(Do blog com equipe) - Se viéssemos a escrever um novíssimo
dicionário político brasileiro destinado a ajudar a entender o que está
acontecendo com o país nos dias de hoje, há certos verbetes que não poderiam,
com certeza, faltar nessa apressada obra.
Deixando a ordem alfabética de lado, poderíamos começar pelo
TEMERISMO, como quase todo projeto
neoliberal, um sinônimo de austericídio e de entreguismo, que, no caso, além de
nefasto para o país, é praticado metendo os pés pelas mãos, no estilo
tripatetário, como se viu pela greve dos caminhoneiros derivada da desastrosa
gestão da política de preços da Petrobras.
Ou pelo MANETISMO, praticado, apática, descoordenada ou
displicentemente, pelo exército - com o perdão do uso do termo politicamente
incorreto - de “manetas” virtuais composto por dezenas de milhares de cidadãos
democratas, nacionalistas, desenvolvimentistas,
ou de esquerda, que agem como se tivessem tido as mãos amputadas na sua
permanente e acachapante negativa em dar combate e enfrentar os fascistas e com
eles disputar os espaços de comentários dos principais portais e veículos de
comunicação, dando à massa indecisa que se informa pela internet e ao mundo
inteiro, de resto, não apenas a impressão, mas muitas vezes a certeza de que a
visão e as opiniões da extrema direita são amplamente majoritárias, hoje, no
seio da opinião pública brasileira.
Vide, por exemplo, a repercussão à absolvição de Gleisi
Hoffman pelo STF, ainda hoje, em que as
opiniões contrárias a ela e ao PT ganham de 10 a 1 das que atacam a segunda
turma do STF pela posição tomada em defesa da necessidade de provas cabíveis
para a condenação em casos semelhantes.
Isso em um país em que o PT afirma ter mais de 2 milhões de
filiados !
Mas os mais importante verbetes, desse novo léxico que anda
faltando em nossas reais e mentais
prateleiras, seriam, para efeito do atual momento político, o MOROLISMO -
movimento baseado na idolatria da egolatria e na prática de um pseudo
julgamento moral caracterizado pela distorção da realidade, o preconceito
rasteiro, a mais descarada parcialidade, a seletividade e a hipocrisia, além da
negação da Lei, da Constituição e do Estado de Direito, intimamente sustentada
pela convicção de que os meios acabam por justificar os fins, principalmente
quando esses fins são ideológicos.
E o seu filho direto e dileto, o JUSTICIALISMO (nada a ver
com a acepção argentina do termo como
sinônimo e uma espécie de denominação mais formal do peronismo) - um movimento
não oficialmente organizado,
caracterizado, desde que nasceu, com as famigeradas 10 Medidas contra a
Corrupção, pelo endeusamento farisaico
da justiça como instituição supostamente voltada para a purificação e correção
de todos os males nacionais, destinada
por Deus, na hora em que passou certos sujeitos em concurso, a:
- tutelar a República
- exemplar os representantes eleitos
- mitigar os males provocados pelas
escolhas eleitorais da pobreza
Desde que ela, essa espécie de “justissa”, persiga e
castigue apenas os desafetos e defenda e proteja apenas os objetivos e a visão
ideológica dos próprios justicialistas.
Isso faz com que, mais que entre “punitivistas” e
“garantistas”, os membros da Suprema Corte, do Ministério Público e do
Judiciário, se encontrem atualmente divididos entre justicialistas, abrigados
em organizações de classe arraigadamente
corporativistas e forças-tarefas e operações que se transformaram em
verdadeiros partidos políticos; e os constitucionalistas, que mais recuam que
avançam, e observam, perplexos, o que está acontecendo com o país, juntando-se, alguns, em torno de
instituições marginalizadas pelo sistema
jurídico-midiático, como a Associação Juízes para a Democracia, e os
dissidentes do Ministério Público Democrático que - em virtude da direitização
da entidade - deixaram a organização em 2016.
Às vezes, vencem os constitucionalistas, como aconteceu
ontem, com o julgamento da Presidente do PT e há alguns dias, com a proibição, por um único voto, da
condução coercitiva, depois que esse instrumento fascista e arbitrário, digno
da Gestapo, foi usado mais de 200 vezes
para pressionar, no mais puro estilo torquemadiano, dezenas de “delatores” que
contribuíram, com sua deduragem “voluntária” arrancada a fórceps e com seu medo
de vir a ser presos “provisória” e indefinidamente, para a construção da narrativa
distorcida e mendaz da Operação Lavajato.
Nesse bolero com as circunstâncias, à base de cinco passos
para trás e um para a frente, os constitucionalistas às vezes ganham, mas nem
sempre levam.
Como constatou certo ministro do STF outro dia, deparando-se
com grande número de mães com filhos de menos de 12 anos de idade em uma prisão
que estava visitando, apesar de decisão proibindo essa prática ter sido
promulgada pela Suprema Corte desde fevereiro deste ano.
Porque, na maioria das vezes, neste país, triunfam o
arbítrio, o casuísmo, a exceção, a mentalidade meramente repressiva, a vontade
do delegado de plantão que autorizou a prisão, ou a dos carcereiros que
instituem e aplicam as próprias leis dentro do muro das cadeias, especialmente
contra aqueles que não contam com assistência jurídica, com o mais absoluto
desprezo pelo sistema que deveria controlá-los, e, quando necessário, coibi-los.
Afinal, estamos em uma nação em que ministros da mais alta corte do país são
insultados impunemente por procuradores saídos, há pouco do cueiro e por
centenas, milhares de hitlernautas, todos os dias, sem nenhuma reação digna
desse nome, quando deveriam todos eles ser imediatamente processados e punidos,
em benefício ao menos da preservação das instituições.
Há ingênuos e “espertos”, nas filas da “justiça”,
principalmente entre jovens procuradores e juízes que nunca leram nada a não
ser as apostilas de seus cursinhos de concurso, que sonham com o momento em que
o Brasil irá transformar-se, de facto, na primeira República Justicialista do mundo.
Um sistema político não oficializado, no qual deputados,
senadores, governadores e prefeitos ficariam permanentemente submetidos,
principalmente após o fim do foro privilegiado, à tutela, vigilância, monitoramento, vontades e mandato - que não depende de voto - de procuradores e
magistrados, especialmente os de primeira instância.
Sonha, Marcelino, sonha - como o milagroso personagem do
velho filme espanhol da época do franquismo.
Eles se esquecem que o Morolismo e o Justicialismo têm,
ambos, as mesmas raízes punitivistas e arbitrárias que cresceram na vertente
conservadora e anacronicamente anticomunista que deu origem e fortaleceu, em
tempos recentes, outros verbetes de nosso glossário, como o INTERVENCIONISMO e o POLICIALISMO,
derivado, este último, principalmente da vasta indústria do medo que defende a
expansão contínua do aparato repressivo do país que mais mata no mundo como única solução para os problemas de
segurança, e se sustenta em conceitos como o de “anti-direitos” dos “manos” e o
de “bandido bom é bandido morto”, que mataram Marielle Franco e seu motorista e
levaram uma milícia brutal, corrompida e assassina, composta em sua maioria por
ex-agentes de segurança, ao poder em dezenas de comunidades do Rio de Janeiro.
Presentes dentro e fora do Congresso, e nos dois lados da
lei, há policialistas convictos que são corporativistas; aqueles que acham que
policiais têm que ter cada vez mais privilégios e ganhar salários cada vez mais
altos, ocupando, como uma particular casta, uma posição muito acima que a dos
cidadãos comuns; e aqueles que acreditam e defendem que o policial pode cometer
qualquer tipo de crime, desde que ele - supostamente - o faça “em nome” ou na
sua condição de “defensor” da sociedade.
São os policialistas - que simulam apoiar e estar ligados
aos preceitos aparentemente inatacáveis do morolismo e do justicialismo - e que estão contando com a
“justissa” para tirar Lula da eleição para que possam eleger seu candidato, que
sairão vitoriosos da parada e tomarão conta do país, destruindo depois, como
fez o escorpião com a tartaruga, aqueles que os estão ajudando a atravessar o
Rubicão agora.
Ao contrário do que eles mesmos pensam, o protagonismo de
certos procuradores e juízes de primeira
instância não aumentará, no médio e no longo prazo, se Lula continuar preso e
for proibido de disputar - por única e exclusiva responsabilidade da justiça
brasileira - as próximas eleições.
Pelo contrário, ele diminuirá, da mesma forma que irá se
enfraquecer, ainda mais, a democracia e o Estado de Direito como um todo.
A justiça normal, e a justicialista - com seus diplominhas e
regabofes no exterior, seus togados e
engravatados, e suas glamourosas e
bajulatórias capas de revista - assistirão - caludas! - à inversão das relações
de poder, quando os ministérios
estiverem todos nas mãos de militares conservadores e autoritários da reserva e
a maioria dos cargos de confiança do Estado ocupados por pms, policiais
federais e civis.
Ou alguém acha - prestemos atenção aos eloquentes sinais
silenciosos - que é por acaso - a exemplo do que acontecia às vésperas das
eleições de 1932 na Alemanha, quando todo membro das forças de segurança tinha
um uniforme das SA em casa - que nada menos que 65 policiais “voluntários”
tenham se oferecido para fazer a segurança de certo pré-candidato à presidência
da República em uma recente “reunião”, outro dia, em um evento no qual, entre
outros mimos, vendiam-se camisetas fazendo a apologia de acusados de
tortura?
Afinal, se, na ausência da balança serena e equilibrada da
boa justiça, os libelos acusatórios distorcidos e irresponsáveis de
procuradores barbados e imberbes e os martelos dos juízes partidários e
seletivos de primeira instância têm poder… muito mais força - onipotente,
ilegítima, antidemocrática, absoluta -
terão os porretes dos soldados e dos porões e os fuzis e até mesmo os
revólveres dos guardinhas de esquina, no governo arbitrário e policialesco que,
nascido do casuísmo político que muitos estão
tentando consolidar como favas contadas agora, irão - se a justiça
brasileira (e os manetistas) não corrigir a tempo seu rumo - mandar muito, mas
muito mais e mais impunemente ainda, a partir do próximo ano.
Postado por Mauro Santayana às 06:13