31/03/2006
O capitalismo nunca foi tão forte como agora, política e ideologicamente; a correlação de forças internacionais é altamente desfavorável para a esquerda; e os Estados Unidos continuam sendo o eixo econômico do planeta. Mas ainda há esperança para os que acreditam num "outro mundo possível". E ela reside na América Latina – hoje o maior centro de resistência ao modelo neoliberal que se disseminou pelo planeta.
A análise é do professor Emir Sader, proferida nesta sexta-feira (31) durante a palestra de abertura da Conferência sobre Relações Internacionais do PT. Seu objetivo, alertar a militância de esquerda para a compreensão da influência internacional na conjuntura local – o que, segundo ele, tem sido desconsiderado nos últimos tempos.
“Os militantes precisam conhecer o termômetro do enfrentamento. Precisamos reconstituir a dimensão internacionalista de nossa luta”, conclamou Sader, dirigindo-se à platéia de 200 pessoas presentes ao primeiro dia do seminário. O encontro acontece na sede da Associação dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (rua Tabatinguera, 278, Centro de São Paulo) e vai até domingo (1). Clique aqui para ver a programação completa.
Embora tenha críticas pontuais ao governo Lula (a manutenção de tropas brasileiras no Haiti, por exemplo), Sader foi categórico ao afirmar que é “fundamental” reeleger o atual presidente, em outubro, para que o processo de resistência latino-americana – na busca de um modelo próprio de integração regional – tenha continuidade e seja aperfeiçoado.
“O destino da América Latina, de alguma maneira, está sendo jogado no Brasil”, afirmou ele. “O retorno da dupla PSDB/PFL (ao governo federal) significa ter no Brasil um enclave bushista pró-neoliberalismo que os EUA não têm hoje no continente”, disse. E enfatizou: “Temos de ganhar a eleição, impedir que o Brasil se transforme numa quinta coluna do poder norte-americano”.
Sader lembrou que o fim o mundo “bipolar” nos anos 90 – após a queda do Muro de Berlim – significou a vitória do campo capitalista e provocou regressões nas ações e no discurso na esquerda, a começar pelo objeto principal de embate. “Antes, lutávamos contra o capitalismo. Agora, lutamos contra o neoliberalismo, que é um modelo de capitalismo”, argumentou.
De acordo com o professor, além de predominar em toda parte a “versão liberal” do que seja democracia, hegemonizou-se também o estilo de ser capitalista. “A força dos EUA reside muito mais hoje no campo ideológico, na forma mercantil de vida, no estilo de consumo, na marcas, nas corporações. Tudo isso tem grande poder de sedução, inclusive nas camadas mais pobres da população”, disse.
Para Sader, cabem aos movimentos de esquerda e progressistas o debate sobre novas meios de convivência, entre elas a “construção de forças solidárias e humanistas que não sigam o modelo capitalista, que sejam anticapitalistas”.
Nesse sentido, ele acredita que o atual quadro político latino-americano reúne as bases para determinação de um novo modelo. “A América Latina é um único lugar do mundo cujo projeto de integração regional tem relativa autonomia dos EUA. Aqui, os EUA estão muito mais isolados”, afirmou.
Sader lembrou que o Continente foi a zona predominante dos experimentos e da disseminação do neoliberalismo nos anos 90. Ele citou a maneira como a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do Brasil, em 1994, foi construída “de fora para dentro” – a exemplo do que aconteceu em outros países da região.
Mas foi também na América Latina, ressalvou Sader, que ocorreram as primeiras grandes crises do neoliberalismo, com a quebra das economias do México, do Brasil e da Argentina. “Além do primeiro grito contra o modelo, dos zapatistas, que levou à formação do Fórum Social Mundial”, completou.
A chegada ao poder de governantes de esquerda ou progressistas em vários países (Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Chile e Bolívia, principalmente), na avaliação de Sader, levou a avanços importantes, como o fracasso da instalação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que estava prevista para janeiro de 2005.
“Mas ainda temos enormes fragilidades. O Mercosul, por exemplo, avançou pouco”, avaliou. Com isso, segundo o professor, os EUA “vão comendo pelas beiradas” e preparando a volta da Alca.
Segundo Sader, é preciso caminhar na direção da moeda única e buscar maior integração na política e em outras áreas, com destaque para as comunicações – hoje dominada pela mídia que se faz porta-voz dos interesses norte-americanos.
Tais avanços não dependem apenas dos governos, entende Sader, mas da interação entre governos, forças políticas e movimentos sociais. Nesse aspecto, criticou o Fórum Social Mundial, que estaria “girando em falso” por resistir à idéia de ação conjunta. E citou o MAS (partido do presidente Evo Morales, da Bolívia) como exemplo vitorioso de ação partidária a partir dos movimento sociais.
“Não podemos ficar só no enfrentamento. É preciso construir força política”, concluiu.
João Paulo Soares, do Portal do PT
http://www.pt.org.br/site/noticias/noticias_int.asp?cod=42352