terça-feira, outubro 16, 2018

Bem-vindos ao G-20 dos Infernos




14/10/2018, Pepe Escobar, Asia Times

“Ê-ê gostosura de fim de mundo...
Deus mesmo, quando vier, que venha armado.
P’ra trás! P’ra trás! Chegou a minha vez!”

A Hora e a Vez de Augusto Matraga, 1965, Brasil, Roberto Santos, diretor)*

A reunião do G-20 em Buenos Aires, dia 30 de novembro pode pôr fogo no planeta – talvez literalmente. Comecemos pela guerra comercial EUA-China. Washington nem começará a discutir comércio com a China no G-20, se Pequim não comparecer com lista muito detalhada de concessões.

O mundo para os negociadores chineses não é sombrio, de modo algum. É possível alcançar alguma espécie de acordo sobre um terço das exigências dos EUA. Depois se pode conversar sobre mais outro terço. Mas o último terço está absolutamente fora de qualquer discussão – porque já imperativos da segurança nacional da China, como não admitir a abertura do mercado da nuvem de computação doméstica para concorrentes estrangeiros.

Pequim mandou o vice-primeiro-ministro Liu He e o vice-presidente Wang Qishan para supervisionarem todas as negociações com Washington. Todos esses têm diante deles tarefa dificílima: conseguir penetrar o muito limitado espectro de atenção do presidente Donald Trump.

Como se não bastasse, Pequim exige “pessoa de ponta” com autoridade para negociar em nome de Trump – considerando o complexo engarrafamento de mensagens que brigam para sair de Washington.

Agora comparem isso e a
mensagem disparada pelo instituto de pesquisa que leva o fabuloso nome de “Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era Integrado à Escola do Partido do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC)”: os EUA iniciaram o “atrito comercial” para impedir o avanço de modernização industrial da China.”

É o pensamento consensual na cúpula.

E o confronto pode ainda piorar. O
Vice-presidente Mike Pence acusou a China de “intrometer-se na democracia norte-americana”, de fazer “diplomacia de dívida”, de “manipular a moeda” e de “roubar IPs”. Em Pequim, o ministro de Relações Exteriores descartou a lista toda, como “ridícula.”

Entende-se melhor se se examina com muita atenção o que o ministro de Relações Exteriores Wang Yi
disse ao Conselho de Relações Exteriores – o mais diplomaticamente possível: “A China seguirá uma trilha de desenvolvimento diferente das potências históricas”. E a China não buscará a hegemonia.

Do ponto de vista da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, é irrelevante; a China já foi eleita como concorrente feroz e talvez também como ameaça. O presidente Xi Jinping não cederá às demandas comerciais de Washington. Assim sendo, preparem-se para uma não reunião entre Xi e Trump em Buenos Aires.

A ameaça de um primeiro ataque nuclear

As coisas parecem ainda mais cabeludas no front russo. Apesar de toda a paciência taoísta do ministro de Relações Exteriores Sergey Lavrov, os círculos diplomáticos de Moscou estão exasperados com ameaças sérias que os norte-americanos têm feito – como a ameaça de a Marinha dos EUA implantar um possível
bloqueio para restringir o comércio de energia da Rússia. Ou, pior: o ultimatum de que a Rússia interrompa o desenvolvimento de um míssil que, para Washington, violaria o Tratado das Forças Nucleares de Médio Alcance [ing. Intermediate-Range Nuclear Forces (INF) Treaty, ou o Pentágono o destruirá.

Nada poderia ser mais sério – porque é os EUA ameaçando com um primeiro ataque nuclear.

Paralelamente, o presidente executivo da British Petroleum, Bob Dudley disse à conferência Oil & Money em Londres, que qualquer nova sanção dos EUA contra as grandes empresas russas de energia seria desastrosa. “Se houvesse sobre as empresas Rosneft ou Gazprom ou Lukoil sanções semelhantes às que foram impostas à Rusal, os sistemas de energia para a Europa estariam derrubados; é acontecimento extremo” – disse ele.

No front dos BRICS, Rússia e Índia manobraram com habilidade por conta própria e frustraram alguns dos planos estratégicos dos EUA contra os três principais polos da integração da Eurásia: Rússia, China e Irã.

O “Quad” – EUA, Japão, Austrália e Índia – foi concebido para cercar  a China no Indo-Pacífico, além de estreitar a margem de manobra da Rússia. O “Quad”
não está na melhor forma imaginável depois que a Índia decidiu comprar sistemas de mísseis russos S-400. Trump jurou vingança.

Além do negócio dos S-400s, empresas russas construirão mais seis reatores nucleares na Índia, ao custo de $20 bilhões cada, ao longo da próxima década. Rosneft assinou acordo para, em dez anos, vender à Índia 10 milhões de toneladas de petróleo por ano. E a Índia continuará a comprar petróleo do Irã, pagando em rúpias.

No front da União Europeia, o caso é a Alemanha. Há poucas ilusões em Berlin sobre o oscilante futuro da União Europeia (UE). A economia alemã centrada na exportação é focada na Ásia. A Alemanha está redobrando esforços para firmar um modelo de estilo asiático – umas poucas grandes empresas que são campeãs nacionais, capazes de super turbinar as exportações. O mercado norte-americano – sob ventos protecionistas – já não passa de segunda possibilidade.

Tóxicos Trópicos

E há também a tragédia brasileira. O presidente Mauricio Macri arruinou a Argentina com um “choque neoliberal”. O país foi entregue como refém ao FMI.

Cenário possível é um G-20 no qual a Argentina aprenderá a lidar com um fascista na presidência de seu vizinho e principal parceiro comercial, o Brasil.

Ex-paraquedista, Jair Bolsonaro é xenófobo e misógino, mas não é nacionalista. Esse Messias tropical [
nome completo é Jair Messias B.] faz continência à bandeira dos EUA, logo no café da manhã. Seu homem para a economia é um Chicago Boy com tendências a vender o país na bacia das almas – para delícia de “investidores” e especialistas em “mercados” de New York e Zurique, até Rio e São Paulo.

Esqueçam assunto de criar empregos ou, sequer, de tentar resolver os imensos problemas sociais do Brasil: desigualdade social feroz, investimentos que faltam para saúde e educação, insegurança urbana. A única “política” de Bolsonaro é armar a população, para uma espécie de Mad Max remix.

Tudo, em governo Bolsonaro, deve seguir a regra sem mercê de um “livre” mercado Hobbesiano. Esqueçam qualquer possibilidade de intervenção moderadora do Estado nas relações complexas entre Capital e Trabalho.

É o ápice de processo complexo iniciado há anos, em think tanks como a
Atlas Network, rios de dinheiro e, por último, mas não insignificante, um tsunami de evangélicos/neopentecostais.

Os pilares da carnificina do Brasil são poderosos interesses do agronegócio e da exploração mineral, a mídia-empresa brasileira tóxica, evangélicos, um setor financeiro totalmente rendido a Wall Street, indústria de armas, judiciário, polícia, serviços de inteligência e forças armadas completamente partidarizadas.

As estrelas do show são, claro, o bloco BBB, Boi, Bíblia, Bala – com legiões de representantes no Congresso – tudo ‘fiscalizado’ pelo Deus Mercado.

O neoliberalismo jamais vence eleições no Brasil. Assim, o único modo de fazer as tais ‘reformas’ é mediante uma ação tipo Pinochet-de-segunda-mão. Deve-se esperar agitação social, matança indiscriminada de líderes indígenas e de movimentos pró reforma agrária, arrasadora fartura para a indústria de armas, bancos festejando presentes de Natal todas as semanas, repressão abissal à cultura, desnacionalização absoluta da economia, e trabalhadores e aposentados pagando pelas tais ‘reformas’. Business, como sempre, pode-se dizer.

Os traços fascistas de Bolsonaro não estão sendo normalizadas só pelos poderes em ação no Brasil. O ministro de Relações Exteriores da Argentina Jorge Faurie descreveu-o como político “de centro-direita”.

Pequim e Moscou – por motivos BRICS – e a União Europeia em Bruxelas estão estarrecidos com a queda do Brasil nesse sorvedouro. Rússia e China contavam com um Brasil forte que contribuísse para um mundo multipolar como aconteceu nos governos do presidente Lula, que foi uma das grandes forças que conduzia os BRICS.

Quanto à União Europeia, é difícil engolir governante fascista na chefia de seu principal parceiro econômico na América Latina, coração do Mercosul. Para todo o Sul Global, a implosão do Brasil, um dos líderes do movimento, é tragédia sem remédio.

Façam as contas: Washington em surto de ameaças e sanções. Uma União Europeia fraturada até a medula – denunciando um iliberalismo asiático, ao mesmo tempo em que, em casa, é impotente para resistir à “ascensão dos deploráveis”. Os BRICS em total desmonte, com dois dos estados-membros em conflito grave com Washington, um fora de jogo e outro em cima do muro – dentre os quatro principais. A Casa de Saud em putrefação galopante que se alastra de dentro para fora. O Irã ainda distante, até, da mesa do G-20. Só resta cantar
What a Wonderful World.*******

* Epígrafe acrescentada pelos tradutores.