Discurso da Presidenta da República, Dilma
Rousseff, na abertura do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas
- Nova York/EUA
21/09/2011 às 11h20
Nova York-EUA, 21 de setembro
de 2011
http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-geral-da-66a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua
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Senhor presidente da Assembleia Geral, Nassir Abdulaziz
Al-Nasser,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e senhores,
Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz
feminina inaugura o Debate Geral. É a voz da democracia e da igualdade se
ampliando nesta tribuna, que tem o compromisso de ser a mais representativa do
mundo.
É com humildade pessoal, mas com justificado orgulho de mulher,
que vivo este momento histórico.
Divido esta emoção com mais da metade dos seres humanos deste
Planeta, que, como eu, nasceram mulher, e que, com tenacidade, estão ocupando o
lugar que merecem no mundo. Tenho certeza, senhoras e senhores, de que este
será o século das mulheres.
Na língua portuguesa, palavras como vida, alma e esperança
pertencem ao gênero feminino, e são também femininas duas outras palavras muito
especiais para mim: coragem e sinceridade. Pois é com coragem e sinceridade que
quero lhes falar no dia de hoje.
Senhor Presidente,
O mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo,
uma grande oportunidade histórica. Enfrentamos uma crise econômica que, se não
debelada, pode se transformar em uma grave ruptura política e social. Uma
ruptura sem precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência
entre as pessoas e as nações.
Mais que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os
seus governantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores
ou sairemos todos derrotados.
Agora, menos importante é saber quais foram os causadores da
situação que enfrentamos, até porque isto já está suficientemente claro.
Importa, sim, encontrarmos soluções coletivas, rápidas e verdadeiras.
Essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por
uns poucos países. Seus governos e bancos centrais continuam com a
responsabilidade maior na condução do processo, mas como todos os países sofrem
as consequências da crise, todos têm o direito de participar das soluções.
Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos
países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É –
permitam-me dizer – por falta de recursos políticos e, algumas vezes, de
clareza de ideias.
Uma parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre
ajustes fiscais apropriados e estímulos fiscais corretos e precisos para a
demanda e o crescimento. Ficam presos na armadilha que não separa interesses
partidários daqueles interesses legítimos da sociedade.
O desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de
um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo. Enquanto muitos
governos se encolhem, a face mais amarga da crise – a do desemprego – se
amplia. Já temos 205 milhões de desempregados no mundo – 44 milhões na Europa,
14 milhões nos Estados Unidos. É vital combater essa praga e impedir que se
alastre para outras regiões do Planeta.
Nós, mulheres, sabemos – mais que ninguém – que o desemprego não
é apenas uma estatística. Golpeia as famílias, nossos filhos e nossos maridos.
Tira a esperança e deixa a violência e a dor.
Senhor Presidente,
É significativo que seja a presidenta de um país emergente – um
país que vive praticamente um ambiente de pleno emprego – que venha falar,
aqui, hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os
países desenvolvidos.
Como outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora,
menos afetado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de
resistência não é ilimitada. Queremos – e podemos – ajudar, enquanto há tempo,
os países onde a crise já é aguda.
Um novo tipo de cooperação, entre países emergentes e países
desenvolvidos, é a oportunidade histórica para redefinir, de forma solidária e
responsável, os compromissos que regem as relações internacionais.
O mundo se defronta com uma crise que é, ao mesmo tempo,
econômica, de governança e de coordenação política.
Não haverá a retomada da confiança e do crescimento enquanto não
se intensificarem os esforços de coordenação entre os países integrantes da ONU
e as demais instituições multilaterais, como o G-20, o Fundo Monetário, o Banco
Mundial e outros organismos. A ONU e essas organizações precisam emitir, com a
máxima urgência, sinais claros de coesão política e de coordenação
macroeconômica.
As políticas fiscais e monetárias, por exemplo, devem ser objeto
de avaliação mútua, de forma a impedir efeitos indesejáveis sobre os outros
países, evitando reações defensivas que, por sua vez, levam a um círculo
vicioso.
Já a solução do problema da dívida deve ser combinada com o
crescimento econômico. Há sinais evidentes de que várias economias avançadas se
encontram no limiar da recessão, o que dificultará, sobremaneira, a resolução
dos problemas fiscais.
Está claro que a prioridade da economia mundial, neste momento,
deve ser solucionar o problema dos países em crise de dívida soberana e reverter
o presente quadro recessivo. Os países mais desenvolvidos precisam praticar
políticas coordenadas de estímulo às economias extremamente debilitadas pela
crise. Os países emergentes podem ajudar.
Países altamente superavitários devem estimular seus mercados
internos e, quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira
a cooperar para o reequilíbrio da demanda global.
Urge aprofundar a regulamentação do sistema financeiro e
controlar essa fonte inesgotável de instabilidade. É preciso impor controles à
guerra cambial, com a adoção de regimes de câmbio flutuante. Trata-se, senhoras
e senhores, de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias
excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo.
A reforma das instituições financeiras multilaterais deve, sem
sombra de dúvida, prosseguir, aumentando a participação dos países emergentes,
principais responsáveis pelo crescimento da economia mundial.
O protecionismo e todas as formas de manipulação comercial devem
ser combatidos, pois conferem maior competitividade, de maneira espúria e
fraudulenta.
Senhor Presidente,
O Brasil está fazendo a sua parte. Com sacrifício, mas com
discernimento, mantemos os gastos do governo sob rigoroso controle, a ponto de
gerar vultoso superávit nas contas públicas, sem que isso comprometa o êxito
das políticas sociais, nem nosso ritmo de investimento e de crescimento.
Estamos tomando precauções adicionais para reforçar nossa
capacidade de resistência à crise, fortalecendo nosso mercado interno com
políticas de distribuição de renda e inovação tecnológica.
Há pelo menos três anos, senhor Presidente, o Brasil repete,
nesta mesma tribuna, que é preciso combater as causas, e não só as
consequências da instabilidade global.
Temos insistido na interrelação entre desenvolvimento, paz e
segurança, e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada vez mais,
associadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz
sustentável.
É assim que agimos em nosso compromisso com o Haiti e com a
Guiné-Bissau. Na liderança da Minustah temos promovido, desde 2004, no Haiti,
projetos humanitários, que integram segurança e desenvolvimento. Com profundo
respeito à soberania haitiana, o Brasil tem o orgulho de cooperar para a
consolidação da democracia naquele país.
Estamos aptos a prestar também uma contribuição solidária, aos
países irmãos do mundo em desenvolvimento, em matéria de segurança alimentar,
tecnologia agrícola, geração de energia limpa e renovável e no combate à
pobreza e à fome.
Senhor Presidente,
Desde o final de 2010 assistimos a uma sucessão de manifestações
populares, que se convencionou denominar “Primavera Árabe”. O Brasil é pátria
de adoção de muitos imigrantes daquela parte do mundo. Os brasileiros se
solidarizam com a busca de um ideal que não pertence a nenhuma cultura, porque
é universal: a liberdade.
É preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma
legítima e eficaz de ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar
de seus cidadãos a condução do processo.
Repudiamos com veemência as repressões brutais que vitimam
populações civis. Estamos convencidos de que, para a comunidade internacional,
o recurso à força deve ser sempre a última alternativa. A busca da paz e da
segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas.
Apoiamos o Secretário-Geral no seu esforço de engajar as Nações
Unidas na prevenção de conflitos, por meio do exercício incansável da
democracia e da promoção do desenvolvimento.
O mundo sofre, hoje, as dolorosas consequências de intervenções
que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele
não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de
vítimas civis.
Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger, pouco se fala
sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer
juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será
tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões, e a legitimidade
do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma.
Senhor Presidente,
A cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a
falta de representatividade do Conselho de Segurança, o que corrói sua
eficácia. O ex-presidente Joseph Deiss recordou-me um fato impressionante: o
debate em torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano. Não é possível,
senhor Presidente, protelar mais.
O mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir
a realidade contemporânea, um Conselho que incorpore novos membros permanentes
e não permanentes, em especial representantes dos países em desenvolvimento.
O Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como
membro permanente do Conselho. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de
140 anos. Temos promovido com eles bem-sucedidos processos de integração e de
cooperação. Abdicamos, por compromisso constitucional, do uso da energia nuclear
para fins que não sejam pacíficos. Tenho orgulho de dizer que o Brasil é um
vetor de paz, estabilidade e prosperidade em sua região, e até mesmo fora dela.
No Conselho de Direitos Humanos, atuamos inspirados por nossa
própria história de superação. Queremos para os outros países o que queremos
para nós mesmos.
O autoritarismo, a xenofobia, a miséria, a pena capital, a
discriminação, todos são algozes dos direitos humanos. Há violações em todos os
países, sem exceção. Reconheçamos esta realidade e aceitemos, todos, as
críticas. Devemos nos beneficiar delas e criticar, sem meias-palavras, os casos
flagrantes de violação, onde quer que ocorram.
Senhor Presidente,
Quero estender ao Sudão do Sul as boas vindas à nossa família de
nações. O Brasil está pronto a cooperar com o mais jovem membro das Nações
Unidas e contribuir para seu desenvolvimento soberano.
Mas lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso
pleno da Palestina na Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o
Estado palestino como tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as
resoluções das Nações Unidas. Assim como a maioria dos países nesta Assembleia,
acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a
pleno título.
O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à
soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no
Oriente Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos
legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas
fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional.
Venho de um país onde descendentes de árabes e judeus são
compatriotas e convivem em harmonia, como deve ser.
Senhor Presidente,
O Brasil defende um acordo global, abrangente e ambicioso para combater
a mudança do clima no marco das Nações Unidas. Para tanto, é preciso que os
países assumam as responsabilidades que lhes cabem.
Apresentamos uma proposta concreta, voluntária e significativa
de redução [de emissões], durante a Cúpula de Copenhague, em 2009. Esperamos
poder avançar, já na reunião de Durban, apoiando os países em desenvolvimento
nos seus esforços de redução de emissões e garantindo que os países
desenvolvidos cumprirão suas obrigações – com novas metas no Protocolo de
Quioto – para além de 2012.
Teremos a honra de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em junho do ano que vem. Juntamente com
o secretário-geral Ban Ki-moon, reitero aqui o convite para que todos os chefes
de Estado e de Governo compareçam.
Senhor Presidente e minhas companheiras mulheres de todo mundo,
O Brasil descobriu que a melhor política de desenvolvimento é o
combate à pobreza, e que uma verdadeira política de direitos humanos tem por
base a diminuição da desigualdade e da discriminação entre as pessoas, entre as
regiões e entre os gêneros.
O Brasil avançou política, econômica e socialmente sem
comprometer sequer uma das liberdades democráticas. Cumprimos quase todos os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, antes de 2015. Saíram da pobreza e
ascenderam para a classe média quase 40 milhões de brasileiras e brasileiros.
Tenho plena convicção de que cumpriremos nossa meta de, até o final do meu
governo, erradicar a pobreza extrema no Brasil.
No meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das
desigualdades sociais. Nossos programas de distribuição de renda têm, nas mães,
a figura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias
investir na saúde e na educação de seus filhos.
Mas o meu país, como todos os países do mundo, ainda precisa
fazer muito mais pela valorização e afirmação da mulher. Ao falar disso,
cumprimento o secretário-geral Ban Ki-moon pela prioridade que tem conferido às
mulheres em sua gestão à frente das Nações Unidas.
Saúdo, em especial, a criação da ONU Mulher e sua
diretora-executiva, Michelle Bachelet.
Senhor Presidente,
Além do meu querido Brasil, sinto-me aqui
também representando todas as mulheres do mundo. As mulheres anônimas,
aquelas que passam fome e não podem dar de comer aos seus filhos; aquelas que
padecem de doenças e não podem se tratar; aquelas que sofrem violência e são
discriminadas no emprego, na sociedade e na vida familiar; aquelas cujo
trabalho no lar cria as gerações futuras.
Junto minha voz às vozes das mulheres que ousaram lutar, que
ousaram participar da vida política e da vida profissional, e conquistaram o
espaço de poder que me permite estar aqui hoje.
Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são
importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da
liberdade.
E é com a esperança de que estes valores continuem inspirando o
trabalho desta Casa das Nações, que tenho a honra de iniciar o Debate Geral da
66ª Assembleia Geral da ONU.
Muito obrigada.