quarta-feira, janeiro 31, 2007

Pirataria
O BRIC vira CRIB, mas apenas um jornal vê a coincidência


30 de Janeiro de 2007 @ 17:28 por Alceu Nader

Os quatro países do BRIC, entre eles o Brasil, também são os líderes da pirataria no mundo. A falta de reflexão sobre a coincidência na imprensa é voluntária? Por que esses países servem como exemplo de crescimento, mas não como exemplo de insegurança jurídica?

Intrigante a ausência, nas colunas dos jornalões de hoje, de um comentário, passageiro que fosse, sobre a coincidência da lista dos países líderes em pirataria. O Brasil é o quarto colocado de uma relação de 53 países. Os países campeões são os mesmos do BRIC, a sigla que reúne Brasil, Rússia, Índia e China como potências do futuro. Em ambos os casos, o Brasil está na lanterna. É o que menos cresce e também o que tem menos pirataria.

Apenas o jornal Valor Econômico, na comparação com mais quatro jornalões e seu principal concorrente, a Gazeta Mercantil, viu a coincidência. Sua reportagem vai mais fundo que as demais e é muito mais rica.

A Folha de S. Paulo, além de não ver a sigla BRIC entre os campeões de desrespeito à propriedade intelectual, brinda seus leitores com uma reportagem manca, na qual falta a ordem dos países que antecedem o Brasil. O Correio Brazilienseresume as informações em uma nota, onde também não coube informar quais países vinham na frente da lista. O Globo, O Estado de S.Paulo e a Gazeta Mercantil não comeram mosca. Trazem a classificação dos campeões da pirataria, mas mencionam o BRIC apenas de passagem.

Apenas um jornal compara com os mesmos países que vêm, há meses, servindo como referência quase diária de crescimento econômico, quando convém destacar o fraco desempenho do Brasil entre os maiores emergentes. China, Rússia e Índia são usados no varejo e no atacado como exemplos que o Brasil deveria perseguir para crescer, mas hoje nenhuma coluna ou editorial oferece reflexão sobre a coincidência.

As razões para a omissão podem ser muitas. Nos extremos, vai da preguiça à desonestidade intelectual. Mas, na maioria dos casos, nada se relacionou porque o resultado seria a exposição de contradições e idéias prontas e pré-concebidas a respeito do Brasil. Uma dessas idéias é a de que aqui não há “segurança jurídica” suficiente para atrair investimentos. Com o CRIB, esse argumento morre. Mesmo entre os maiores piratas, o país é o que menos viola a propriedade intelectual. Não é pouca coisa.

A comparação com do Brasil com China, Rússia e Índia, na maioria das vezes, é usada com total impropriedade. Em economia, é o mesmo que comparar jaboticaba com lichi, pinhão e tâmara. Nada a ver com nada.

Três diferenças cruciais explicam a diferença de crescimento entre os países, mas raramente são consideradas nas comparações rasteiras. A China tem “apenas”, cerca de 1 bilhão e 100 milhões de habitantes a mais do que o Brasil. Lá, empresário não recolhe para a Previdência, mas também não reclama do câmbio nem financia campanhas para eleições livres e diretas. A Rússia descobriu-se sobre o segundo maior oceano de petróleo do planeta, perdendo apenas para a Arábia Saudita na contabilidade das reservas conhecidas. Para ser empresário bem sucedido, é indispensável manter relações com o Kremlin e conviver com a temida máfia russa. A Índia fala inglês, principal motivo, ao lado da educação de tradição britânica, da expansão de serviços de telecenter, contabilidade e produção de softwares. Mas a desigualdade é brutal. Milhares de engenheiros produzidos ano após ano convivem com párias e miseráveis que somam a população de pelo menos dois Brasis.

As comparações são inevitáveis, mas perigosas quando se sustentam na ignorância.

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