quinta-feira, março 02, 2006
De bicos e caudas
A indignação contra o jantar dos tucanos no Massimo não surgiu por causa dos vinhos caros saboreados naquele restaurante. Veio, sim, do fato de que ali se flagrou um estilo de fazer política, pondo a nu os pés dos pavões ali travestidos em tucanos.
Por Flávio Aguiar, da Carta Maior
Já fez fortuna – e crítica – o jantar do grã-tucanato no restaurante Massimo, em São Paulo, sem a presença de Geraldo Alckmin. Vamos traçar uma linha divisória: jantar num restaurante fino, beber vinhos caros, não infringe a Magna Carta brasileira nem a Declaração dos Direitos Humanos da ONU. Portanto, declarações moralistas de que ali numa garrafa de vinho se tomava meio salário de brasileiro etc., devem ser encaradas como manifestações tomadas de forte emoção, mas sem conteúdo político. E isto, o bom entendedor entenderá, não é um elogio da desigualdade. É uma manifestação em favor da privacidade – que – veja-se só – foi o que faltou naquele jantar, e de caso pensado.A indignação que se alevantou, como poeira em dia de ventania, veio do fato de que ali se flagrou um estilo de fazer política, pondo a nu os pés dos pavões ali travestidos em tucanos. Alguém comentou na imprensa, maldizendo uma suposta imprudência do grã-tucanato, que aquela reunião devia ter sido realizada em casa. Mas não houve imprudência: houve impudência, isso sim. O encontro no Massimo foi feito de caso pensado, é evidente: ou alguém acha que o quarteto ali reunido decidiu “por acaso” ir àquele restaurante? A imprensa convencional, conservadora e provinciana acusa Lula de “populismo” por inaugurar obras pelo Brasil, ou por percorrê-lo, fazendo manifestações junto ao povo. Mas os políticos fazem “populismo” onde podem, e o “populismo” daquele quarteto em apuros foi feito onde ele podia ocorrer: num dos restaurantes mais caros de São Paulo. Por quê? Para impressionar a turma que freqüenta tal e tais restaurantes. Para que a “vox populi” deste povo sem povo corresse os Jardins paulistanos, os bairros onde se concentram percentuais altos dos clãs familiares que lucram com a iníqua distribuição de renda no Brasil, e dali se multiplicassem pelo boca-a-boca, inclusive o internáutico, que governa o reino da confiança no Brasil. É entre este povo que grassa a confiança em Alckmin, o ungido pela Opus Dei, segundo reportagem publicada em Época, segundo más línguas, atribuída aos grupos que apóiam Serra.O que emperra a presença de Serra junto a este grupo seleto de eleitores é sua fama – bastante ficcional, é verdade – de ser uma alternativa “desenvolvimentista” no PSDB, coisa que anda encantando até economistas críticos do Paloccismo petista e que até pouco tempo atrás buscavam alternativas na esquerda. Portanto, era necessário fortalecer seu nome, que parece ser o preferido dos pessedebistas de curto prazo, junto a ele. Daí a escolha do Massimo, com direito a foto e tudo. O que emperrou esta faceta da tática tucana foi o emperramento geral da estratégia tucana. As recentes pesquisas de intenção de voto demonstram uma única coisa (quanto a apontar o resultado das eleições, tudo é prematuro): a estratégia tucana, pefelista e da imprensa conservadora de “desconstruir” o governo Lula não deu certo. E não deu certo por três razões:1) Ficou evidente a parcialidade das CPIs e da Comissão de Ética. A CPI dos Bingos se meteu em tudo, menos em Bingos; a dos Correios recusou-se a investigar o investigável, ou seja, a corrupção crônica da política brasileira, preferindo ater-se à tese de que os malfeitos com dinheiro público foram apanágio do PT e seus aliados; e a Comissão de Ética aplicou pesos e medidas diferentes em seus julgamentos conforme a coloração partidária dos julgados. Também ficou evidente o desprezo por práticas republicanas como o direito ao contraditório e a exigência de provas para fundamentar julgamentos.2) Ficou claro, apesar dos rugidos em artigos e editoriais clamando que há manipulação de índices, que a comparação entre os três anos de governo Lula e os oito de governo tucano é arrasadora para o último. Os tucanos promoveram privatizações absurdas sem qualquer proveito para o país, pulverizaram empregos e o futuro de milhões de brasileiros, falaram com empáfia de uma integração à modernidade que nunca promoveram nem nela acreditaram: ao contrário, tiveram como lema (aposto a seu governo, não que dissessem) “oitenta anos em oito”, só que para trás, fazendo-nos regredir aos tempos da República Velha, exportadora, desindustrializante (lá por falta de opção; agora, por uma opção de integração subordinada à ordem econômica mundial), oligárquica, quando as decisões políticas eram tomadas em jantares como o do Massimo.3) O governo Lula acordou de sua letargia política e mexeu-se no sentido de ir ao encontro do povão, do povaréu, do povo, enfrentando as críticas que a imprensa conservadora fatalmente lhe faria. Isso alerta a consideração de que essa recuperação de Lula nas pesquisas terá pernas curtas se não for seguida de uma espécie de “Segunda Carta aos Brasileiros – o Resgate” – em que o presidente se comprometa com algo mais, do ponto de vista social, do que com a manutenção da política de arrocho fiscal e favorecimento rentista. Seria interessante sugerir que o presidente lesse aquela famosa frase de Lincoln, sobre o governo do povo, pelo povo, para o povo, e que pensasse também na sua extensão: com o povo. Ou na frase de Vargas: “hoje estais com o governo; amanhã sereis (os trabalhadores) governo”, ou algo assim.Estas últimas semanas mostraram que o país, o povo, não aceita facilmente os engodos conservadores, como aconteceu na época de Collor. E que os políticos, para merecerem o apoio consistente desse povo, têm de mostrar algo mais convincente e consistente do que o bater de seus bicos ou do que o fru-fru de suas caudas exibidas, que é, até o momento, o que o tucanato tem mostrado.
Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.
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