domingo, março 19, 2006

Pronaf abre linha específica para a mulher

Linha de crédito, reivindicada durante anos, deve contemplar pelo menos 600 projetos paraenses, com limites que variam de R$ 1,5 mil a R$ 36 mil e taxas de juros de 1% a 6% ao ano
Elias Luz
Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) tem agora uma linha de crédito específica para as mulheres. Depois de muitos anos de reivindicações, a linha de crédito finalmente tornou-se realidade e pelo menos 600 projetos paraenses aguardam aprovação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) este ano. Para Euci Gonçalves, diretora da Federação dos Trabalhadores em Agricultura (Fetagri), apesar de o Pronaf Mulher ter sido lançado ano passado, só agora ele começa a deslanchar.
De acordo com Euci Gonçalves, na história do trabalho rural brasileiro sempre os homens predominaram. No entanto, nos dias de hoje, é cada vez maior o número de mulheres chefes de família. 'As mulheres estão tão organizadas no setor rural que hoje são maioria na Fetagri, representando 51% dos filiados. O programa está bom, mas é preciso reduzir a burocracia, que acaba travando muita coisa. Por isso, apesar de ser uma conquista das mulheres agricultoras, o Pronaf Mulher sempre estará em construção, porque sempre iremos avançar', diz.
O resultado da análise de projetos será conhecido nesta semana. Quem está aguardando ansiosamente pelas respostas do MDA e Banco da Amazônia é Soraya Almeida. Recentemente, ela se formou em Pedagogia por meio do Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária (Pronera), do governo federal. O Pronera é voltado para quem mora nos assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Soraya Almeida mora o assentamento João Batista II, localizado no município de Castanhal. 'Estamos esperando respostas e, por enquanto, elaborando vários projetos', comenta.
Segundo dados disponibilizados pelo Banco da Amazônia, existem vários tipos de Pronaf. Para as mulheres foram disponibilizadas cinco linhas de crédito específicas. A diferença é de acordo com a renda das mulheres. Por isso, os limites financiáveis variam de R$ 1,5 mil a R$ 36 mil. As taxas de juros oscilam entre 1% e 6% ao ano. Quem pagar em dia o financiamento terá direito a um bônus de adimplência, que pode abranger até 25% do valor financiado pelo Basa. Os prazos para pagamento também são variados e podem chegar até oito anos, com mais cinco de carência.
No assentamento João Batista II, onde mora Soraya Almeida, cerca de 40 mulheres já fizeram projetos. Além da agricultura, muitas delas querem montar negócios como criação de patos, galinha, porco, ovelha e até caititu, cuja carne vem sendo saboreada nos restaurantes de luxo de São Paulo. Paralelamente, a Universidade Federal do Pará (UFPA) vem desenvolvendo pesquisa com o caititu para verificar se realmente será rentável a criação do animal, que é um primo do porco, mas possui uma carne mais saborosa, rica em proteínas e bem menos gordurosa.De acordo com Soraya Almeida, o momento agora é de esperar.
'Temos 46 mulheres que aguardam respostas. Tivemos uma boa experiência piloto este ano. Por isso, estamos otimistas. Vontade de trabalhar não nos falta e através do Pronera muitas pessoas estão conseguindo o curso superior. Já temos vários agrônomos próximos de se formar', detalha Soraya.
Programa destinou ano passado R$ 72,4 milhões para mulheres agricultoras chefes de família
Cerca de 30% dos recursos financiados pelo Pronaf no Banco da Amazônia em 2005 foram para mulheres agricultoras chefes de família na região amazônica. De um total de R$ 241,1 milhões financiados, por meio de 29.871 contratos no ano passado, R$ 72,4 milhões, divididos em 17.176 contratos foram para mulheres, a maioria enquadrada no Pronaf B, com limite financiável de no máximo R$ 1 mil, caracterizado como microcrédito rural.
Apesar da grande demanda do público feminino pelo Pronaf na Amazônia, ainda não houve nenhum enquadramento no programa denominado Pronaf Mulher, lançado no ano passado, por iniciativa do Programa de Inclusão de Gênero, Raça e Etnia (Pigri), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Affonso Viana, da Coordenadoria de Pequenos Negócios Rurais (Copen), da Gerência de Crédito de Fomento (Gcref), do Banco da Amazônia, explica que o Pronaf Mulher foi concebido para as características das regiões Sul e Sudeste, onde a utilização do Pronaf é generalizada entre todas as famílias de pequenos agricultores e o Pronaf Mulher surge como uma alternativa para a mulher desenvolver um projeto que lhe permita ter uma renda própria, independente do marido. Não é o caso das mulheres chefe de família, que se enquadram no Pronaf convencional.
Viana explica que o Pronaf Mulher não serve para a mulher que deseja obter um financiamento para somar ao empreendimento do marido. Exemplo: quando o marido obteve crédito para comprar dez bois, ela não pôde obter novo crédito pelo Pronaf Mulher para comprar mais cinco bois e somar ao rebanho do marido, mas sim para desenvolver um projeto próprio, independente do marido, como, por exemplo, uma pequena granja, que é o tipo de empreendimento preferido pelas mulheres clientes do Pronaf na Amazônia. 'Trata-se de uma intervenção na relação de poder das famílias, uma afirmação de gênero', diz Affonso Viana sobre o Pronaf Mulher, admitindo que tal objetivo ainda não se enquadra nas características dos núcleos familiares de pequenos agricultores da região amazônica, onde o nível de organização das mulheres agricultoras é menor em comparação com o das regiões Sul e Sudeste. (E. L.).


Fonte: O LIBERAL - 19/03/06