Os bons ventos que vêm do Nordeste
Seminário de planejamento e entrosamento do novo governo estadual do Sergipe com os movimentos sociais apontam novas perspectivas para uma região dominada pela pobreza, coronelismo e assistencialismo.
Ermínia Maricato
Sexta-feira, 9 de fevereiro, sete horas da noite. A Secretária de Planejamento do Estado de Sergipe, Lúcia Falcón, encerra o Seminário de Planejamento do Desenvolvimento Territorial do Sergipe. Após quatro dias de trabalho, o auditório permanecia cheio.
No público, técnicos do governo estadual, professores universitários e pesquisadores. Pela manhã do mesmo dia, a secretária Lúcia atravessara o Estado para participar do Encontro Estadual do MST, no alto sertão. Saiu da zona litorânea, passou pelo agreste e desembarcou no interior viajando através de forte diversidade regional do menor estado do Brasil. Os 400 participantes que a aguardavam não esconderam seu entusiasmo.
Pela segunda vez, em 40 dias do governo de Marcelo Déda, a Secretária ia ao encontro deles. É algo inédito. Antes das falas das autoridades, os rituais característicos das reuniões do MST afirmam a cultura regional, com poesias de Patativa do Assaré. Após a cantoria a pequena multidão de camisas e bonés vermelhos se aquieta para ouvir a representante do governo.
Naquelas pessoas faz-se notar o DNA de séculos convivência com um sol abrasador, com a falta de água e de alimento E das relações oligárquicas que combinam desprezo e dependência. Mas, está presente também, nas faces, a dignidade de quem luta e tem identidade. Ali a secretária Lucia repetiu o convite feito aos técnicos e acadêmicos na capital. Convidou todos a se engajarem na elaboração do Plano de Desenvolvimento Territorial Participativo do Estado de Sergipe.
Assistencialismo em queda
O movimento que levou Aracajú a uma forte mudança chegou ao governo de um estado dominado pelo assistencialismo. Apadrinhamento talvez seja o conceito que melhor pode substituir o coronelismo tradicional que há muito vem passando por mudanças no Brasil. É notável, ali, a ação assistencial dos chefes dos executivos locais. Como já observou Otávio Velho, os grotões vêm mudando no Brasil. O Nordeste é uma das áreas que mais evidencia isso. No sertão sergipano, o MST, muito numeroso, teve um papel importante nessa direção. As políticas sociais do governo Lula também. E as mudanças estão começando a ganhar, com o governo de Marcelo Deda, um reforço decisivo.
Pena o Henfil não estar vivo para ver o contraste: no sul maravilha, uma cratera inesperada engole cinco das maiores empreiteiras brasileiras consorciadas (que construíram grandes obras no mundo todo, esbanjando know how) e um governo auto-referido como “bom gestor” (é de se lamentar que inocentes tenham ido junto). O contrato, elaborado sob a influência do Banco Mundial previu a auto-fiscalização das obras que ficaram distante do controle público e social. Foi muito coelho para uma armadilha só.
No Nordeste, remando contra a corrente do Estado mínimo, um governo não tem medo de afirmar seu compromisso com o movimento social mais criminalizado pela elite brasileira e em especial pela mídia do sudeste. O plano de Sergipe não é apenas de desenvolvimento econômico, mas territorial e participativo: é geo-político. Diz respeito à sociedade e sua relação com o território.
Planejamento de políticas públicas é algo que o Brasil raramente conheceu, e a atividade de planejar, com a globalização, tendeu a desaparecer com exceção feita às secretarias e Ministérios de Finanças e Fazendas, que planejam radicalmente o ajuste fiscal. É uma grande novidade no Brasil.
Planejamento territorial é duplamente ignorado. Apesar de contar com a tradição furtadiana, reconhecida em toda a América Latina, de planejamento territorial e também de historiadores como Caio Prado Jr, nossos economistas raramente enxergam o território.
Participação e democracia
E para completar o conjunto das inovações, o planejamento territorial é participativo. É dispensável explanar sobre a prática anti-democrática do Estado na história do Brasil.
Como objetivo do Plano, o seminário conclui: combate à desigualdade social e regional e crescimento endógeno sem ignorar o que as forças externas podem e devem contribuir ou dificultar. Olhar para fora (alavancas externas) e olhar para dentro (iniciativas a serem apoiadas). O diagnóstico feito por professores universitários de Sergipe e por consultores externos, entre os quais está a discípula de Celso Furtado, Tânia Bacelar, já apontou algo novo.
Setores que pouco contribuem com o PIB são os que mais empregam, ao contrário do que acontece com a Petrobrás, com a Hidrelétrica de Xingo e com as grandes empresas de exploração mineral que contribuem muito com o PIB mas não com o emprego no Estado.
Essas constatações exigem nova abordagem, novos indicadores e novas ações. O desafio não é pequeno e deverá enfrentar toda a sorte de dificuldades e limitações num país que combinou, nos últimos 25 anos, a política do favor, alianças políticas sem programas, a exaltação do mercado e a desinformação.
Ermínia Maricato é secretária-executiva na gestão de Olívio Dutra no Ministério das Cidades e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
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