quinta-feira, junho 14, 2007




‘Jornalismo vale-tudo’

A cobertura jornalística das investigações que pesam sobre Vavá, irmão do presidente Lula, é uma clara demonstração de uma imprensa que há muito trocou seu papel de fiscal dos poderes pelo de partido de oposição.


- por Gilson Caroni Filho (http://www.cartamaior.com.br/)


“Máfia dos caça-níqueis

Vavá usou nome de Lula; 13 presos são liberados”.


A chamada acima estava no portal do UOL, um dos maiores provedores de acesso à Internet do Brasil, na tarde de sábado, 10 de junho. É mais um exemplo do "jornalismo vale tudo" que tem sido praticado no país desde a eleição do presidente Lula, em 2002.


Uma mistura deliberada de informação com opinião. Característica de uma imprensa que há muito trocou seu papel de fiscal dos poderes pelo de partido de oposição. Clara demonstração daquilo que os especialistas em comunicação chamam de "poder de agenda": capacidade de, por sucessivas edições dos fatos, criar na opinião pública uma percepção dominante da sociedade em que vive.


E, como escreveu Giancarllo Summa, em excelente matéria na revista Carta Capital (edição 477, de 6 de junho de 2007), "manter o governo refém das capas de jornais e revistas e dos títulos do Jornal Nacional".


A técnica empregada induz o leitor a pensar, em um primeiro momento, que o irmão do presidente, valendo-se de tráfico de influência, obteve a soltura de 13 presos. Tal procedimento teria cabimento em publicações que se propõem a obter sucesso, explorando um tipo de humor controverso, calcado em boatos e truques que se prestam a pregar peças no “respeitável público".


Quando não é esse o objetivo, o texto truncado revela coisa distinta: a ação conjugada das 13 famílias que dominam a mídia nativa em manter o governo dentro do metro de seus interesses. Dispõem, para esses fins, de articulistas engajados e de uma aliança estratégica com parcela da classe média. Como formuladores (não confundir com formadores) de opinião, os primeiros contam com a cumplicidade do leitor de extração conservadora. Não se trata de colonização de imaginário ou moldagem de consciência, mas da formatação textual de uma visão de mundo anterior à leitura.


Nesse quadro, todos os procedimentos são válidos. Reportagens condicionadas à orientação editorial da publicação ou emissora. Negligência investigativa, seleção e organização de informações com vistas a criar crises que nada mais são que simulações produzidas por recortes de mídia. Divulgação, ao arrepio da lei, de informações de inquérito sob segredo de justiça. Tudo isso somado é alicerce da democracia ou instrumento de instabilidade institucional?


Sem qualquer receio de se deslegitimar como práxis ética, aposta no esquecimento como fonte de validação de seus enunciados. Uma mídia, em suma, que é, desde a origem, golpista e conservadora. E tem dado sobejas demonstrações disso nos últimos dias. Quem acompanha o noticiário desde a decisão do presidente Hugo Chávez de não renovar a concessão da Radio Caracas Televisión (RCTV) pôde assistir a toda sorte de sofismas.


Feita dentro de preceitos constitucionais e respaldada por mecanismos administrativos que, em momento algum, feriram o Estado Democrático de Direito, a ação do presidente venezuelana foi taxada, pela imprensa brasileira, como inequívoco desejo de controlar a mídia privada.


Em entrevista à Folha de S. Paulo (8/6) o presidente Lula foi claro ao dizer que, respeitando a soberania do país vizinho, as especificidades de cada formação política não autorizavam temores manifestos em colunas e editoriais. "A diferença com o Brasil é que conseguimos colocar na Constituição que isso passa pelo Congresso. Não é uma decisão unilateral do presidente. Lá é. Faz parte da democracia deles".


Não foi o suficiente para quem teme efeito demonstração. O jornalista Ruy Fabiano não titubeou em sair em defesa de quem lhe emprega. Em artigo que beira o primarismo, escreveu que "transpondo o raciocínio para o Brasil, pode-se dizer que, se amanhã a concessão da Rede Globo findar e o governo simplesmente não a renovar, estará sendo legalista e democrático. Ora, assim como a concessão de um canal de TV não pode ser ato pessoal de vontade do governante, muito menos sua supressão”.


Fabiano, ao se tornar porta-voz do monopólio, esqueceu que, no Brasil, tal decisão teria que contar com o consentimento do Senado para ser efetivada. Distorcendo a fala do presidente, caiu em equívoco, e fechou simbolicamente o Congresso.


Não deve ficar preocupado. O texto passará batido. O jornalismo “vale tudo” cadencia a evolução. A recorrência dos métodos assusta, mas não surpreende.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil, Observatório da Imprensa e La Insignia.


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