O agendamento conservador
O dispositivo midiático conservador
exercita há quatro meses o poder de pautar a agenda política do país. É um
massacre.
A novela do chamado 'mensalão' revelou-se um cavalo de Tróia
dos interesses contrariados pela ampliação do espaço progressista na sociedade
brasileira.
Como fica a cada dia mais explícito, a reação conservadora cozinha nesse julgamento um cardápio inteiro para 2014.
Um dos pratos principais é a tentativa de dissolver Lula num caldeirão fervente de suspeição.
A meta é transformá-lo num frango desossado incapaz de equilibrar-se de novo, sobretudo num palanque.
Vivemos um ensaio desse banquete pantagruélico que atrai todas as bocas famintas de 2002, 2006 e 2010.
Avança-se em fatias, comendo o mingau pelas berbas na arguta percepção de que é preciso aleijar o corpo antes de atacar o coração.
Coisa de profissionais do ramo. O ramo do neogolpismo; aquele que arremete por dentro das regras institucionais, aliás invocando o papel de guardião daquilo que golpeia.
O novo ferramental não se dispensa dos artefatos do velho repertório.
Em certa medida, vive-se um revival do clima de 2002, quando a falta de respeito e o preconceito de classe ilustraram a que ponto pode chegar a polidez das elites quando o céu que as protege ameaça cair em mãos alheias.
Diariamente uma ração de manchetes, colunas e escaladas televisivas, ademais de sobrancelhas em pinça, esgares e olhares insinuantes destilam o mesmo e incontido ódio "à la 2002".
Em qualquer guerra o bombardeio intenso não transforma a saturação em apoio ao agressor.
As três vitórias sucessivas do PT, nenhuma delas com apoio deles, evidenciam um limite a partir do qual o peso da realidade pulsa na formação da consciência social.
A brecha tende a se alargar à medida em que cresce o saldo positivo das gestões petistas -- a palavra saldo não condensa uma evolução linear, nem isenta o percurso das contradições inerentes a governos policlassistas de centro esquerda.
Marmorizado no cotidiano da população o legado da década petista forma um repertório que adensa a percepção de um país distinto do ecoado pelo bumbo conservador.
O atrito obriga o agendamento a radicalizar a narrativa.
Analistas de maior consistência são vencidos pelo alarido grosseiro do segundo escalão. A fotografia cede ao photoshop, literalmente e eticamente.
Tome-se o exemplo a página 2 da Folha.Ali escreveram progressistas como Antonio Calado e conservadores, como Otto Lara Resende, entre outros. Ambas as cepas com expressões de alto nível.
Tornou-se um rodapé intelectual.
Excetuadas honrosas exceções, respinga ali o suor inglório dos que brigam com as palavras para compensar a irrelevância com decibéis.
Isso para não falar de casos clínicos.
'Veja', que um dia foi dirigida por Mino Carta, é cada vez mais um desengonçado encadernamento de replicantes do Tea Party.
O efeito bumerangue é inevitável.
A forma como o panfleto da Abril rejeita a regulação da mídia é um testemunho da pertinência da regulação da mídia.
O conjunto expõe a armadilha que enredou o conservadorismo em uma contradição nos seus próprios termos.
Quanto mais espaço abre ao escalão beligerante , maior o fosso entre a percepção sensorial do país e o que as manchetes martelam.
Parece uma boa notícia. E uma parte do governo acha que resolve o embate dessa forma.
Engana-se. O outro lado também sabe que corre contra os ponteiros da história.
A radicalização observada neste momento não deve ser encarada como um hiato.
É um ciclo de tudo ou nada. E reserva pouco espaço à acomodação
O blog Grupo Beatrice (http://grupobeatrice.blogspot.com.br/) qualifica de forma interessante essa natureza ambígua do poder de agendamento conservador nesse momento.
Uma pesquisa feita por estudantes de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi São Paulo discute a tese de que o dispositivo midiático já não tem mais o poder de eleger presidentes ou forçar impeachments.
Mas ainda é eficiente em estabelecer pautas e agendas como a do julgamento da AP 470.
No dizer do 'Beatrice', o aparelho de difusão conservador já não determina como pensar, mas retém o poder de prescrever 'sobre o que' pensar.
Metaforicamente, a condição de pautar a sociedade remete à modelagem totalitária de um mundo administrado no qual a ficção é a realidade, como no filme Matrix.
A diferença sutil entre 'o que' e 'sobre o que' tem implicações políticas nada desprezíveis.
A primeira é demonstrar que o poder antagônico não é absoluto. O que parece animador.
Mas envolve essa contrapartida virulenta de quem, repita-se, sabe que corre contra o tempo. E avança para o tudo ou nada, antes que seja tarde.
O lado oposto, o das forças progressistas --e o do governo-- deve socorrer-se nas lições práticas que os momentos de intensa polarização histórica como esse deixaram.
A gravidade da hora impõe o dever de repetir incansavelmente : se o dispositivo midiático conservador mantém uma escala de difusão capaz de determinar sobre o que o país deve ou não pensar, não adianta ater-se ao manejo eficiente da economia para contrastá-lo.
Isso é indispensável, mas não é suficiente. E até para que ocorra é imprescindível afrontar o poder de alcance do monopólio difusor.
De duas formas.
Com um novo marco regulatório das comunicações, que resguarde o equilíbrio de pontos de vista requerido pela democracia; e, antes disso até, como pede o tique-taque do relógio político: propiciando à mídia progressista condições legítimas para expressar um ponto de vista que hoje, objetivamente, reflete os interesses históricos dos novos atores majoritários do país.
Como fica a cada dia mais explícito, a reação conservadora cozinha nesse julgamento um cardápio inteiro para 2014.
Um dos pratos principais é a tentativa de dissolver Lula num caldeirão fervente de suspeição.
A meta é transformá-lo num frango desossado incapaz de equilibrar-se de novo, sobretudo num palanque.
Vivemos um ensaio desse banquete pantagruélico que atrai todas as bocas famintas de 2002, 2006 e 2010.
Avança-se em fatias, comendo o mingau pelas berbas na arguta percepção de que é preciso aleijar o corpo antes de atacar o coração.
Coisa de profissionais do ramo. O ramo do neogolpismo; aquele que arremete por dentro das regras institucionais, aliás invocando o papel de guardião daquilo que golpeia.
O novo ferramental não se dispensa dos artefatos do velho repertório.
Em certa medida, vive-se um revival do clima de 2002, quando a falta de respeito e o preconceito de classe ilustraram a que ponto pode chegar a polidez das elites quando o céu que as protege ameaça cair em mãos alheias.
Diariamente uma ração de manchetes, colunas e escaladas televisivas, ademais de sobrancelhas em pinça, esgares e olhares insinuantes destilam o mesmo e incontido ódio "à la 2002".
Em qualquer guerra o bombardeio intenso não transforma a saturação em apoio ao agressor.
As três vitórias sucessivas do PT, nenhuma delas com apoio deles, evidenciam um limite a partir do qual o peso da realidade pulsa na formação da consciência social.
A brecha tende a se alargar à medida em que cresce o saldo positivo das gestões petistas -- a palavra saldo não condensa uma evolução linear, nem isenta o percurso das contradições inerentes a governos policlassistas de centro esquerda.
Marmorizado no cotidiano da população o legado da década petista forma um repertório que adensa a percepção de um país distinto do ecoado pelo bumbo conservador.
O atrito obriga o agendamento a radicalizar a narrativa.
Analistas de maior consistência são vencidos pelo alarido grosseiro do segundo escalão. A fotografia cede ao photoshop, literalmente e eticamente.
Tome-se o exemplo a página 2 da Folha.Ali escreveram progressistas como Antonio Calado e conservadores, como Otto Lara Resende, entre outros. Ambas as cepas com expressões de alto nível.
Tornou-se um rodapé intelectual.
Excetuadas honrosas exceções, respinga ali o suor inglório dos que brigam com as palavras para compensar a irrelevância com decibéis.
Isso para não falar de casos clínicos.
'Veja', que um dia foi dirigida por Mino Carta, é cada vez mais um desengonçado encadernamento de replicantes do Tea Party.
O efeito bumerangue é inevitável.
A forma como o panfleto da Abril rejeita a regulação da mídia é um testemunho da pertinência da regulação da mídia.
O conjunto expõe a armadilha que enredou o conservadorismo em uma contradição nos seus próprios termos.
Quanto mais espaço abre ao escalão beligerante , maior o fosso entre a percepção sensorial do país e o que as manchetes martelam.
Parece uma boa notícia. E uma parte do governo acha que resolve o embate dessa forma.
Engana-se. O outro lado também sabe que corre contra os ponteiros da história.
A radicalização observada neste momento não deve ser encarada como um hiato.
É um ciclo de tudo ou nada. E reserva pouco espaço à acomodação
O blog Grupo Beatrice (http://grupobeatrice.blogspot.com.br/) qualifica de forma interessante essa natureza ambígua do poder de agendamento conservador nesse momento.
Uma pesquisa feita por estudantes de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi São Paulo discute a tese de que o dispositivo midiático já não tem mais o poder de eleger presidentes ou forçar impeachments.
Mas ainda é eficiente em estabelecer pautas e agendas como a do julgamento da AP 470.
No dizer do 'Beatrice', o aparelho de difusão conservador já não determina como pensar, mas retém o poder de prescrever 'sobre o que' pensar.
Metaforicamente, a condição de pautar a sociedade remete à modelagem totalitária de um mundo administrado no qual a ficção é a realidade, como no filme Matrix.
A diferença sutil entre 'o que' e 'sobre o que' tem implicações políticas nada desprezíveis.
A primeira é demonstrar que o poder antagônico não é absoluto. O que parece animador.
Mas envolve essa contrapartida virulenta de quem, repita-se, sabe que corre contra o tempo. E avança para o tudo ou nada, antes que seja tarde.
O lado oposto, o das forças progressistas --e o do governo-- deve socorrer-se nas lições práticas que os momentos de intensa polarização histórica como esse deixaram.
A gravidade da hora impõe o dever de repetir incansavelmente : se o dispositivo midiático conservador mantém uma escala de difusão capaz de determinar sobre o que o país deve ou não pensar, não adianta ater-se ao manejo eficiente da economia para contrastá-lo.
Isso é indispensável, mas não é suficiente. E até para que ocorra é imprescindível afrontar o poder de alcance do monopólio difusor.
De duas formas.
Com um novo marco regulatório das comunicações, que resguarde o equilíbrio de pontos de vista requerido pela democracia; e, antes disso até, como pede o tique-taque do relógio político: propiciando à mídia progressista condições legítimas para expressar um ponto de vista que hoje, objetivamente, reflete os interesses históricos dos novos atores majoritários do país.
Postado por Saul Leblon às
06:01