Por Renato Rovai [27/3/2006]
A Folha de S. Paulo do último domingo traz duas matérias que se tratadas (e os indícios todos é de que não serão) pelo restante da mídia com a mesma força das denúncias feitas pelo então deputado Roberto Jefferson levariam à lona a recém-lançada candidatura com banho de ética do ainda governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Assinada por Frederico Vasconcelos, uma reportagem de três páginas revela a ponta de um esquema de beneficiamento com verbas publicitárias administradas pelo governo do estado a veículos de comunicação vinculados a esquemas de parlamentares da base aliada do governador e pertencentes ao aparelho bicudo de informação. O “esquema lixão” de publicidade, se tiver sua caçamba aberta, vai fazer muito tucano cortar o bico para voltar a tratar de ética na vida pública. Até porque a reportagem só aborda as verbas da Nossa Caixa Nosso Banco, mas há indícios de que o esquema passe por outras empresas do estado e pelas próprias verbas de publicidade diretas do governo.O tiro certeiro para que se abra já uma apuração do esquema na Assembléia Legislativa vem do deputado estadual Afanázio Jazadji, filiado ao PFL. Diz o deputado: “É óbvio que o governo Alckmin orientava a publicidade da Nossa Caixa”. O parlamentar ainda acrescentou que o governo teria cortado anúncios em seu programa pouco antes da eleição do deputado Rodrigo Garcia (PFL) para a presidência da Assembléia. Para quem não é de São Paulo ou não se recorda, na época, Rodrigo Garcia, unha e carne do vice de José Serra, Gilberto Kassab, disputou, com o apoio da oposição, a presidência da Assembléia com Edson Aparecido (PSDB), o indicado pelo governador. Garcia ganhou, mas para isso precisou colocar em sistema de colégio interno trinta deputados que o apoiavam. Um hotel em Atibaia, a 50 quilômetros de São Paulo, foi o local para o retiro dos parlamentares que poderiam ser “convencidos” pelo esquema Alckmin a mudar de lado. Ficaram incomunicáveis neste hotel por três dias, tendo até seus celulares desligados. De lá, partiram em ônibus fretado para a Assembléia e, só assim, Garcia venceu. Escondendo os deputados das tentações do governador.Jazadji explica como funcionava o sistema de convencimento alckmista: “Cortou (a publicidade) porque eu não ia votar no candidato dele. Uma forma que ele tinha, como ‘olha, não vou mais anunciar no seu programa, não vou liberar mais isso’, um tipo de uma chantagem. ‘Vota no meu candidato que eu libero verbas’, prometeram mil e uma coisas, não diretamente ele, mas seus secretários, inclusive o pessoal que cuidava de publicidade”. É preciso perguntar ao deputado os nomes dos secretários e os nomes de quem cuidava da publicidade.Além da declaração de Jazadji, alguns e-mails publicados na Folha de domingo revelam o nível do esquema. Para quem não leu a matéria, vale a pena recuperar o arquivo na internet. Entre as citações onde os favorecimentos são tratados como lixão, há um e-mail que revela terem sido usadas verbas de publicidade do banco em benefício tucano na última campanha eleitoral.Em setembro de 2004, no mês anterior a disputa eleitoral municipal, Saint Clar de Vasconcelos, presidente de uma agência de publicidade, teria escrito o seguinte: “Precisamos segurar essa batata quente porque estamos costurando um problema local em Barretos, inclusive amanhã o (João) Monteiro Neto (da Rede Vida) vai receber lá o deputado (Antonio Carlos) Panunzio (PSDB) e vai dar um grande espaço para o candidato a prefeito, o César (Antônio César Gontijo de Abreu, do PSDB) nos veículos dele.” O candidato tucano ficou em quarto lugar naquelas eleições e a batata quente a que se referia o publicitário deveria ter a ver com o racha da base aliada na cidade. Emanoel Mariano Carvalho, atual prefeito de Barretos, era filiado ao PTB e tinha apoio do PPS, ambos partidos da base do governador na Assembléia Legislativa.Mas, se as três páginas de reportagem sobre o esquema de direcionamento de verbas publicitárias de um banco público ainda não são capazes de ruborizar alguns bicos, talvez a cortante coluna social na mesma Folha, assinada por Mônica Bergamo, sirva para algo. Ali se revela que a primeira dama do estado tem hoje 400 modelitos de alta costura. Todos feitos de graça pelo estilista Rogério Figueiredo. E tudo, segundo ele, de primeira linha. “Tudo de dona Lu sempre foi importado, nada é nacional”, garante.Figueiredo ainda revela como a primeira dama teria escolhido seu new style. “Ela queria adotar um estilo clássico, ‘tipo bonequinha de luxo’ e inspirado em Jacqueline Kennedy, a primeira-dama americana. ‘Numa viagem a Nova York comprei oito livros sobre a vida de Jacquie Kennedy.”’Ao mesmo tempo em que a família Alckmin passa a ser mais conhecida dos brasileiros, no ninho tucano já se falava desde o começo da semana passada que a candidatura de Serra ao governo do Estado poderia ser só jogo de cena. O prefeito teria munição da grossa contra o governador e estaria disposto a usá-la até junho, quando acontece a convenção oficial do PSDB. Até lá, a candidatura de Alckmin poderia estar inviabilizada e Serra, que já teria se afastado do governo municipal, aceitaria o sacrifício de concorrer à presidência da República. Parece coisa de maluco, mas depois dessa edição de domingo da Folha tudo começa a parecer possível.
LadoB é o boletim eletrônico da revista Fórum - outro mundo em debate. Inspirada no Fórum Social Mundial, movimento iniciado em Porto ALegre em 2001. Para ler mais ou conhecer a revista, visite o www.revistaforum.com.br