Acaba de falecer uma das principais lideranças do PT: o
ex-ministro Luiz Gushiken, que, no governo Lula, foi responsável pela
Secretaria de Comunicação e pelo comando dos fundos de pensão; leia texto de
Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, em sua homenagem
13 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 21:23
247 - Acaba de falecer, em São Paulo, o
ex-ministro Luiz Gushiken (leia aquiperfil
escrito por Mônica Bergamo). "Gushiken, você vive eternamente e
permanentemente em nossos corações. Seu exemplo de vida, coragem e luta
estará sempre presente, principalmente nesses momentos difíceis em que a gente
vive. Quero abraçar seus familiares, seus amigos, seus companheiros e
companheiras, e gritar: Gushiken vive!", postou José Genoino, em sua
página no Facebook.
Leia ainda, abaixo, texto de Paulo Nogueira, diretor do
Diário do Centro do Mundo, sobre uma das principais lideranças do PT, escrito
poucos dias antes de sua morte:
por : Paulo Nogueira
O que os anos recentes de um dos grandes líderes sindicais
das décadas de 1970 e 1980 contam sobre o Brasil de hoje.
Montaigne escreveu que o tamanho do homem se mede na atitude
diante da morte, e citava como exemplos Sócrates e Sêneca.
Os dois morreram serenamente consolando os que os amavam.
Sócrates foi obrigado a tomar cicuta por um tribunal de Atenas e Sêneca a
cortar os pulsos por ordem de Nero.
Meu pai jamais se queixou em sua agonia, e penso sempre em
Montaigne quando me lembro de sua coragem diante da morte, confortando-nos a
todos.
Me veio isso ontem à mente ao ler no twitter a notícia de
Luís Gushiken morrera aos 63 anos. Depois desmentiram, mas ficou claro que ele
vive seus dias finais num quarto do Sírio Libanês, com um câncer inexpugnável.
Soube que ele mesmo se ministra a morfina para enfrentar a
dor nos momentos em que ela é insuportável, e para evitar assim a sedação.
Li também que ele recebe, serenamente, amigos com os quais
fala do passado e discute o presente.
A força na doença demonstrada por Gushiken é a maior
demonstração de grandeza moral segundo a lógica de Montaigne, que compartilho.
Não o conheci pessoalmente, mas é um nome forte em minha
memória jornalística. Nos anos 1980, bancário do Banespa, ele foi um dos
sindicalistas que fizeram história no Brasil ao lado de personagens como Lula,
no ABC.
Eu trabalhava na Veja, então, e como jovem repórter
acompanhei a luta épica dos trabalhadores para recuperar parte do muito que
lhes havia sido subtraído na ditadura militar.
Os militares haviam simplesmente proibido e reprimido
brutalmente greves, a maior arma dos trabalhadores na defesa de seus salários e
de sua dignidade. Dessa proibição resultou um Brasil abjetamente iníquo, o
paraíso do 1%.
Fui, da Veja, para o jornalismo de negócios, na Exame, e me
afastei do mundo político em que habitava Gushiken.
Ele acabaria fundando o PT, e teria papel proeminente no
primeiro governo Lula, depois de coordenar sua campanha vitoriosa.
Acabaria se afastando do governo no fragor das denúncias do
Mensalão. E é exatamente esta parte da vida de Gushiken que me parece
particularmente instrutiva para entender o Brasil moderno.
Gushiken foi arrolado entre os 40 incriminados do Mensalão.
O número, sabe-se hoje, foi cuidadosamente montado para que se pudesse fazer
alusões a Ali Babá e os 40 ladrões.
Gushiken foi submetido a todas as acusações possíveis, e os
que o conhecem dizem o quanto isso contribuiu para o câncer que o está matando.
Mas logo se comprovou que não havia nada que pudesse
comprometê-lo, por mais que desejassem. Ainda assim, Gushiken só foi declarado
inocente formalmente pelo STF depois de muito tempo, bem mais que o justo e o
necessário, segundo especialistas.
Num site da comunidade japonesa, li um artigo de um
jornalista que dizia, como um samurai, que Gushiken enfim tivera sua “dignidade
devolvida”.
Acho bonito, e isso evoca a alma japonesa e sua relação
peculiar com a decência, mas discordo em que alguém possa roubar a dignidade de
um homem digno com qualquer tipo de patifaria, como ocorreu. A indignidade
estava em quem o acusou falsamente e em quem prolongou o sofrimento jurídico e
pessoal de Gushiken.
O episódio conta muito sobre a justiça brasileira, e sobre,
especificamente, o processo do Mensalão. A história há de permitir um
julgamento mais calmo, e tenho para mim que o papel do Supremo será visto como
uma página de ignomínia.
Gushiken não foi atropelado apenas pela justiça. Veio, com
ela, a mídia e, com a mídia, o massacre que conhecemos.
Um caso é exemplar.
Uma nota da seção Radar, da Veja, acusou Gushiken de ter
pagado com dinheiro público um jantar com um interlocutor que saiu por mais de
3 000 reais. A nota descia a detalhes nos vinhos e nos charutos “cubanos”.
Gushiken processou a revista. Ele forneceu evidências – a
começar pela nota e por testemunho de um garçom – de que a conta era na verdade
um décimo da alegada, que o vinho fora levado de casa, e os charutos eram
brasileiros.
Mais uma vez, uma demora enorme na justiça, graças a
chicanas jurídicas da Abril.
Em junho passado, Gushiken enfim venceu a causa. A justiça
condenou a Veja a pagar uma indenização de 20 mil reais.
O tamanho miserável da indenização se vê pelo seguinte: é
uma fração de uma página de publicidade da Veja. Multas dessa dimensão não
coíbem, antes estimulam, leviandades de empresas jornalísticas que faturam na
casa dos bilhões.
Não vou entrar no mérito dos leitores enganado, que
construíram um perfil imaginário de Gushiken com base em informações como
aquela do Radar. Também eles deveriam ser indenizados, a rigor.
Gushiken enfrentou, na vida, a ditadura, as lutas sindicais
por seus pares modestos, a justiça e a mídia predadora.
Combateu — ainda combate — o bom combate.
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/114918/Morre-aos-63-Luiz-Gushiken.htm