sábado, agosto 29, 2009

Jornalistas na coleira


O Pentágono e seus ‘jornalistas confiáveis’

27/8/2009, David Axe, “Danger Room”, Wired

http://www.wired.com/dangerroom/2009/08/pentagon-reconsiders-war-reporter-screening/#more-16479 e http://www.wired.com/dangerroom/2009/08/pentagon-reporter-screening-crisis-deepens/

 

O Pentágono contratou uma empresa para avaliar o trabalho de jornalistas interessados em acompanhar soldados em campanha [ing. embedded reporters] no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, segundo noticiou o Stars & Stripes, jornal mantido parcialmente por fundos públicos.

“Funcionários de Relações Públicas dos EUA no Afeganistão informaram que jornalistas que solicitem autorização para acompanhar tropas em campanha terão seu trabalho jornalístico avaliado pela empresa The Rendon Group,” noticiou o Stars & Stripes na 2ª-feira. O sistema de classificação da Rendon implica analisar matérias já publicadas, para classificá-las em uma de três categorias: “favorável”, “contrária” ou “neutra” em relação aos objetivos de guerra dos EUA.

O Pentágono negou que essas categorias estejam sendo usadas para selecionar jornalistas. Segundo o porta-voz do Pentágono Brian Whitman, os militares deixaram de usar as categorias “favorável”, “contrária” ou “neutra”, em outubro. Atualmente, o Pentágono apenas avalia o rigor informacional nas matérias jornalísticas, disse a capitã Elizabeth Mathias, assessora militar de imprensa em Cabul. “Assim, sabemos com quem estamos trabalhando”, disse ela.

Hoje o jornal Stars & Stripes voltou à carga. Citou documentos recentes aos quais teve acesso e que mostram que os militares continuam a usar o sistema “favorável-contrária-neutra” de classificação de matérias jornalísticas. “Um dos documentos [que vazaram] avalia matéria publicada em maio de 2009, o que indica que a prática de avaliação não foi suspensa ou modificada em outubro como disse Whitman” – revelou o jornal.

O quadro parece ser ainda mais grave. Os relatórios produzidos pela Rendon estão sendo usados para definir estratégias para influenciar jornalistas – diz hoje o jornal Stars & Stripes. O jornal cita um relatório da Rendon que recomenda que os militares façam contato com um repórter de TV que seria “particularmente subjetivo”, para obter dele cobertura “mais adequada de uma operação militar bem-sucedida”, o que resultaria em “cobertura favorável.”

O prof. Bob Zelnick, ex-consultor e repórter militar da rede ABC, atualmente na Boston University, já manifestou preocupação com a possibilidade de o Pentágono estar ativamente manipulando a mídia. “Não creio que seja possível cobrir uma guerra, se se deseja fazer cobertura séria e significativa, sem os jornalistas que acompanham os soldados em campanha”, disse ele a esse blog. “Sempre houve jornalistas em todos os fronts de guerra, da Guerra Civil à Guerra do Vietnam.”

Para Zelnick, os veículos da pequena mídia – blogs, jornais locais – são mais vulneráveis à fiscalização pelo Pentágono, que os grandes jornais e redes, que podem protestar abertamente contra qualquer tentativa de manipulação pelos militares. Mesmo assim, diz Zelnick, só a imprensa – toda ela, seja grande ou pequena – tem poder para alterar as políticas viciosas de imprensa do Pentágono. “Acho que, se os jornalistas não estão tendo acesso, ou se o acesso está sendo controlado no Pentágono, o melhor é ir direto ao topo. Creio que o atual secretário de Defesa [Bob] Gates é partidário da liberdade de imprensa e de cobertura justa das políticas e feitos do Pentágono.”

O Pentágono está examinando essas denúncias de que o aparelho militar de relações públicas no Afeganistão estaria classificando jornalistas segundo o grau de simpatia que manifestem em relação aos objetivos de guerra dos EUA. A investigação informal veio à tona três dias depois de Stars & Stripes ter comentado a prática das ‘avaliações’ (http://www.stripes.com/). “Já consultei o nosso pessoal no Afeganistão e estamos reunindo informações”, disse Bryan Whitman, porta-voz do Departamento de Defesa.

Os militares contrataram a empresa The Rendon Group, de Relações Públicas, para tratar publicamente a questão das ‘avaliações’ – como revelou a revista Stars & Stripes. Jornalistas que solicitem autorização para acompanhar soldados em campanha [ing. embeds] têm o trabalho anterior avaliado e classificado em categorias de “positivo”, “negativo” ou “neutro” em relação à estratégia dos EUA. Quando Stars & Stripes divulgou a história, os coordenadores da mídia militar no Afeganistão insistiram na versão de que as avaliações nada tinham a ver com solicitações de jornalistas interessados em obter autorização para acompanhar os soldados. Os militares também informaram que já não utilizam o sistema “positivo-negativo-neutro”; e que só buscam aferir a isenção, o respeito aos fatos e o rigor informacional das matérias jornalísticas. A revista Stars & Stripes, em seguida, publicou excertos de algumas daquelas “avaliações”, comprovando que o sistema ‘de três notas’ continua a ser usado exatamente como em julho passado.

Simultaneamente, aumenta o número de jornalistas que procuram o escritório de Whitman para conhecer suas próprias ‘avaliações’ e ‘perfis’. E vários grupos de defesa de direitos humanos e da liberdade de imprensa já se manifestaram contra a prática das ‘avaliações’ e ‘perfis’ do Pentágono. “Levar a democracia ao Afeganistão é desafio gigantesco”, declarou a Federação Internacional de Jornalistas. “E o desafio só aumentará se as autoridades tentarem manipular a imprensa ou seduzir jornalistas (a palavra certa seria “chantagear”) para que manifestem viés favorável aos militares.”

“Se os militares só pré-aprovarem alguns jornalistas e só os que trabalhem a favor de um específico ponto de vista e de uma agenda única, a opinião pública norte-americana perderá as condições mínimas para avaliar objetivamente a realidade e para tomar decisões equilibradas; e isso é grave ameaça à democracia nos EUA” – declarou a Federação Norte-Americana de Artistas de Rádio e Televisão.

“Se eu encontrar algo que seja inconsistente com os valores e políticas do Departamento de Defesa, podem ter certeza de que darei toda a atenção ao tema” – Whitman garantiu aos repórteres. “Para mim, uma avaliação desse tipo não tem qualquer utilidade, serve para nada e não agrega valores.”


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