terça-feira, setembro 13, 2011

John Pilger: A Líbia e a "revolução" de Murdoch


Em 13 de setembro é inaugurada em Londres uma das maiores feiras de armas do mundo, com o apoio do governo britânico. Em 8 de setembro, a Câmara de Comércio e Indústria de Londres apresentou uma antevisão intitulada "Médio Oriente: Um mercado vasto para companhias britânicas de defesa e segurança". O patrocinador foi o Royal Bank of Scotland, um grande investidor em bombas de estilhaçamento (cluster). 

Por John Pilger, no site resistir.info


Segundo a Anistia Internacional, as vítimas de bombas de estilhaçamento são 98% civis e 30% crianças. O Royal Bank of Scotland recebeu 20 milhões de Euros de dinheiro público. No anúncio para a festa de armas do banco lê-se: "O Médio Oriente é uma das regiões com o maior número de oportunidades para companhias britânicas de defesa e segurança. A Arábia Saudita... é o principal importador de defesa do mundo, tendo gasto US$56 mil milhões em 2009... uma região muito valiosa a visar". 

Tais são as prioridades do governo de Cameron depois da grande vitória "humanitária" na Líbia. Como declarou outrora Margaret Thatcher: "Alegrem-se!" E como os banqueiros e mercadores de armas aumentam a graduação dos seus óculos, não vamos esquecer os heróicos pilotos da RAF que tornaram a Líbia nossa outra vez pela incineração de incontáveis "elementos pró Kadafi" nos seus lares, camas e clínicas, nem os desconhecidos apoiantes da indústria britânica de drones em Menwith Hill , Yorkshire , que, antes e depois do almoço, providenciam a informação de alvos dos drones de modo a que mísseis Hellfire possam arrasar lares e sugar o ar para fora de pulmões, uma especialidade. E aclamações para o sítio de teste de drones da QuinetiQ , em Aberporth, e para a UAV Engines Limited, em Lichfield. 

A missão humanitária do ocidente não está totalmente terminada. Cerca de seis meses depois de conseguir uma resolução das Nações Unidas autorizando "a [proteção] de civis e áreas populadas civis sob a ameaça de ataque", Otan está a despejar bombas de fragmentação sobre Sirte populada por civis e outro "redutos de Kadafi" onde, diz um repórter do Channel 4 New, "até que cortem a cabeça da cobra, os líbios não se sentem seguros". Cito isto não pela sua qualidade Orwelliana mas como um exemplo do papel do jornalismo em justificar antecipadamente os "nossos" banhos de sangue. 

Isto é a Revolução de Rupert, afinal de contas. Nestes dias a imprensa de Murdoch já não utiliza a palavra "insurgentes" como pejorativa, como fazia antes. A ação na Líbia, diz The Times, é "uma revolução... tal como as revoluções costumavam ser". Que isto é um golpe de uma ganga de ex-comparsas e espiões de Muammar Kadafi em conluio com a Otan dificilmente é notícia. O auto-designado "líder rebelde", Mustafa Abdul Jalil, era o temido ministro da Justiça de Kadafi. A CIA dirige ou financia a maior parte do resto, incluindo velhos amigos da América, os mujadeen islâmicos que desovaram a al-Qaeda. 

Contam aos jornalistas só o que eles precisam saber: que Kadafi estava prestes a cometer "genocídio", do que não há evidência, ao contrário da abundante evidência de massacres "rebeldes" de trabalhadores negros africanos falsamente acusados de serem mercenários. A transferência secreta feita por banqueiros europeus do Banco Central da Líbia de Tripoli para a Bengazi "rebeldes" a fim de controlar os milhares de milhões do petróleo do país foi um roubo gigantesco de pouco interesse. 

A totalmente previsível acusação a Kadafi perante o "tribunal internacional" em Haia evoca a charada do agonizante "bombista de Lockerbie", Abdelbaset Ali Mohmed al-Megrahi, cujo "crime odioso" foi posicionado para promover as ambições do ocidente na Líbia. Em 2009, Al-Megrahi foi devolvido à Líbia pela autoridades escocesas não por razões misericordiosas, como foi relatado, mas porque o seu há muito aguardado recurso teria confirmado a sua inocência e descrito como ele foi tramado pelo governo Thatcher, como revelou o memorável desmascaramento de Paul Foot. Como antídoto para a propaganda actual, insto-o a ler uma demolidora perícia forense da "culpa" de el-Melgrahi e seu significado político em Dispatches from the Dark Side: on torture and the death of justice (Verso) da eminente advogada de direitos humanos Gareth Peirce. 

Não se deve minimizar a ditadura odiosa de Kadafi, um destino para as "rendições" do MI6 como ficamos agora a saber. Mas o seu ódio não tem relação com a violação do seu país por caricaturas imperiais tais como Nicholas Sarkozy, um islamófobo napoleónico cujos serviços de inteligência quase certamente montaram o golpe contra Kadafi. Telegramas diplomáticos dos EUA divulgados pelo WikiLeaks revelam o pânico do ocidente sobre a recusa de Kadafi a entregar a maior fonte de petróleo na África e as suas aberturas à China e à Rússia. 

A propaganda confia não só em Murdoch como também em vozes aparentemente respeitáveis que induzem à amnésia histórica. The Observer, o qual ainda tem de pedir desculpas pela sua catastrófica promoção de não existentes armas de destruição em massa no Iraque, está sob o domínio da "honrosa intervenção" de Sarkozy e Cameron e dos seus motivos "humanitários e emotivos". Seu colunista político Andrew Rawnsley completa um impressionante feito duplo. Como nos recorda o Media Lens, em 2003 Rawnsley escreveu acerca do Iraque: "A portagem da morte não foi tão alta como fora amplamente receado". Um milhão de iraquianos mortos depois, Rawnsley insiste em que, na Líbia "a Grã-Bretanha actuou bem" e "o número de baixas civis infligidas pelos ataques aéreos parece ter sido misericordiosamente ligeiro". Conte isso aos líbios com seres amados aniquilados pelos Hellfires amigos das corporações. 

A Otan atacou a Líbia para conter e manipular um levantamento geral árabe que apanhou os dominadores do mundo de surpresa. Ao contrário dos seus vizinhos, Kadafi chegou ao poder pela negação do controle ocidental das riquezas naturais do seu país. Por isto, ele nunca foi esquecido e a oportunidade para o seu fim foi agarrada da maneira habitual, como mostra a história. O historiador americano William Blum tem mantido o registo. Desde a segunda guerra mundial, os Estados Unidos esmagaram ou subverteram movimentos de libertação nacional em 20 países e tentaram derrubar mais de 50 governos, muitos deles democráticos, e lançaram bombas sobre 30 países, e tentaram assassinar mais de 50 líderes estrangeiros.

Alegrem-se!



http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=163648&id_secao=6