sexta-feira, março 10, 2006
Febem: de quem é a culpa?
Pela primeira vez um caso do Estado de São Paulo foi submetido à mais alta instância jurídica do Sistema Interamericano. No centro da denúncia está o “Carandiru” do governo Alckmin – o complexo do Tatuapé. Figurar como “réu” na Corte Internacional de Direitos Humanos desabona qualquer um com pretensões presidenciais.
por Ariel de Castro Alves
No dia 22 de novembro de 2005, após mais uma entre as inúmeras rebeliões ocorridas na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), o governador Geraldo Alckmin, ao invés de assumir a responsabilidade inerente a quem está há 11 anos a frente do governo do Estado de São Paulo e da administração da Febem, fugiu do seu perfil comedido e surpreendeu a todos criticando a atuação das entidades de direitos humanos, imputando a elas, mas especificamente a dois representantes dessas entidades, os “problemas” e a responsabilidade pela crise endêmica na instituição. Não satisfeito, também culpou o Judiciário e o Ministério Público pelo “excesso de internações”. Ocorre que, dias antes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) havia anunciado que aceitava as denúncias formuladas pelas entidades de direitos humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Pela primeira vez um caso do Estado de São Paulo (o campeão brasileiro de violações de direitos humanos) seria submetido à mais alta instância jurídica do Sistema Interamericano. Aí estava a razão do mal-estar do governador e o porquê de sua reação intempestiva. Aliás, figurar como “réu” numa Corte Internacional de Direitos Humanos desabona qualquer um com pretensões presidenciais. No sistema internacional, quem responde é o governo federal. Porém, internamente, todos sabem que a responsabilidade pelo constrangimento mundial é do governo estadual. No centro da denúncia internacional está o “Carandiru” do governo Alckmin – o complexo do Tatuapé da Febem. Lá estão custodiados mais de 1.400 adolescentes em 17 unidades. Desde de 1999, o atual governo estadual faz anúncios reiterados de regionalização do atendimento com a construção de pequenas unidades no interior, na grande São Paulo e no litoral. A cada onda de rebeliões surgem novas promessas, jamais concretizadas. Em março de 2005 – em meio a uma das maiores crises da história da instituição – o governador prometeu inaugurar 41 unidades até o final daquele ano. Porém, até agora nenhuma obra está pronta. O governador também anunciou que o Complexo do Tatuapé – o maior da Febem – seria desativado também no ano que passou e no seu lugar seria construído um parque. No entanto, 17 unidades estão em pleno funcionamento. Mesmo as que haviam sido desativadas no primeiro semestre de 2005, voltaram a funcionar. Outras causas dos problemas cotidianos vividos na instituição são, de um lado, a ociosidade, torturas, maus-tratos e, de outro, total descontrole, com visitas íntimas irregulares, entrada de drogas e celulares. A presença constante de policiais e agentes penitenciários em nada tem ajudado a manter a disciplina, muito pelo contrário. Aliás, a atual gestão da Febem, sob a presidência de Berenice Gianella, promoveu o fortalecimento dos aspectos prisionais na instituição, levando agentes penitenciários e reforçando apenas a segurança, inclusive com a aplicação de castigos semelhantes aos adotados para os presos adultos no sistema prisional, deixando de lado a prometida regionalização e a implantação de um projeto pedagógico que resulte na ressocialização dos adolescentes – que é o que a sociedade brasileira espera há anos. Em razão do constante descumprimento da legislação brasileira e internacional, no final de novembro de 2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA determinou que o governo brasileiro tomasse medidas imediatas para garantir a proteção dos jovens internados no complexo da Febem do Tatuapé. Caso as medidas sejam descumpridas, como na prática estão sendo, o Brasil será condenado, podendo sofrer sanções econômicas e políticas. A recente morte do adolescente R.C.M.S., de 16 anos, assassinado na unidade 20 do Tatuapé no dia 27 de janeiro, demonstra que as medidas determinadas pela OEA estão sendo desconsideradas. Foi a primeira vez que a Corte determinou providências específicas para proteger adolescentes que se encontram em estabelecimentos estatais de internação. A resolução estabeleceu oito providências urgentes:1) impedir rebeliões, de forma a garantir a vida e a integridade física dos internos e dos funcionários no interior das unidades.2) identificar e punir os responsáveis pelas práticas de tortura e maus-tratos.3) impedir que internos fiquem vários dias trancados nas celas e submetidos a maus-tratos. 4) reduzir a quantidade de jovens nas unidades. 5) separar os internos conforme idade, compleição física e delito cometido. 6) garantir atendimento médico a todos os adolescentes. 7) realizar, juntamente com os representantes das entidades, supervisão periódica das condições de detenção e do estado físico e emocional dos internos. 8) informar à Corte, a cada dois meses, as ações adotadas para cumprir as medidas determinadas. O órgão da OEA exigiu ainda que o Estado apresente uma lista atualizada de todos os adolescentes internados no Complexo do Tatuapé. O atual processo contra a Febem paulista foi iniciado em abril de 2004, quando a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos (CTV) e o Cejil (Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional) denunciaram à Comissão Interamericana casos de tortura e mortes na Febem do Tatuapé. Desde 2004, as fugas, rebeliões, mortes e denúncias de maus-tratos e tortura só aumentaram nas unidades da Fundação. Só em 2005, foram mais de 1.100 fugas, 40 rebeliões e 7 mortes. Sem contar as centenas de tumultos, denúncias de maus-tratos, torturas e irregularidades das mais variadas. Algumas revoltas dos internos são abafadas com tiros, bombas e agressões. A “lei do silêncio” também é imposta aos funcionários. Se denunciarem externamente as ocorrências internas, os servidores estão sujeitos a perseguições, ameaças e processos administrativos. Diante de tudo isso, a cada momento o governo do estado tenta se esquivar de suas responsabilidades escolhendo “culpados” pela crise crônica na instituição. Já foram responsabilizados os funcionários – 1.751 servidores foram demitidos; os dirigentes do sindicato que representa a categoria; os educadores; os (as) técnicos (as); o Ministério Público, o Judiciário, as entidades de direitos humanos... E agora? De quem é a culpa? Da OEA?
Ariel de Castro Alves, 28 anos, assessor jurídico da Fundação Projeto Travessia, presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua, coordenador estadual e conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos e membro da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
From: André Lux
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.