terça-feira, janeiro 10, 2012

Mais jogos de sombra no Golfo Persa



A visita do ministro de Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu ao Irã parece não ter ido muito bem. A retórica ficou por conta da Turquia – e a imprensa oficial do Irã sutilmente ironizou (“ ‘Os laços entre Irã e Turquia alcançam o ponto mais alto em 400 anos’: Ministro turco”[1]). Fato é que a Turquia não tem como manter relações complicadas com quase todos os seus vizinhos – com Irã, Síria, Iraque, Armênia, Chipre, Israel. E também com França e União Europeia os contatos são espinhosos.

Teerã não vê com bons olhos as operações turcas de subversão clandestina na Síria, nem a interferência dos turcos no Iraque, nem o ‘eixo’ que a Turquia constituiu com Arábia Saudita e Qatar. Mais importante, a Turquia está admitindo que os EUA instalem seu sistema de mísseis antibalísticos em território turco, sistema cujo único objetivo é monitorar, para Israel, os mísseis iranianos.

Por tudo isso, a declaração de Davutoglu, de que a Turquia estaria fazendo funções de mediação na questão nuclear iraniana, não passa, se se o diz claramente, de vento. O ministro de Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi usou seu tato persa para enunciar, exclusivamente como ‘opinião pessoal’, que o Irã não tem problemas com Istambul para uma rodada de negociações.

As negociações sobre a questão nuclear serão duras, sobretudo sob a sombra da ameaça, pela União Europeia, de suspender os negócios com petróleo iraniano. O Irã trabalhará sob a desconfiança de que o ocidente usará as conversações para finalidades de propaganda. Trita Parsi, que conhece excepcionalmente bem o tema, que estudou por dentro (e como conselheiro do governo dos EUA), publicou artigo muito certeiro no Independent[2], sobre o duplifalar dos EUA e países ocidentais.

Além do mais, o Irã também alimentará profundas desconfianças quanto à propaganda do salvamento, pela marinha dos EUA, de marinheiros iranianos ameaçados por piratas somalianos. A mídia iraniana deu pouco destaque ao evento[3]; a mídia ocidental superinflou-o. O Irã tem longa e sólida experiência com as armadilhas no front da propaganda. A propaganda EUA-Israel trabalhará muito para apresentar o Irã como irracional e impenetrável aos atos ‘amigáveis’ do ocidente.

As atenções voltam-se agora para a visita que o presidente Mahmoud Ahmedinejad fará a cinco países da América Latina, em movimento de publicidade. Há um aspecto diplomático também[4], porque a viagem mostrará que o Irã absolutamente não está isolado, nem no próprio ‘campo’ dos EUA. As declarações de Ahmedinejad serão acompanhadas de perto, em suas andanças pela Venezuela, Nicarágua, Equador e Cuba; e como convidado de honra na cerimônia de posse do presidente (de esquerda) recentemente eleito na Guatemala.

É modo de responder a Obama, que iniciou sua presidência com uma rápida passagem pela América Latina. Simultaneamente, Teerã toma precauções em relação aos planos de guerra de EUA e Israel. O que mais importa, do ponto de vista de Teerã, são ações reais em campo. Por exemplo, o deslocamento dos britânicos será tratado com máxima atenção[5], dado o longo currículo de Londres na linha de identificar-se com a opinião dos falcões do lobby israelense em Washington, e a disposição da Grã-Bretanha para, em algum momento, tentar ‘acertar as contas’ com o Irã, depois do recente rompimento de laços diplomáticos.

O Irã não está baixando a guarda. Os Guardas Revolucionários Islâmicos iniciaram exercício de manobras militares na região leste do país, na fronteira com o Afeganistão. A mensagem é clara[6] – ‘mais de 100 mil soldados estão estacionados como patos-alvos em suas bases afegãs e podem ser as primeiras vítimas de qualquer ataque de EUA-Israel contra o Irã’. E no sábado o Irã anunciou a intenção de promover outro grande exercício de manobras navais no Estreito de Hormuz.

Bem claramente, se a estratégia de EUA-Israel visava a ‘baixar a crista’ de Teerã, não está funcionando. No sábado, o Irã anunciou que deixa o dólar norte-americano nas futuras negociações com a Rússia, que passarão a ser feitas nas moedas nacionais[7]. O Irã começa a ver com novos olhos a proposta russa para a questão nuclear. Claro que, se a unidade do grupo 5+1 é minada, é vantagem para o Irã.

A Rússia criou espaço diplomático[8] para que o Irã negocie mediante sua proposta flexível, que virtualmente mina a ‘estrada das sanções’ pela qual está andando, até aqui, o Conselho de Segurança da ONU. A Rússia já começou a pedir o fim das sanções da ONU contra o Irã.

Tudo isso já se reflete no modo confiante como o Irã está recebendo a equipe de inspetores da IAEA que estão, nesse momento, visitando o Irã. O Irã expôs suo moto[9] suas capacidades locais, em tom de quem, como Parsi relata em seu artigo2, esteve realmente disposto a aceitar acordo com os EUA, nos termos da troca negociada entre Brasil-Turquia-Irã. E Teerã prometeu anunciar mais “boas novas”[10] de capacidade nuclear “nas próximas semanas”.

A notícia que o Kremlin divulgou, da conversa por telefone entre os presidentes Dmitry Medvedev e Ahmedinejad chama a atenção para o considerável nível de entendimento sobre várias questões regionais[11]. A imprensa russa vê íntima correlação entre a pressão ocidental sobre a Síria e o Irã, partes da mesma estratégia para controlar Oriente Médio, com efeitos diretos sobre os interesses russos. Interessante: a Rússia está fazendo novos deslocamentos navais na Síria[12] – o que sinaliza apoio ao presidente Bashar al-Assad.

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[2] 9/1/2012, “Discursos levianos sobre guerras fazem da guerra ao Irã risco real”, em português em http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/01/discursos-levianos-sobre-guerras-fazem.html