Para Garcia, PT tem pelo menos 5 nomes para suceder Lula
Sergio Leo
Valor Econômico
11/1/2007
Dilma Rousseff, Tarso Genro, Marcelo Déda, Jaques Wagner e Marta Suplicy são alguns dos possíveis candidatos de que o PT já dispõe para sonhar com a sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, nomeia o primeiro vice-presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, que, até poucos dias, ocupava a presidência do partido, agora novamente em mãos do deputado Ricardo Berzoini (SP). É a primeira vez que um dirigente do PT reconhece publicamente que Dilma Rousseff está na lista dos possíveis sucessores de Lula.
"Não queremos que os oito anos do governo Lula sejam um parêntese progressista numa trajetória conservadora da história brasileira", comenta Garcia. "Estamos preocupados com a continuidade desse processo iniciado nos últimos quatro anos", diz ele, que também cita os ex-ministros Ciro Gomes (PSB-CE) e Eduardo Campos (PSB-PE) como possíveis candidatos da base aliada à sucessão. O grande número de possíveis pretendentes ao Planalto só os compromete com o sucesso do governo, argumenta.
"A meta de um governo com as características do governo Lula não pode ser enunciada como a de alcançar "investment grade" (recomendação de investimento pelas classificadoras de risco)", diz Marco Aurélio Garcia ao explicar que mudanças o PT defende para o ministério e a política econômica do segundo mandato. Ele afirma que o partido precisa da colaboração de petistas que se afastaram em função dos escândalos políticos do ano passado, mas que não tiveram culpa comprovada na Justiça.
A entrevista com Garcia foi feita antes dos acontecimentos desta semana na Venezuela e na condição de vice-presidente do PT. Procurado ontem pelo Valor, o dirigente, que está na Nicarágua, evitou comentar as medidas do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, mas avaliou o apoio do PMDB, anunciado na terça-feira, à candidatura do deputado Arlindo Chinaglia (SP), candidato do PT à presidência da Câmara.
De acordo com Garcia, a decisão do PMDB é "um indicativo importante para a coalizão". Disse que sua preocupação é que a coalizão saia reforçada desse episódio "e que não haja perdedores". Acha difícil o surgimento de uma nova candidatura - por exemplo, do deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE) - reproduzindo, de outra maneira, o episódio Severino Cavalcanti.
Valor: A candidatura Chinaglia não põe o governo em risco de reeditar o episódio Severino, a eleição de alguém contra os interesses do governo?
Marco Aurélio Garcia: Haverá uma candidatura única da base aliada. Esse é o entendimento. Vamos estabelecer algum critério pelo qual se chegue a uma candidatura única, não há nenhuma disposição de correr riscos. Essa eleição poderá ser um elemento positivo e simbólico da unidade e consistência da base aliada. É normal ter aparecido mais de um nome, são dois bons nomes, e o único critério que colocamos é qual nome terá mais viabilidade.
Valor: E como sair do impasse?
Garcia: Eles irão se reunir em algum momento, propor um critério que seja aceito por todos e chegar a uma resolução.
Valor: O PT está preparado para aceitar a saída de Chinaglia em favor de Aldo?
Garcia: Está preparado para eleger e para não eleger o Chinaglia. A candidatura dele nunca foi colocada como anti-Aldo.
Valor: Neste governo de coalizão, a participação do PDT significa que o governo aceitou abrir mão de reforma na Previdência?
Garcia: O governo não abriu mão porque não incluiu a reforma da Previdência na agenda, na campanha, nas discussões programáticas ou no discurso do presidente. Ajustes que a Previdência possa exigir só podem ser encarados consensualmente no Brasil. Mas o tema da reforma não está na ordem do dia, e não deve entrar, sobretudo na ótica como está colocado, como uma reforma imprescindível, sem a qual o país não funcionará.
Valor: Na montagem do governo, a nomeação do novo ministério está umbilicalmente ligada ao que acontecer na eleição para a presidência da Câmara?
Garcia: O presidente quer montar um governo que reflita a ampla base de apoio, a coalizão, formada, em torno de algumas definições programáticas. Quer fazer isso com pessoas habilitadas, não basta apoio partidário. Mas, para refletir a coalizão, é preciso que a coalizão dê demonstrações de existir.
Valor: Dirigentes do PT estavam dispostos, no recente encontro com o presidente Lula, a cobrar mudanças na área econômica, definir setores para o partido no governo. O presidente reduziu essa pressão?
Garcia: Fizemos pelo menos duas reuniões com o presidente em meu período como presidente do partido, estamos conversando muito. Não houve, em nenhum momento qualquer tipo de pressão, demanda por nomes, cargos. Houve, sim, preocupação geral em levar critérios. A versão que circulou, frívola, de que houve uma pressão do PT e um enquadramento feito pelo presidente, não corresponde à verdade, até porque o presidente ainda está observando, quer dar uma solução global do preenchimento de cargos.
Valor: Mas não se falou de equipe econômica?
Garcia: O que expusemos a ele foi coisa desse tipo: seja qual for a equipe econômica, que seja capaz de assegurar aquilo que foi fortemente veiculado no segundo turno por ele. Que vamos ter crescimento, manter a política de distribuição de renda e geração de emprego, sem cortes nas políticas sociais, ênfase muito forte em gastos de qualidade, impulsionar uma reforma política que garanta governabilidade duradoura, seja quem for o governo; e que vamos manter a política externa.
Valor: No PT defende-se a saída do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles...
Garcia: Há pessoas que sugerem isso, mas o PT não colocou essa questão. Colocamos, evidentemente que queremos uma política mais adequada aos objetivos de expansão. Basicamente uma política de juros mais adequada.
Valor: Caso haja algum repique temporário de inflação, não se deveria adotar uma reação forte de juros?
Garcia: Não estamos preocupados com isso, até porque a tendência descendente da inflação é cada vez mais pronunciada. Talvez as reduções das taxas de juros não tenham acompanhado as excepcionais condições que tivemos até agora. Haverá também outros critérios de natureza técnica, que não é o caso de avançar agora, talvez o próprio Plano de Aceleração do Crescimento caminhe nisso. Cumpridos os primeiros quatro anos, temos condições de caminhar noutra perspectiva, que não é antagônica ao que houve, mas é nova.
Valor: Alguns especialistas prevêem uma correção no câmbio, que levaria a pressões inflacionárias, e possível elevação dos juros, por parte do Banco Central, como reação...
Garcia: Não acho que seja esse o caso, estamos abaixo da meta de inflação. O problema do câmbio tem impacto sobre exportações, mas não é tão decisivo quanto se propagou, e todos os prognósticos que vinham sendo feitos de queda das exportações se frustraram. A queda da taxa de juros e os processos de desoneração, em discussão vão ajudar muito. O erro que deve ser evitado é tentar focalizar numa coisa só: a obsessão pela taxa de juros, o câmbio, os impostos, a conta fiscal. O movimento pelo crescimento sustentado será de longo alento, combinando essas questões, com mais ênfase aqui ou ali. Foi o que ocorreu no primeiro mandato.
Valor: E os juros?
O PT quer uma política mais adequada à expansão. Basicamente uma política de juros mais adequada"
Garcia: Acho que a taxa de juros poderia ter caído antes. Mas é o que acho, outros acham que não. O discurso da política econômica, na primeira parte do primeiro mandato foi muito conservador.
Valor: Tem de mudar?
Garcia: Já começou a mudar nos últimos meses da gestão do Palocci (Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda). A meta de um governo com as características do governo Lula não pode ser anunciada como a de alcançar "investment grade". Se alcançarmos, ótimo, e acho que vamos alcançar; mas a meta desse governo é outra: crescer, distribuir renda, o que estamos fazendo. Devíamos ter enfatizado muito mais esse discurso, foi o que mobilizou e beneficiou a sociedade. Quando muitos acharam que o governo estava no chão, a sociedade viu que era o governo dela.
Valor: Isso não deixa em segundo plano uma preocupação importante, a do controle dos gastos?
Garcia: Houve movimento de contenção de gastos, pode-se até achar que poderia haver mais. Mas o PT não acha que essa seja a discussão fundamental, esse é o samba de uma nota só do pensamento conservador, só falam nisso. Não é essa a agenda. Não significa que não tenhamos de atacar os termos da reforma tributária no país. As coisas prioritárias vamos atacar, como na reforma tributária, o presidente foi claro sobre isso.
Valor: A discussão econômica também vai ter como pano de fundo a sucessão do presidente; como vão fazer para lidar com essa questão política?
Garcia: Não queremos que os oito anos do governo Lula sejam um parêntese progressista numa trajetórias conservadora da história brasileira. Estamos preocupados com a continuidade desse processo iniciado nos últimos quatro anos, que, estamos seguros, vai ter mais profundidade nos próximos quatro. Isso significa, evidentemente, que imaginamos continuidade de política. Ela pode ser pensada no nível puramente partidário. Temos nomes de visibilidade e qualidades pessoais, que podem sonhar perfeitamente em ser candidatos em 2010.
Valor: Quem?
Garcia: Temos dois governadores de grande projeção, Jaques Wagner, da Bahia, e Marcelo Déda, de Sergipe, que apesar de ser de um Estado pequeno tem presença, foi líder do governo, parlamentar conhecido, sem desdouro evidentemente para os demais governadores, o Wellington (Dias, do Piauí) e a Ana Júlia (Carepa, do Pará). Os dois primeiros são nomes que serão lembrados, particularmente o do Jaques, por ser da Bahia. Tem ministros, o Tarso Genro, a Dilma Rousseff, pessoas fortes com presença, peso institucional, experiência. Tem a Marta Suplicy, prefeita que conseguiu realizar um movimento de reversão extraordinário de uma tendência negativa para a candidatura Lula em São Paulo. Podem aparecer outros nomes, por exemplo, com o peso que a educação terá nesse segundo governo, um jovem como o (atual ministro da Educação) Fernando Haddad pode tornar-se nome nacional.
Valor: Mas Educação é uma pasta que a Marta Suplicy reivindica...
Garcia: Isso não sei. Mas podem surgir novos nomes, quatro anos é suficiente para projetar muita gente. Há ainda uma outra esfera, a da coalizão, e tem nomes mais próximos dos partidos com que temos afinidade política maior. O PSB tem dois nomes fortes, um deles com experiência eleitoral muito grande, que é o caso do Ciro Gomes, e o outro que é o Eduardo Campos, de grandes qualidades.
Valor: Esse monte de gente sonhando com a sucessão não vai atrapalhar a gestão Lula?
Garcia: Não, ao contrário, atrapalha quando não tem nomes. Montar um time com muitos jogadores é fácil. Isso vai estar muito ligado ao êxito do governo e fará do Lula um grande eleitor em 2010. E está ligado à própria recomposição do PT, que sofreu golpes muito sérios. Tivemos neste ano não só uma vitória eleitoral como uma vitória política também.
Valor: Mas há gente no próprio PT, como o Valter Pomar, que considera a volta de Berzoini à presidência um mal para o partido, um retrocesso...
Garcia: Respeito tanto o Pomar quanto os companheiros da Democracia Socialista, até porque ajudaram muito durante minha presidência, ajudaram no período anterior. Não tenho queixa do ponto de vista do comportamento político deles. Mas acho que estão com um viés de tendência (corrente política) e, ao invés de se pensar na tendência, tem de se pensar no partido, e, ao invés de pensar no partido, deve-se pensar no país. Essa é a questão essencial, é preciso uma visão menos paroquial. Com todo respeito à posição deles, estão cometendo um erro porque internalizam demais a situação do PT. Precisamos, como dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade, do sentimento do mundo, e mais que isso, sentir o país.
Valor: O que seria isso?
Garcia: Compreender algo que levamos um certo tempo para entender, e não o fizemos plenamente: que, em 2002, houve uma grande mudança nesse país, de certa maneira insuspeitável, que foi a eleição de um peão para a Presidência da República. Quando um país decide uma aposta desse tipo, é porque tem grandes esperanças e expectativas, e isso nos investe de responsabilidade. Levamos um período grande sem entender isso e não fizemos as mudanças no partido necessárias. Temos de nos preocupar em como criar nesses quatro próximos anos condições para um longo processo de transformação o país. Nada a ver com continuísmo, o que interessa é a dinâmica de evolução da sociedade brasileira.
Valor: Berzoini teve o nome envolvido em irregularidades, isso não enfraquece o PT?
Garcia: Ele foi inocentado, espero que ninguém queira ver o PT mais rigoroso que a CPI, que a Polícia Federal.
Valor: Os processos contra figuras do partido importantes por escândalos do ano passado, não criam obstáculos para o governo ou para o PT em 2007?
Garcia: Não acho que crie obstáculo para o PT, menos ainda para o governo, essas pessoas não estão no governo. Acho ruim para o partido. Lamento profundamente não poder contar hoje, dentro do partido com o José Dirceu, com o Palocci, o (Luiz) Gushiken, o Jorge Mattoso, para citar quatro nomes que, em sua esfera de competência, partidária ou governamental, deram contribuição muito grande. O Palocci, pela influência que teve, na condução da economia, na eleição de Lula em 2002, como ex-prefeito de uma cidade de destaque, que deixou marcas na história do partido, seria estranho se não viesse a ter importância agora; acho que tem de ter. Não podemos fazer no partido como se fazia na União Soviética, tirá-los da fotografia - a não ser os que cometeram graves erros, não os que são atribuídos, que estão subjudice, mas os que efetivamente se comprovaram.
Valor: É aceitável para o PT a Marta ficar fora do novo ministério?
Garcia: É aceitável qualquer um ficar fora. Orquestra de virtuoses, em geral, não dão certo. Tem de ser uma combinação, uma questão de harmonia. Marta tem todas as condições de ocupar um ministério nesse governo, trabalhei com ela, tem enorme capacidade de trabalho, vocação política muito forte. Vai ser importante no governo é que os ministros venham para ficar quatro anos. Tivemos ministros que não eram petistas e se saíram muito bem. Os dois últimos ministros de Ciência e Tecnologia foram excelentes, me sinto representado no ministério; Ciro é num excelente ministro, o Walfrido Mares Guia (Turismo) é excelente.
Valor: Vai haver despaulistização na direção do PT?
Garcia: Isso é uma coisa secundária. Real é o seguinte: o PT se expandiu para outros lugares, é hoje um partido forte no Nordeste. O normal é que a região tenha uma presença maior na direção do partido. O Norte também. A direção do partido não deve ser um conglomerado de notáveis. Tem de ser instância que conduza, efetivamente, as tarefas fundamentais: mobilizar a sociedade em apoio ao programa de governo e fazer chegar ao governo as suas opiniões sobre evolução programática, erros, ênfases. Isso não fizemos no começo do governo, e, talvez, explique um pouco por que o partido se enfraqueceu e foi alvo de ataques, vítima de seus próprios defeitos. Temos de corrigir. As pessoas do governo têm de ter participação maior na direção partidária. Ministros, assessores têm de estar no partido também. Vai criar tensões, problemas e, se forem insuperáveis, escolhe-se entre o partido e o governo.
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