Uma jovem jornalista me pergunta pelo Messenger: “Mas afinal o
que o Dirceu fez?”
Ela confessa a extrema dificuldade de entender.
Primeiro, há um massacre unitilateral. Toda a mídia, abastecida
pela Justiça amiga, se concentra em publicar horrores de Dirceu.
As acusações parecem um catálogo telefônico daqueles de
antigamente.
E a defesa como que não existe.
Dirceu já foi julgado e condenado pelo noticiário.
Tenho para mim que o Caso Dirceu só vai ser devidamente
conhecido e esclarecido pela posteridade, quando o fogo das paixões políticas
do momento já for coisa do passado.
Dentro desse quadro irracional é que se deve entender certas manifestações
sobre Dirceu.
Um procurador da Lava Jato disse, por exemplo, que Dirceu deve
ser condenado no mínimo a 30 anos de prisão.
Que conta fez esse procurador?
Os juízes do Mensalão entraram para o anedotário da Justiça
quando se puseram a calcular, com ares científicos de Newton e Einstein, a
“dosimetria”.
Era a dose – esdrúxula, de resto – de penas para os condenados.
A “dosimetria” do procurador para Dirceu é patética.
Trinta anos, para um homem que chega aos 70, significam a morte
na prisão.
Mas não é este exatamente o ponto.
Vamos para uma terra altamente civilizada, a Escandinávia. Veja
como os noruegueses trataram o caso Anders Breivik, o maníaco de direita que
matou mais de 70 jovens sob o protexto alucinado de salvar seu país da ameaça
muçulmana.
Breivik foi condenado a 19 anos de cadeia, a pena máxima da
Noruega. Caso ele, no fim da sentença, continue a representar uma ameaça à
sociedade, o caso será rediscutido.
É assim que os noruegueses enxergam as penas. Cadeia é para
recuperar as pessoas, não para fazê-las apodrecer.
Estava em Oslo na época do julgamento, e a cidade funcionava
normalmente, sem os espasmos de ódio tão comuns no Brasil de hoje.
E então voltemos para o caso Brasil versus Dirceu. O procurador
falou no mínimo
em 30 anos. Ele está precisando de uma temporada escandinava, certamente, para
refazer seus conceitos.
Existe uma confusão mental na Justiça brasileira que se expressa
nas declarações orais e escritas de seus magníficos integrantes.
Tente entender, por exemplo, o que Janot disse ao se manifestar
contra o retorno de Dirceu à prisão domiciliar.
“Não há que se falar, com efeito, em conciliação das prisões
pelo Supremo, porquanto independentes entre si, não havendo, entre uma e outra,
conexão de qualquer ordem. Ademais, o sentenciado não possui foro por
prerrogativa de função, não havendo necessidade de pronunciamento do STF em
questões desse jaez [gênero] relativamente a ele", afirmou Janot.
Outro trecho: “Além disso, tendo em vista os veementes indícios
de prática de infrações penais em datas posteriores ao trânsito em julgado do
acórdão condenatório proferido nos autos da Ação Penal nº 470, incide, in casu,
o disposto no art. 313, II, do diploma processual penal.”
Será que Janot não podia escrever em português?
Um amigo jornalista me contou, no Mensalão, que estava numa
padaria, com a televisão ligada, quando um juiz pronunciou um voto. “Como fala
bem esse juiz”, notou um popular ali na padaria. “Mas não entendi: ele condenou
ou absolveu?”
Toda essa máquina jurídica abstrusa e parcial se voltou contra
Dirceu, com a contribuição de uma das piores imprensas do universo.
O tempo haverá de esclarecer um dos episódios mais confusos da
história política moderna.
Por ora, o que é claro é que o caso Dirceu é muito mais político
do que propriamente legal.
Se Dirceu fosse um servo da plutocracia, viveria a vida
tranquila de todos aqueles que optaram por aquele caminho.
Isso é batata.
Me ocorre Mujica ao pensar em Dirceu.
Em maio passado, numa entrevista, Pepe Mujica produziu, com sua
habitual franqueza, uma defesa de Dirceu como líder petista nenhum fez.
Disse ele: “Dirceu para mim não é um criminoso. Está condenado,
mas é um formidável lutador.”
Este é o verdadeiro crime de Dirceu: ser um "formidável
lutador" contra a plutocracia brasileira.
Paulo Nogueira | Setembro 5, 2015 às
7:49 am | Etiquetas: janot, lava jato, mensalão, petrolao, Zé Dirceu | Categorias: Destaques, Política | URL: http://wp.me/p50CoY-tbX