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A CRISE QUE SAIU PELA CULATRA
gravação telefônica de um diálogo sobre marketing e publicidade.
- Alô!
- Boa tarde! Eu gostaria de estar falando com o Sr. Raul Longo.
- É ele mesmo.
- Sr. Raul, meu nome é Taís e sou da revista Veja. Nos temos aqui em nossos registros que o senhor é o proprietário do Pouso da Poesia em Florianópolis. Confere?
- Exatamente!
- Bem senhor Raul, a revista Veja estará lançando um suplemento turístico, onde o senhor poderá estar anunciando com mui...
- Excelente Taís! Estou mesmo bastante interessado em anunciar para esses 80% de brasileiros satisfeitos com a situação do país, apesar da crise internacional que aí está.
- Sim, Sr. Raul... Muito bom, não é mesmo? Pois agora vamos estar oportunizando que...
- Desculpe interromper, Taís, mas é que apesar de afastado há algum tempo, fui publicitário muitos anos e ando revisando conceitos básicos da atividade para bolar um bom anúncio de minha pousada no veículo mais indicado, evitando dispersões de verba. Afinal a crise vem aí, não é certo?
- Sim, senhor Raul. Mas o senhor sabe que a revista Ve...
- Um momentinho Taís, deixa terminar meu raciocínio, pois é bem possível que você possa me ajudar, já que têm acompanhado as evoluções do mercado. Em meus tempos aprendi que a propaganda sempre tem algo de subliminar. Esses fundamentos certamente continuam valendo...
- Eu poderia estar transferindo o senhor pro nosso Diretor de Marketing e...
- Não, não é necessário! Veja por você mesma: no guarda-roupa da maioria das pessoas há peças de todas as cores, não é isso? Mas ninguém usa sabão em pó apenas porque lava melhor, e sim porque lava mais branco, não é?
- O nosso Diretor de Criação, senhor Raul...
- Não há nada de divino ou religioso nisso Taís, é mera lógica por associação. Se lava mais branco, é porque também lava mais vermelho, azul, amarelo, lilás e assim por diante. É nessas associações subliminares que funciona a publicidade, concorda?
- Provavelmente poderia estar...
- Então, para atingir os 70% da população que as pesquisas apontam como satisfeito com o atual governo, e os demais 20 e tantos % que o qualifica entre bom a regular, preciso associar o nome de minha empresa, seja qual for sua atividade, ao que oferece credibilidade a essa enorme porcentagem, pois do contrário estarei desperdiçando verba com o pouco mais de 10% que acredita na crise da mídia, não é?
- Bem, Sr. Raul... Confesso que não consegui acompanhar seu raciocínio, mas posso estar lhe garantindo que a Revista Veja abrange um segmento muito maior que...
- Sem dúvida Taís. Não só a Veja, como a Globo, a Folha, etc., são acompanhadas mesmo por aqueles que não acreditam no que esses veículos divulgam.
- Sr. Raul, eu...
- Isso ocorre provavelmente por falta de um veículo de comunicação de qualidade e conteúdo no país. Mas de toda forma, por lógica podemos concluir que seria uma temeridade, ou melhor, uma irresponsabilidade empresarial de minha parte, vincular a imagem de minha pequena pousada a um veículo desacreditado por mais de 70% do mercado consumidor, ou dos turistas em potencial, segmento com o qual trabalho. Concorda?
- Toin... toin... toin...
- Alô! Alô! Taís! Taís?
Lembrei de um muito antigo comercial dos tempos do rádio: "-... Aqui quem fala é o xarope São João!" Alô! Alô! Fugiu hein?". Mas desliguei logo.
Não sou besta de ficar atrás dessas armas da mídia. Há muito tempo que só atiram pela culatra e vai que a bomba da crise explode no meu colo!
Raul Longo
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