sábado, março 24, 2012

Hackers do Espaço: nenhum território inacessível

22/3/2012, Peter Geoghegan, London Review of Books, vol. 34, n.6, Blog
http://www.lrb.co.uk/blog/2012/03/14/peter-geoghegan/access-all-areas/
Em janeiro, a empresa Transport for London, do Metrô de Londres, requereu à polícia que emitisse uma “Ordem de Restrição de Comportamento Antissocial” contra quatro jovens do sexo masculino cujas identidades não foram divulgadas. Nos termos daquela Ordem, os quatro estão proibidos de falar/escrever entre eles por dez anos; de carregar equipamento que possa ser usado para explorações noturnas; e de publicar em blogs sobre ‘exploração urbana’.

O crime dos quatro? Na madrugada da 2ª-feira depois da Páscoa do ano passado, quando a segurança era máxima em torno de Londres e dentro da cidade, por causa do casamento do príncipe, aqueles quatro entraram na estação Russell Square do metrô, e caminharam pelos trilhos desertos e por dentro dos túneis fechados da estação Aldwych, abandonada.

Os quatro são militantes da organização London Consolidation Crew (LCC)[1], a mais ativa (e conhecida) equipe de exploração urbana da capital britânica. Para muitos, o grupo pratica o que se conhece como “hacking do espaço” ou “hacking de territórios”. Entre 2008 e 2011, o pessoal da LCC escalou, invadiu ou vangloriou-se de ter-se “apropriado” de espaços como a Heron Tower[2], a Strata Tower,[3] de prédios de New Court (Rothschilds Bank)[4], Eagle House[5], Temple Court[6] e de prédios de 100 Middlesex Street[7] e do complexo Shard[8].

Pessoas infiltram-se em locais onde não se deve entrar desde tempos imemoriais, mas o hacking urbano – com ênfase em locais proibidos, provas fotográficas e comentários em rede, pela internet, sobre os territórios hackeados – é fenômeno mais recente. O termo parece ter sido cunhado pelo falecido Jeff Chapman, mais conhecido pelo apelido Ninjalicious.[9] No livro
Access All Areas: A User’s Guide to the Art of Urban Exploration (2005) [Chegue a todos os lugares: guia do praticante da arte da exploração urbana], Chapman definiu a exploração urbana, ou o hacking urbano, como “infiltrar-se ou invadir áreas ou espaços restritos ou de acesso proibido, inclusive esgotos, encanamentos, torres, igrejas, respiradouros de subterrâneos, túneis em desuso, prisões, áreas militares, asilos, hospitais, minas, teatros, fábricas e estações de trem”.

Bradley Garrett, membro do LCC, que concluiu recentemente uma tese de doutoramento[10]
sobre hacking urbano, estima que haja cerca de 3.000 hackers espaciais urbanos no Reino Unido. “Para algumas pessoas, trata-se de ter contato direto com a história e com ruínas”, diz ele. “Para outros, é o desejo de estar em espaços onde não se pode(ria) estar”. Os hackers urbanos típicos trabalham em pequenos grupos fortemente coesos; e tem ativa presença online. Garrett atribui o crescente interesse pelo “hacking de espaços” ao crescimento da tecnologia de vigilância e ao estreitamento do espaço público.

Mas até os espaços acessíveis quase que exclusivamente aos hackers espaciais parecem estar também se estreitando. Estudo sobre pontos ‘frágeis’ do sistema de Metrô da cidade de Londres concluiu que é necessário gastar £240 mil [R$ 694.464,00] para reforçar os portões de aço e instalar novas portas contra-fogo em 16 estações do metrô, entre as quais Tower Hill, Mansion House e Warren Street.

Simultaneamente, uma ‘atualização de medidas antiterrorismo/extremismo para a comunidade comercial da cidade de Londres’[11]
distribuída pela Polícia da Cidade de Londres no final do ano passado, alertava contra hackers urbanos, os quais, como manifestantes dos movimentos Occupy e gangues urbanas, poderiam estar “conduzindo operações hostis de reconhecimento”.

Depois de alertar também contra o risco de uma greve de eletricitários, o memorando concluía: “Todos devem tomar as necessárias providências para que seus equipamentos de segurança sejam adequados, robustos e operantes em todas as horas do dia e da noite. Informem imediatamente à autoridade policial qualquer atividade suspeita.”


[2] Sobre o prédio, com imagens, em http://www.herontower.com/the_building/
[6] Sobre a área, com imagens, em http://en.wikipedia.org/wiki/Temple,_London
[7] Sobre o complexo, com imagens, em http://www.skyscrapernews.com/buildings.php?id=69
[9] Sobre ele, falecido em 2005, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Ninjalicious
[10] A tese, “Place Hacking: Tales of Urban Exploration” [Hacking de espaços: contos de exploração urbana] foi defendida dia 28/1/2012; pode ser lida, na íntegra, em inglês, em http://www.placehacking.co.uk/thesis/