A empresa ou empresas que vendessem os helicópteros seriam investigadam. E o que teriam a dizer os âncoras da rede Fox News?!
Mas quando os EUA fazem tais coisas, e um país – o Paquistão, por exemplo – reage com o que se designa em termos genéricos como “antiamericanismo”, os EUA concluem que são fanáticos nacionalistas de dedo no gatilho; destacamos as “sensibilidades” fanatizadas; e nossos jornalistas e repórteres escrevem solidários às dificuldades que enfrentam os soldados e os civis norte-americanos que tenham de conviver cara a cara aqueles nativos rebeldes.   
Outro dia, por exemplo, Barnes, no Wall Street Journal, noticiava que as Forças Especiais dos EUA estão ampliando o trabalho nas franjas das áreas tribais no Paquistão, “tentando trabalhar com forças paquistanesas em projetos de ajuda, aprofundando o papel dos EUA no esforço para derrotar militantes islâmicos em território paquistanês localizado fora dos limites de ação dos soldados dos EUA.” O governo paquistanês não mostra qualquer ansiedade para ter coturnos norte-americanos sobre seu território naquelas áreas. Então, Barnes conclui que “por causa das sensibilidades paquistanesas, o trabalho dos EUA progride lentamente.”
Imagine-se o quão sensíveis se mostrarão os paquistaneses, caso as mesmas forças ponham-se a pousar helicópteros russos no Paquistão, como recurso para “ocultar” suas operações e “misturarem-se” por “lá”! Ou imagine-se a rapidez dos dedos no gatilho, dos nativos de Montana-EUA, caso acontecesse de aparecerem tipos com ares de “forças especiais” paquistanesas “lá” pelo Parque Nacional Glacier, desembarcados de velhos helicópteros americanos, nos arredores de Butte. 
Considerem-se, então, as sensibilidades dos paquistaneses que ouçam contar que o recém indicado chefe dos Serviços Nacionais Clandestinos da CIA [ing. CIA’s National Clandestine Service] é, casualmente, homem de “credenciais impecáveis” (como disse o diretor geral da CIA, Leon Panetta). Dentre essas credenciais, está a credencial de ter trabalhado como chefe da agência local da CIA no Paquistão até algum dia de 2009, envolvido, é claro, nos super-hiper impopulares ataques por aviões-robôs teleguiados norte-americanos nas franjas das áreas tribais paquistanesas – atividade que, nas vagas palavras do diretor geral, corresponderia a ter comandado “operações complexas sob as circunstâncias mais difíceis que se possa imaginar”.
Aqui está a verdade, que a coluna de Whitlock deixa clara, sem a ver: atuamos dos modos mais inacreditavelmente estranhos em terras distantes e ninguém diz coisa alguma. Historicamente, essa tem sido a natureza dos poderes imperiais: considerar mais ou menos normais todas as coisas nada normais que façam. Para um poder imperial decadente, esse modo de agir implica perigos específicos.
Se não conseguimos ainda sequer imaginar alguma via para superar o modo como os EUA fazem guerras em terras distantes, a milhares de quilômetros de distância dos EUA, evidentemente tampouco conseguimos sequer começar a imaginar o modo como o mundo vê os EUA. Isso implica que somos cegos para nossa própria loucura. Helicópteros russos? É praticamente nada, se se considera o problema real.


NOTA

[1] “Ardil 22” é expressão cunhada pelo escritor Joseph Heller, que dá título ao romance Catch 22, de 1961 – para designar um conjunto de regras, regulamentos, procedimentos ou situações as quais apresentam a ilusão de escolha ao mesmo tempo em que impedem qualquer escolha real, em cenário da II Guerra Mundial, num pelotão do exército dos EUA. Na teoria da probabilidade, o termo aplica-se a uma situação na qual exis tem múltiplos eventos probabilísticos, e o resultado desejado advém da confluência desses eventos, mas há probabilidade zero de ocorrer, visto que os eventos probabilísticos são mutuamente excludentes.
    Do livro, em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Catch-22: “Só havia um regulamento, o Ardil 22, que dizia que a preocupação com a própria segurança, em face de perigos reais e imediatos, é conclusão racional de mente racional. Orr estava doido e podia ter baixa. Bastava pedir a baixa. Mas, assim que pedisse, comprovaria que já estaria curado da doideira e teria que voar em novas missões. Orr comprovaria a doideira se voasse em novas missões; e seria diagnosticado são se não voasse . Mas se estivesse são, teria que voar novamente em missões de combate, proibidas para doidos. Se voasse, estaria doido e não teria de voar. Mas, se ele não quisesse voar, então estaria são e teria de voar.” Ou: “O texano mostrou-se afável, generoso e simpático. Em três dias, ninguém mais conseguia suportá-lo”. Ou: “O caso contra Clevinger foi aberto e encerrado. Não se encontrou crime do qual acusá-lo” [NT].