É do povo: Governo petista quer acabar com privatização do carnaval baiano
Leia abaixo reportagem do jornalista Carlos Gustavo Yoda, publicada originalmente no site da Agência Carta Maior:
Depois de 16 anos de hegemonia do modo “carlista” de se pensar as expressões e políticas culturais, o novo secretário de Cultura da Bahia, Márcio Meirelles, promete que o governo repensará os rumos, junto com a sociedade civil, do Carnaval de Salvador.
Em entrevista à Carta Maior e ao Cultura e Mercado, o professor de geografia da UFBa, Clímaco Dias, denunciou o que parece não ser novidade aos baianos: como os blocos particulares de grandes artistas, com segregação e exclusão, descaracterizaram a festa popular mais famosa do Brasil.
“Da segunda metade do século XX para cá, chegaram os trios elétricos que romperam com a festa elitizada dos clubes e mansões. Só que, hoje, o trio elétrico é quem atende à elite. A música do Caetano Veloso expressou muito bem em sua época: ‘Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu’ (1969).
Com o passar do tempo, esse trio elétrico foi transformado em mercadoria e instrumento de ganho de capital. Então nasceu a corda para cercá-lo, e surgiram os blocos pagos, e os camarotes. Então, atrás do trio elétrico só vai quem pode pagar”, analisa o professor Clímaco.
Márcio Meirelles, que assumiu o cargo no dia 1º de janeiro deste ano acredita que “o carnaval realmente chegou ao gargalo, em um estrangulamento em movimento autofágico, e corre o risco de acabar. Tudo está na mão do mercado e empresários e o Estado tem que ter o mínimo de regulação e organização”.
Desde antes da posse que o secretário já vinha conversando com o Ministério da Cultura, com os blocos afros e independentes e com a prefeitura de Salvador sobre a necessidade de rediscutir a forma como o carnaval vinha sendo realizado nos últimos anos. Mesmo com menos de dois meses de mandato, o governo do estado conseguiu organizar os blocos afros e índios e independentes no sentido de debater a distribuição da verba de apoio da Bahiatursa (órgão que administra verba para o setor turístico baiano).
“Assumimos um governo que vem de 16 anos de uma mesma gestão. Tivemos que trocar a roda com a bicicleta andando embaixo da chuva. Mas trabalharemos para que o carnaval do ano que vem seja diferente”, promete Meirelles.Conforme explicou o secretário, o MinC estaria empenhado em colaborar com força política para acabar com o processo de privatização da festa. Juca Ferreira, baiano e secretário-executivo do Ministério, foi quem articulou os debates na Câmara Municipal quando era vereador sobre racismo e segregação nos blocos particulares.
“Tem muita gente disposta a entrar nessa discussão. O Ministério está com a gente e uma série de artistas fundamentais, como o Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Daniela Mercury e os blocos afros. Já conversei com todos e eles estão dispostos a rediscutir o nosso carnaval”, pontua Meirelles.
O secretário entende que o governo precisa “requalificar a relação” de todos os atores do carnaval: blocos com a rua, com o povo; camarotes com os blocos e a cidade; governo estadual com o municipal.
“É uma situação viciada. É complicado mudar a cultura da Cultura. Já existe a cultura de dependência e sabemos que existem blocos que não têm representatividade, que apenas vêm atrás dessa pequena verba, assim como existem outros sérios que trabalham o ano inteiro”, considera.
O novo governador, Jacques Wagner (PT), já anunciou a criação de um grupo de trabalho que envolverá todas as esferas governamentais além de universidades e a sociedade que não apenas organizará a festa, como também pensará conceito, sentido e caminhos da folia.
A questão do espaço público deve ser trabalhada no âmbito municipal, segundo o secretário, mas o governo do estado coloca-se à disposição para ser um mediador e provocador da discussão.
Questionado se há vontade política para realizar tais transformações dentro do governo municipal, Meirelles diz que “não é mais possível continuar desse jeito. Existem pessoas excelentes lá (na prefeitura) que compreendem e não concordam com toda essa lógica vigente da festa. Há um interesse evidente da prefeitura em regular isso. A crise é presente”.
A reportagem procurou conversar com representantes da Emtursa (empresa pública que administra o carnaval de Salvador), a fim de repercutir as declarações de Clímaco Dias. A assessoria de imprensa informou que as dificuldades são de conhecimento comum, mas nenhum representante da empresa pode conceder entrevista.
A descentralização do carnaval entre outras cidades da Bahia também está na pauta do governo. A intenção é manter a diversidade, mesmo que não haja muita verba de apoio para outras cidades além de Salvador: “Vamos incentivar cada município que tenha carnaval tradicional para que a festa não caia nessa homogeneização”.
Agência Carta Maior
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