sábado, maio 26, 2018

Os "puristas" não entendem a complexidade da categoria, e tampouco atentam para a dificuldade que é promover a mobilização ampla desses trabalhadores, tendo em vista não só a precarização extrema à qual estão sujeitos, mas também à realidade itinerante de seu trabalho. Não se trata de uma disputa entre o bem e o mau; nem de um movimento totalmente cooptável e ilegítimo; uma massa manipulável e "bobinha". Por outro lado, também não é um movimento cujos protagonistas tem uma consciência enquanto classe, enquanto categoria. Não é unificado, as pautas são heterogêneas e também voláteis. Por tudo isso, parte desses trabalhadores expressam reações conservadores e, alguns grupos, visões extremistas sobre a política e suas estratégias de luta. Nada disso, ao meu ver, torna ilegítima a mobilização. Pelo contrário, é um convite para que busquemos entender mais das categorias sociais e para que aceitemos que as mobilizações sociais nem sempre atendem ao nosso critério idealizado de pauta, objetivo e organização.”


Para saber
Por Larissa Jacheta Riperti
“Tem ao menos seis anos que colaboro com um jornal de caminhoneiros e não me arrisquei a fazer nenhuma análise sobre a recente greve da categoria. Mas muitas opiniões, sobretudo de "esquerda" proferidas nessa rede social (ninguém se importa, na verdade) me geraram um incômodo. Por isso, me arrisco agora a escrever algumas pontuações sobre a greve dos caminhoneiros, lembrando que, dessa vez, muita gente perguntou, rsrsrs.
1) A greve começou como um movimento puxado pela CNTA, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos. A convocação da paralisação se deu após encaminhamento de ofício ao governo federal em 15 de maio, solicitando atendimento de demandas urgentes antes da instalação de uma mesa de negociação. As urgências eram: o congelamento do preço do Diesel, pelo prazo necessário para a discussão sobre benefício fiscal que reduzisse o custo do combustível para os transportadores (empresas e caminhoneiros); e fim da cobrança dos pedágios sobre eixos suspensos, que ainda está acontecendo em rodovias de caráter estadual, conforme compromisso assumido pela lei 13.103/2015, conhecida também como Lei do Motorista.
2) No ofício encaminhado pela CNTA se fala na deflagração de uma paralisação em 21 de maio, caso não fossem atendidos os pedidos da Confederação. Também se explicita o apoio de 120 entidades representativas, mas não se esclarece se essas organizações são sindicatos patronais ou de autônomos.
3) A paralisação prevista para 21 de maio aconteceu, já que o governo se recusou a negociar com a CNTA e com demais entidades. Ao que consta nos comunicados de imprensa do organismo, também estavam na pauta discussões como o marco regulatório dos transportes e a questão da "reoneração da folha de pagamento"
4) Abro parênteses para o tema: desde 2011, a discussão da desoneração da folha de pagamento vem acontecendo no Brasil com vistas a garantir a geração de empregos. Nos anos seguintes ela foi ampliada para outros setores, como o do transporte rodoviário de cargas. Com a desoneração os patrões tem a possibilidade de escolher a forma mais "vantajosa" de pagar a contribuição previdenciária, recolhendo 20% sobre os pagamentos dos funcionários e contribuintes individuais (sócios e autônomos) ou recolhendo uma alíquota sobre a receita bruta (cujo percentual variava entre diferentes setores da economia, no caso do TRC é de 1,5 a 2%). No ano passado, o governo Temer, através do Ministro da Fazendo, Henrique Meirelles, anunciou a reoneração da folha de pagamento com a justificativa de que era necessário reajustar "as contas" da União. Atualmente, a ampliação da reoneração da folha de pagamento está sendo discutida no âmbito do TRC.
5) Com a mobilização que se potencializou em 21 de maio, uma série de pautas foram levadas para as "estradas". Dentre os mobilizados nesse primeiro momento estavam autônomos e motoristas contratados. As informações que nos chegam é a de que eles estão deixando passar as cargas perecíveis e os medicamentos e os itens considerados de primeira necessidade.
6) A paralisação continuou e ganhou adesão das transportadoras que prometeram não onerar os funcionários nem realizar cortes salariais ou demissões por causa da greve. Afinal de contas, a redução do preço do Diesel também é do interesse da classe patronal.
7) A greve conta com grande apoio nacional, porque a alta do preço dos combustíveis afeta não só a prestação de serviços, mas a vida de grande parte dos brasileiros.
😎 Os sindicatos estão batendo cabeça. De um lado, muitas federações e entidades soltaram nota dizendo que não apoiam a greve e que ela tem características de lockout justamente porque a pauta tem sido capitaneada pelos setores empresariais em nome dos seus interesses. Do outro lado, existem sindicatos de autônomos, como a própria CNTA, o Sindicam de Santos que puxou a paralisação na região do porto, e agora a Abcam, que recentemente se mobilizou na negociação, apoiando o movimento. Segundo nota, o presidente da Abcam esteve em Brasília hoje e depois de uma reunião frustrada disse que a greve dos caminhoneiros continua. A reunião tinha como objetivo negociar a redução da tributação em cima dos combustíveis.
Esse é o cenário geral da mobilização. Ela é composta por uma série de segmentos que conformam o TRC. E, obviamente, suscita algumas questões:
1) Existe uma clara apropriação da pauta dos caminhoneiros por parte da classe empresarial que exerce maior influência nas negociações. Isso significa que, por mais que a greve seja legítima, pode acabar resultando num "tiro pela culatra" a depender dos rumos tomados na resolução entre as partes e as lideranças.
2) Não existe uma pauta unificada, o movimento não é hegemônico, nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista ideológico. Existe um grupo de caminhoneiros bolsonaristas, outros que são partidários de uma intervenção militar, outros pedem Diretas Já e Lula Livre. Ou seja, é um movimento canalizado principalmente, pela insatisfação em relação ao preço do Diesel.
3) Em função da grande complexidade e fragilidade das lideranças sindicais de autônomos, o movimento carece de uma representatividade que possa assegurar as demandas da classe trabalhadora. Enquanto isso, os sindicatos patronais acabam por exercer maior influência, determinando os caminhos da negociação e o teor das reivindicações.
6) Isso se faz notar, por exemplo, no tipo de reivindicação expressada por grande parte dos caminhoneiros que é a redução da tributação em cima do preço do combustível. Ora, todos nós sabemos que o cerne do problema é a nova política de preços adotada pelo governo Temer e pela Petrobras, que atualmente é presidida por Pedro Parente.
7) Novo parênteses sobre o tema: desde o ano passado, a Petrobras adotou uma nova política de preços, determinando o preço do petróleo em relação à oscilação internacional do dólar. Na época, esse tipo de política foi aplaudida pelo mercado internacional, que viu grande vantagem na venda do combustível refinado para o Brasil. Aqui dentro, segundo relatório da Associação de Engenheiros da Petrobras, a nova política de preços revela o entreguismo da atual presidência da empresa e governo Temer, que busca sucatear as refinarias nacionais dando prioridade para a importação do combustível. Tudo isso foi justificado na época com o argumento que era necessário ajustar as contas da Petrobras e passar confiança aos investidores internacionais.
😎 É verdade, portanto, que o movimento em si tem uma percepção um pouco equivocada da principal razão do aumento dos combustíveis, mas isso não significa que toda classe dos caminhoneiros não faça essa relação clara entre o problema da política de preços da Petrobras e o aumento dos combustíveis.
10) De fato, portanto, o grande problema nesse momento é saber quem serão as pessoas a sentar nas mesas de negociação. De um lado, existe uma legítima expressão da classe trabalhadora em defesa das suas condições de trabalho e dos seus meios de produção. O aumento do Diesel é um duro golpe entre os caminhoneiros autônomos e a reivindicação da sua redução, seja pela eliminação dos tributos, seja pelo questionamento da política de preços da Petrobras, é legítima e deve ser comemorada.
11) A questão fundamental agora é saber o que o governo vai barganhar na negociação. Retomo, então, a questão da reoneração da folha de pagamento. O governo já disse que haverá uma reoneração da folha e esse é um dos meios de captação de recursos caso haja fim do Pis/Cofins incidindo sobre os combustíveis. Na prática, porem, a reoneração pode ter um impacto sobre os empregos dos próprios caminhoneiros, resultando em demissões.
12) Se houver o fim da tributação no Diesel, conforme inclusão do relator, Orlando Silva (PCdoB/SP), na Medida Provisória, de parágrafo que exclui a tributação, a classe trabalhadora e toda sociedade serão impactadas. Afinal de contas, com redução de receita, haverá, consequentemente, um corte no repasse da verba para a seguridade social, previdência, saúde, etc.
Considerando tudo o que foi dito, expresso meu incomodo com análises e percepções simplistas da esquerda, ou de pessoas que se dizem da esquerda, sobre o movimento. Locaute virou doce na boca dos analistas de facebook. Porque não atende à nossa noção de "movimento" ideal, os caminhoneiros que legitimamente se mobilizaram em nome da redução do preço do diesel estão sendo taxados de vendidos e cooptados, como uma massa amorfa preparada para ser manipulada.
Os "puristas" não entendem a complexidade da categoria, e tampouco atentam para a dificuldade que é promover a mobilização ampla desses trabalhadores, tendo em vista não só a precarização extrema à qual estão sujeitos, mas também à realidade itinerante de seu trabalho. Soma-se a isso o duro golpe que atualmente foi proferido contra as entidades sindicais menores de autônomos, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Sinto dizer aos colegas acadêmicos, portanto, que nem sempre nossos modelos de análise social se aplicam a realidade. Não se trata de uma disputa entre o bem e o mau; nem de um movimento totalmente cooptável e ilegítimo; uma massa manipulável e "bobinha". Por outro lado, também não é um movimento cujos protagonistas tem uma consciência enquanto classe, enquanto categoria. Não é unificado, as pautas são heterogêneas e também voláteis. Por tudo isso, parte desses trabalhadores expressam reações conservadores e, alguns grupos, visões extremistas sobre a política e suas estratégias de luta.
Nada disso, ao meu ver, torna ilegítima a mobilização. Pelo contrário, é um convite para que busquemos entender mais das categorias sociais e para que aceitemos que as mobilizações sociais nem sempre atendem ao nosso critério idealizado de pauta, objetivo e organização.”



Pessoal, jamais imaginei que o texto que escrevi sobre a greve dos caminhoneiros pudesse viralizar. Acredito que isso aconteceu em função do grande desconhecimento que ainda temos com relação à categoria e o setor em geral. Muita gente só se deu conta do quanto somos dependentes do transporte rodoviário de cargas depois que faltaram itens nos supermercados e a gasolina no posto de combustível. Ninguém é obrigado a conhecer a categoria, de toda forma. Mas eu acredito que o diálogo horizontalizado é a melhor maneira da gente se esquivar dessa enxurrada de fake news e de informações distorcidas que a grande mídia insiste em nos empurrar. O texto que eu publiquei suscitou uma série de questionamentos e, com vistas a esclarecê-los, escrevo essa nota. Lembrando que eu não sou senhora da razão nem a luz que iluminará a consciência de vocês ou dos caminhoneiros sobre a situação atual. Sou apenas alguém que teve a sorte de trabalhar com isso nos últimos anos e que reflete sobre questões e acontecimentos relativos ao setor.
1) Perguntaram se as opiniões da direita não me incomodam: Sim, a direita me incomoda só de existir. No entanto, da direita eu não espero nada, já da esquerda eu espero bom senso, lucidez e muita calma na hora de opinar sobre algo ou montar teorias da conspiração;
2) Muitos estão reiterando o fato de que os caminhoneiros pedem intervenção militar: Sim, existem caminhoneiros que assim o fazem, mas também existem caminhoneiros que sabem que o golpe de 2016 foi responsável por essa lama que nos afunda até o pescoço. Convido a todos a olharem os comentários de membros da categoria na página do Chico da Boleia. Reitero também que sou veementemente contra intervenção militar ou qualquer sentimento de nostalgia ou de saudosismo à época da ditadura. Também sou contra Bolsonaro e qualquer tipo de discurso e/ou prática autoritária e fascista. Nesse sentido, posso dizer que o veículo de comunicação no qual trabalho também nutre desse mesmo posicionamento.
3) Questionaram qual a diferença da greve de 2015 para esta agora. Explico (é textão, desculpa):
A diferença é a seguinte: em fevereiro de 2015, a greve dos caminhoneiros foi puxada pelas transportadoras supostamente contra o preço do diesel e dos pedágios. No entanto, o que se queria naquele momento era a aprovação da Lei 13.103, a nova lei do motorista. Pra quem não sabe, em 2012, a Dilma sancionou a Lei 12.619, a Lei do Motorista, que era muito bem estruturada e que continha alguns pilares básicos para assegurar a dignidade trabalhista dos caminhoneiros autônomos como: limite na jornada de trabalho diária, descanso obrigatório, paradas obrigatórias, horário de refeição obrigatória, fim do pagamento de comissão por parte do embarcador, controle da jornada de trabalho. Nós (quando digo nós sou eu e o pessoal do Chico da Boleia, jornal com o qual colaboro), acompanhamos todo processo de discussão e aprovação da Lei 12.619, cujo texto fora relatado por Paulo Paim (PT-RS) com base numa pesquisa realizada pelo Procurador do Ministério do Trabalho, Dr. Paulo Douglas, com o qual dialogamos várias vezes e chamamos para conversas com os caminhoneiros. A Lei 12.619 obviamente não agradou aos embarcadores de cargas - que teriam que se adequar à nova legislação - e às transportadoras porque teriam que mudar sua (des) política de contratação de agregados. Imediatamente após a aprovação da Lei em 2012, então, uma comissão na Câmara dos Deputados, integrada, sobretudo, pela bancada ruralista, foi composta para revê-la. Fizeram que fizeram, que um novo texto pra lei foi proposto com a sínica justificativa de que era impossível praticar a legislação tendo em vista a falta de infraestrutura nas estradas que não permitia as paradas determinadas. Em 2015, quando a nova lei (13.103) que, basicamente, flexibiliza a jornada de trabalha do caminhoneiro, já havia sido aprovada na Câmara e no Senado, estava nas mãos da Dilma para sanção, uma greve de "caminhoneiros" desponta. Naquela época nos chegaram vídeos e denúncias de que os caminhoneiros estavam sendo forçados a parar. Na mesa de negociação com o governo de então, os sindicatos patronais pediram a sanção sem vetos da nova lei, dentre outros compromissos; mas em nenhum momento se negociou a redução do diesel. Tanto que não houve redução do preço do combustível. Enfim, com isso, não quero dizer que a atual greve não possa virar um locaute, ou que não beneficiará os patrões. O que eu quero dizer, mais uma vez, é que existe muito mais coisa por traz da categoria e as informações que nos chegam não dão conta de expressar 1% de tudo o que está acontecendo.
Para além da greve de fevereiro, outras duas aconteceram naquele ano de 2015 que não tiveram a mesma proporção da atual. Muitas imagens estão rodando, mostrando alguns caminhões que integraram as marchas em prol do impeachment. Peço que reflitam sobre o fato de que nem só caminhoneiro autônomo tem caminhão, transportadora/empresário também tem. Já pararam pra pensar que, naquele momento, esse setor pode ter participado da campanha contra a Dilma? Com isso não quero sugerir que autônomos não apoiaram o golpe, a gente sabe que muitos trabalhadores apoiaram esse processo e também bateram panela.
4) Alguns perguntaram sobre o futuro do movimento: quem é historiador analisa o passado e não se atreve de jeito nenhum a dar opiniões sobre o futuro. Quem faz isso é mãe Diná e Walter Mercado (rsrsrs). De qualquer forma, reitero que o movimento segue em disputa. Duas grandes entidades de autônomos rejeitaram o acordo proposto na última quinta-feira pelo governo, a Abcam e a Unicam, seus posicionamentos estão publicados na internet. O Sindicato dos Caminhoneiros - Sindicam Amparo com o qual temos uma relação próxima, também soltou nota rejeitando o acordo e rejeitando também qualquer tentativa de locaute por parte das empresas. Os caminhoneiros que estão paralisados também não reconheceram a negociação. Muitos vídeos e opiniões nos chegaram e confirmam que os autônomos estão insatisfeitos porque sequer foram recebidos na Casa Civil. Rechaçaram a forma como o acordo foi costurado, denunciando que as empresas de transporte estão tentando utilizá-los como massa de manobra para seus interesses. Além disso, o Sindipetro anunciou ontem adesão à greve, o que pode mudar completamente o cenário.
Peço, portanto, que tenhamos em mente que é uma categoria de mais de 1 milhão de trabalhadores. Isso, por si só, já revela a complexidade desse atual movimento que vem acontecendo. No mais, convido a todos a seguirem a página do Chico da Boleia (também tem site: www.chicodaboleia.com.br). Nesta segunda soltaremos nova edição do nosso jornal no qual vamos discutir não só a greve, mas também a nova política de preços da Petrobras e como isso afeta a vida dos caminhoneiros e da população em geral.
Antes que alguém diga que estou fazendo um "merchã" oportunista, reitero que nosso jornal tem circulação gratuita. Imprimimos cerca de 50 mil exemplares que são distribuídos em rodovias e também disponibilizamos as edições on-line. Ele é fruto de um trabalho há muito tempo desenvolvido com a colaboração de pessoas que se importam com o setor e com a vida dos caminhoneiros e caminhoneiras. Aceitamos críticas, sugestões, opiniões; e se (depois de ler, é claro, rs) você colocar ele pra forrar o xixi do seu cachorro, a gente não vai levar pro lado pessoal!
Abraços!