sábado, março 18, 2006

Alckmin 1: arrocho e privatização




Por Altamiro Borges*
Após três meses de encarniçada disputa interna, o núcleo orgânico do pensamento neoliberal no Brasil, o PSDB, finalmente escolheu o seu candidato à sucessão presidencial: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Notícias de bastidores revelam que a decisão deixou profundas cicatrizes. O outro postulante, o prefeito José Serra, nem sequer foi ao lançamento oficial da candidatura do seu agressivo adversário. A “Santíssima Trindade” do PSDB, que tentou impor um nome de consenso, também fez cara feia para o resultado das negociações, atropeladas pelo arredio governador. E o boletim eletrônico Primeira Leitura, órgão oficioso do tucanato, não esconde que será difícil colar os cacos da oposição liberal-conservadora.
Mas, afinal, o que representa o atual governador? Como ele conseguiu impor sua candidatura humilhando um tucano histórico e bem melhor posicionado nas pesquisas? Como um administrador aparentemente tão anódino – um “picolé de chuchu”, segundo a famosa ironia do jornalista José Simão – adquiriu tanta força política e prestígio entre as classes dominantes? Afinal, a revista da poderosa federação das indústrias de São Paulo já havia antecipado o seu apoio a Alckmin e, segundo artigo recente do jornal Financial Times, “ele é o preferido dos círculos financeiros de Wall Street”. Um breve relato da política aplicada em São Paulo ajuda a entender o resultado da briga interna no PSDB e a opção explícita das elites dominantes.
Locomotiva parada
No século passado, São Paulo ficou conhecido como locomotiva do Brasil. Por distintas razões históricas, o Estado adquiriu forte dinamismo econômico e deu impulso ao desenvolvimento nacional. Hoje, com 40 milhões de habitantes, ele ainda é responsável por 32,6% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de um terço de tudo o que se produz no país, por 32% das exportações e por 45% das importações. A sua receita, provinda de tributos diretos e indiretos de seus cidadãos, é de R$ 62,2 bilhões. O Estado concentra 51,6% dos salários industriais do país e aloja sete dos 10 maiores bancos e oito das 10 maiores seguradoras.
Toda essa pujança econômica, porém, foi emperrada pelo medíocre e prolongado reinado tucano. O peso de São Paulo no PIB nacional, que atingiu 39,5% em 1970, no auge da sua expansão industrial, teve uma queda abrupta. Hoje, o Estado não tem projeto estratégico de desenvolvimento e a locomotiva está parada. Sem crescimento sustentado, o território que já seduziu brasileiros de todos os cantos se tornou um centro de desempregados. O outrora pólo mais dinâmico da economia virou um cemitério das indústrias. Sob o pretexto da crise financeira, o tucanato promoveu o desmanche do Estado para saciar os banqueiros.
Com Geraldo Alckmin, antes na presidência do Programa de Desestatização e hoje como governador, São Paulo foi privatizado – perdeu o Banespa como banco de fomento, a Fepasa (ferrovias), o Ceagesp (centro de abastecimento), a Eletropaulo (geradora da energia), a Comgás e a Companhia Paulista de Força e Luz. Já a companhia de saneamento (Sabesp), o banco Nossa Caixa e outras instituições foram fragilizadas com a venda irresponsável de ações e a extensa malha rodoviária foi entregue a preço de banana para empresas que multiplicam pedágios e assaltam os usuários nas tarifas – sem qualquer controle público.
Apesar do violento desmonte, rotulado pelos tucanos de “reengenharia”, a crise financeira só se agravou. Os recursos obtidos com as privatizações, R$ 32,9 bilhões, sumiram no ralo dessa suspeita gestão. Em janeiro de 1995, no início do primeiro governo tucano, a dívida pública era de R$ 34 bilhões; hoje, ela é de R$ 123 bilhões, quase duas vezes a sua receita liquida. O Estado está mais pobre e debilitado, sem capacidade de investimentos, e vive aprisionado a uma dívida que consome mais de R$ 5 bilhões ao ano e que sugará os seus recursos pelos próximos 30 anos. A sua decadência regional será ainda mais intensa!
Segundo recente estudo do economista Marcio Pochmann, mantida a atual política de corte neoliberal, o PIB per capita de São Paulo cairá da terceira posição no ranking nacional para 11º lugar até 2012, com efeitos dramáticos sobre o emprego e a renda dos paulistas. Já uma minoria parasitária, que vive dos juros dos títulos da dívida pública, terá maiores privilégios. O número de famílias ricas em São Paulo saltou de 191 mil para 674 mil nas duas últimas décadas – pulou de 37,8% para 58% do total de famílias abastadas no Brasil. “Grande parte da elite paulista encontra-se submersa no pacto neoliberal, enquanto beneficiária da financeirização. A riqueza não é mais distribuída entre os vários elos da cadeia de produção. Ela fica concentrada nas famílias de banqueiros e nas pessoas que as rodeiam”, garante o renomado economista.
Expoente ultraliberal
Esta breve e deprimente história revela as duas marcas principais da orientação econômica do governador Geraldo Alckmin, agora candidato à presidência da República. Por um lado, o brutal arrocho fiscal, com a redução dos investimentos estatais visando explicitamente saciar a gula dos credores da dívida. Por outro, a criminosa política de privatização do patrimônio público também com a obsessão de transferir renda aos círculos financeiros. Não é para menos que logo no anúncio da sua candidatura, ele fez questão de afirmar que um dos motes da sua campanha será o da tal “eficiência econômica”, com a diminuição do papel do Estado e o estimulo ao mercado. Em síntese, ele representará o ultraliberalismo na batalha sucessória!
No caso de São Paulo, essa orientação econômica teve efeitos trágicos. O Estado virou um inferno para os trabalhadores e um paraíso para as corporações financeiras. A burguesia paulista é hoje a expressão maior do rentismo e do parasitismo. Não tem qualquer projeto de desenvolvimento nacional; ela vive de renda e esbanja opulência. Isto explica porque ela ficou tão animada com a decisão tucana. “Só recebo elogios da administração Alckmin”, exaltou Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). “Se o programa de governo de São Paulo for ampliado para o Brasil será muito positivo”, festejou o camaleão Paulo Skaf, presidente da poderosa Fiesp. Ou seja: os campos já estão demarcados!

* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo”(Editora Anita Garibaldi)
http://www.vermelho.org.br/diario/2006/0316/0316_miro.asp

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