Como a Folha te enrola
Eduardo Guimarães
http://edu.guim.blog.uol.com.br
A Folha de São Paulo, bem como o resto da grande imprensa, enrola o público - ou, ao menos, tenta. Isso fica mais uma vez evidente diante da carta do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, enviada ao jornal em protesto contra uma reportagem e um editorial daquele veículo que difundem uma versão deturpada dos gastos do governo federal com publicidade.
Se você quiser entender como a Folha - e o resto da imprensa - o enrola, leia, abaixo, a reportagem (resumida) a que o ministro se refere em sua carta ao jornal, o questionamento dele a essa reportagem e minhas considerações finais.
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Folha de São Paulo, 24/04/2007
"Lula bate recorde e gasta mais de R$ 1 bilhão em publicidade (...) os gastos com propaganda estatal federal passaram de R$ 1 bilhão pela primeira vez na história (...). O valor (...) chegou a R$ 1.015.773.838. (...) Segundo o ministro Franklin Martins (...), os números da publicidade "refletem uma presença forte das estatais, pois estão entre as maiores do Brasil e precisam competir no mercado". (...) nos anos (...) em que Fernando Henrique esteve no Palácio do Planalto, o maior gasto do tucano se deu em 2001, com um investimento de R$ 953,7 milhões -a Secom corrigiu essa cifra pelo IGPM, da Fundação Getulio Vargas. (...) Com a chegada de Lula ao Planalto, os valores não param de subir. (...) em 2003, o petista foi modesto. Investiu R$ 667,6 milhões, menos do que em todos os anos anteriores com FHC. Os gastos subiram para R$ 956,1 milhões em 2004. (...) quando estourou o esquema do mensalão, o governo usou R$ 963 milhões em propaganda. Para chegar ao recorde de R$ 1,015 bilhão no ano passado, Lula teve de fazer gastos concentrados no primeiro semestre e nos últimos dois meses do ano passado -pois durante a fase eleitoral há restrições legais à publicidade estatal. (...) Não é possível saber de maneira completa quanto o governo gasta com propaganda. As cifras divulgadas não incluem o dinheiro usado em publicidade legal (editais e balanços). No ano passado, as empresas do governo que disputam o mercado com a iniciativa privada consumiram R$ 775,2 milhões -76,3% da verba lulista total em propaganda. (...) Nos anos FHC, as estatais chegaram a responder por, no máximo, 65,4% do valor gasto em publicidade (em 1999)"
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Folha de São Paulo, 28/04/07
Painel do Leitor"Não houve nenhum aumento dos gastos com publicidade institucional (...) Em 2006, a veiculação de publicidade da administração direta e das empresas estatais que não disputam mercado foi de R$ 240.595.201,92 -uma queda real de 11,25% em relação ao ano anterior, com valores corrigidos pelo IGPM (...). Tais gastos incluíram a publicidade de utilidade pública, como campanhas de vacinação infantil e de idosos. Ainda assim, é um valor 14% inferior aos R$ 280.404.743,86 despendidos em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso. No último ano, houve, sim, aumento de investimentos em publicidade das empresas estatais brasileiras que competem no mercado e, portanto, precisam divulgar os seus produtos e serviços (...). Do total de investimentos em mídia em 2006 (R$ 1.015.773.838,00), 76,3% -ou seja, R$ 775.178.636,08- são da responsabilidade dessas estatais, empresas de grande porte como a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Mesmo nesse caso, o crescimento no ano foi de 12%, variação inferior à do mercado publicitário como um todo, de 12,3% (Ibope Mídia)." FRANKLIN MARTINS, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Brasília, DF)
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Devido à tecnicidade dos textos acima, é preciso lê-los com muita atenção para se captar o que a Folha fez. O jornal misturou todos os gastos do governo com publicidade no mesmo balaio, com o óbvio interesse de confundir o leitor. Por isso, não separou o que são gastos das empresas estatais que disputam fatias de mercado - tais como a Petrobrás ou o Banco do Brasil, que têm forte concorrência de mega empresas petroleiras e bancos, muitos deles multinacionais - e os gastos da administração direta e de estatais que não disputam mercado. Quanto o Itaú, por exemplo, gastou a mais de publicidade no mesmo período em que o Banco do Brasil aumentou seus gastos nessa área? De acordo com o ministro Franklin Martins, o mercado publicitário aumentou 12,3% no ano passado, enquanto que os gastos do governo com publicidade, no total, aumentaram 12%, ou seja, abaixo do aumento do mercado, o que significa que seus gastos nessa área acompanharam o que aconteceu com todas as empresas do país.
Em tese, será sempre bom a imprensa fiscalizar governos e questioná-los sobre como usam o dinheiro público. Porém, só quando essa fiscalização e esse questionamento não são seletivos. Se a imprensa do Estado mais rico do país - que chega a ter economia e população maiores do que todos os países sul-americanos, com exceção da Argentina - investiga o governo federal, mas não acompanha praticamente nada do que faz o governo desse Estado, mesmo sendo responsabilidade dessa esfera da administração pública cuidar diretamente da Saúde, da Educação, da Segurança e do Transporte, entre outros, é preciso saber se o que move essa imprensa é espírito público ou um reprovável e pretensamente dissimulado espírito político-partidário. Para mim, a segunda opção é a correta.
Eduardo Guimarães
http://edu.guim.blog.uol.com.br
A Folha de São Paulo, bem como o resto da grande imprensa, enrola o público - ou, ao menos, tenta. Isso fica mais uma vez evidente diante da carta do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, enviada ao jornal em protesto contra uma reportagem e um editorial daquele veículo que difundem uma versão deturpada dos gastos do governo federal com publicidade.
Se você quiser entender como a Folha - e o resto da imprensa - o enrola, leia, abaixo, a reportagem (resumida) a que o ministro se refere em sua carta ao jornal, o questionamento dele a essa reportagem e minhas considerações finais.
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Folha de São Paulo, 24/04/2007
"Lula bate recorde e gasta mais de R$ 1 bilhão em publicidade (...) os gastos com propaganda estatal federal passaram de R$ 1 bilhão pela primeira vez na história (...). O valor (...) chegou a R$ 1.015.773.838. (...) Segundo o ministro Franklin Martins (...), os números da publicidade "refletem uma presença forte das estatais, pois estão entre as maiores do Brasil e precisam competir no mercado". (...) nos anos (...) em que Fernando Henrique esteve no Palácio do Planalto, o maior gasto do tucano se deu em 2001, com um investimento de R$ 953,7 milhões -a Secom corrigiu essa cifra pelo IGPM, da Fundação Getulio Vargas. (...) Com a chegada de Lula ao Planalto, os valores não param de subir. (...) em 2003, o petista foi modesto. Investiu R$ 667,6 milhões, menos do que em todos os anos anteriores com FHC. Os gastos subiram para R$ 956,1 milhões em 2004. (...) quando estourou o esquema do mensalão, o governo usou R$ 963 milhões em propaganda. Para chegar ao recorde de R$ 1,015 bilhão no ano passado, Lula teve de fazer gastos concentrados no primeiro semestre e nos últimos dois meses do ano passado -pois durante a fase eleitoral há restrições legais à publicidade estatal. (...) Não é possível saber de maneira completa quanto o governo gasta com propaganda. As cifras divulgadas não incluem o dinheiro usado em publicidade legal (editais e balanços). No ano passado, as empresas do governo que disputam o mercado com a iniciativa privada consumiram R$ 775,2 milhões -76,3% da verba lulista total em propaganda. (...) Nos anos FHC, as estatais chegaram a responder por, no máximo, 65,4% do valor gasto em publicidade (em 1999)"
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Folha de São Paulo, 28/04/07
Painel do Leitor"Não houve nenhum aumento dos gastos com publicidade institucional (...) Em 2006, a veiculação de publicidade da administração direta e das empresas estatais que não disputam mercado foi de R$ 240.595.201,92 -uma queda real de 11,25% em relação ao ano anterior, com valores corrigidos pelo IGPM (...). Tais gastos incluíram a publicidade de utilidade pública, como campanhas de vacinação infantil e de idosos. Ainda assim, é um valor 14% inferior aos R$ 280.404.743,86 despendidos em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso. No último ano, houve, sim, aumento de investimentos em publicidade das empresas estatais brasileiras que competem no mercado e, portanto, precisam divulgar os seus produtos e serviços (...). Do total de investimentos em mídia em 2006 (R$ 1.015.773.838,00), 76,3% -ou seja, R$ 775.178.636,08- são da responsabilidade dessas estatais, empresas de grande porte como a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Mesmo nesse caso, o crescimento no ano foi de 12%, variação inferior à do mercado publicitário como um todo, de 12,3% (Ibope Mídia)." FRANKLIN MARTINS, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Brasília, DF)
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Devido à tecnicidade dos textos acima, é preciso lê-los com muita atenção para se captar o que a Folha fez. O jornal misturou todos os gastos do governo com publicidade no mesmo balaio, com o óbvio interesse de confundir o leitor. Por isso, não separou o que são gastos das empresas estatais que disputam fatias de mercado - tais como a Petrobrás ou o Banco do Brasil, que têm forte concorrência de mega empresas petroleiras e bancos, muitos deles multinacionais - e os gastos da administração direta e de estatais que não disputam mercado. Quanto o Itaú, por exemplo, gastou a mais de publicidade no mesmo período em que o Banco do Brasil aumentou seus gastos nessa área? De acordo com o ministro Franklin Martins, o mercado publicitário aumentou 12,3% no ano passado, enquanto que os gastos do governo com publicidade, no total, aumentaram 12%, ou seja, abaixo do aumento do mercado, o que significa que seus gastos nessa área acompanharam o que aconteceu com todas as empresas do país.
Em tese, será sempre bom a imprensa fiscalizar governos e questioná-los sobre como usam o dinheiro público. Porém, só quando essa fiscalização e esse questionamento não são seletivos. Se a imprensa do Estado mais rico do país - que chega a ter economia e população maiores do que todos os países sul-americanos, com exceção da Argentina - investiga o governo federal, mas não acompanha praticamente nada do que faz o governo desse Estado, mesmo sendo responsabilidade dessa esfera da administração pública cuidar diretamente da Saúde, da Educação, da Segurança e do Transporte, entre outros, é preciso saber se o que move essa imprensa é espírito público ou um reprovável e pretensamente dissimulado espírito político-partidário. Para mim, a segunda opção é a correta.
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