segunda-feira, abril 03, 2006

O CAIXA TUCANO FOI CONDENADO, VOCÊ SABIA?


Revista "Forum", março/2006
POR FÁBIO JAMMAL MAKHOUL

Enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fazia pose de estadis­ta e chamava a ética do PT de corrupta na capa da revista IstoÉ de 8 de fevereiro, uma pequena nota no pé da quinta e última página da seção "A Semana" passava facilmente des­percebida até mesmo para os leitores mais atentos. Embaixo de três notas necrológicas, o pequeno texto ipfor­mava: "Condenados a 11 anos de pri­são pela 12ª Vara Federal do Distrito Federal o ex-presidente, do Banco do Brasil Paulo César Ximenes e seis ex­diretores dessa instituição. Eles foram acusados de gestão temerária devido a irregularidades em empréstimos fei­tos à construtora Encol entre 1994 e 1995. Na quarta-feira 1".

Assim como IstoÉ, a grande im­prensa não deu muita bola para o caso. Veja, por exemplo, considerou a condenação de toda uma diretoria do maior banco público do país nada importante e não dedicou uma linha a respeito do assunto. Os sete condenados formavam a diretoria colegiada do Banco do Brasil entre 1995 e 1998, com Ximenes no comando da instituição. Período que coincide com o primeiro mandato de FHC. Eles foram condenados em pri­meira instância por nove atos que caracterizam crimes de gestão temerária e de desvio de crédito ao emprestar dinheiro para a construtora Encol, que faliu em seguida e prejudicou mi­lhares de mutuários. Os acusados foram considerados responsáveis, entre outros crimes, por aceitar certificados de dívida emitidos ilegalmente pela construtora e por prorrogar sistematicamente ope­rações vencidas e não pagas.

O homem-bomba

A condenação de toda a diretoria colegiada do Banco do Brasil no pri­meiro mandato de FHC é a menor das preocupações do PSDB. O mais atemorizante é que, entre os condenados, um personagem se destaca. Trata­-se do já conhecido Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área interna­cional do banco.
O economista ganhou notoriedade durante as privatizações promovidas por Fernando Henrique Cardoso, especialmen­te nos, casos da Companhia Vale do Rio Doce (ver matéria na página 12) e do sistema Telebrás, dois dos maiore negócios do mundo. Em 1998, no episódio conhecido como "Grampo do BNDES", Ricardo Sérgio foi desta­que ao ser flagrado confessando como agiam ao costurar negócios para o leião das teles: "no limite da irresponssabilidade".
Caixa das campanhas de José Serra (1990 a 1996) e de Fernando Henrique (1994 e 1998), Ricardo Sérgio está envolvido em denúncias que vão desde pequenos problemas com a Receita Federal até a suposta cobrança de uma propina de R$ 15 milhões do empresário Benjamin Steinbruch, para favorecê-lo no leilão da Vale e prejudicar os fundos de pensão dos funcionários de estatais. O empresário teria dito, à época, que estava convencido de que Ricardo Sérgio falava em nome do PSDB e decidiu pagar a propina. O assunto foi destaque nas três maiores revistas de circulação nacional na segunda semana de maio de 2002. Veja e Época afirmavam que parte da propina de R$ 15 milhões, que teria sido cobrada em 1996, foi efetivamen­te paga. As duas revistas confirmaram o pagamento com empresários e inte­grantes do conselho de administração da Vale do Rio Doce, que preferiram preservar sua identidade. Veja ainda teria confirmada a história com dois tucanos de alta plumagem, a seguir o trecho da matéria:

"Veja conversou com dois empre­sários que ouviram o relato de Stein­bruch. 'Ele me disse que se sentia alvo de um achaque', conta um dos em­presários. O outro, que trabalha no setor financeiro, diz algo semelhante: 'Naquele tempo, Benjamin andava por aí feito barata tonta, sem saber se pagava ou não', afirma. Na sema­na passada, Veja obteve depoimentos formais que confirmam a história. A particularidade desses depoimentos é que eles são dados por expoentes da política brasileira. Um deles é de Luiz Carlos Mendonça de Barros, que presidiu o BNDES duranteo processo de venda da Vale, e depois assumiu o Mi­nistério das Comunicações. Acabou pérdendo o emprego quando estou­rou o escândalo das fitas da privatiza­ção das teles. A outra autoridade é o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza. Ambos são tucanos".

A mesma Veja, sim a Veja, ainda explicou: "Ricardo Sérgio não caiu de pára-quedas no chamado ninho tuca­no. Ele foi apresentado a José Serra e a Fernando Henrique Cardoso pelo ex-ministro Clóvis Carvalho. Em 1990, José Serra candidatou-se a de­putado federal e não tinha dinheiro para fazer a campanha. Clóvis Carva­lho destacou quatro pessoas para aju­dá-lo na coleta. Um deles era Ricardo Sérgio. Em 1994, Serra se candidatou ao Senado por São Paulo, e Ricardo Sérgio voltou a ajudá-Io como coletor de fundos de campanha. A última dis­puta da qual Serra participou foi para a prefeitura de São Paulo, em 1996. Depois, o senador não mais concor­reu em nenhuma outra eleição, até a deste ano (2002). Ricardo Sérgio também foi uma das pessoas acio­nadas para arrecadar contribuições para a campanha presidencial de Fer­nando Henrique Cardoso, em 1994. O mesmo aconteceiu na reeleição de FHC, em 1998. Na função de coletor de contribuições eleitorais, Ricardo Sérgio era muito bem-sucedido".
Na semana seguinte, a reportagem explosiva de Veja era comentada pelo então professor da USP Bernardo Ku­cinski que dizia não entender o "furor ínvestigativo" da revista e questionava: "Mera reação à concorrência? Retalia­ção patrimonialista? Ou, o mais prová­vel: uma ação operada a partir de fra­tura no interior do bloco de poder".
Já a revista IstoÉ relatou na edição da mesma semana um novo caso sus­peito envolvendo o ex-diretor do BB. Ricardo Sérgio teria encabeçado um esquema que teria trazido de volta ao Brasil, em 1992, "US$ 3 milhões sem procedência investidos nas Ilhas Cayman, paraíso fiscal do Caribe". Ele te­ria conseguido vender no mercado in­ternacional títulos da empresa Calfat, numa transação feita por intermédio do Banespa, quando a instituição ainda pertencia ao governo de São Paulo. Com tantas suspeitas - potencial­mente explosivas pairando sobre o cai­xa tucano, a sua condenação no caso dos empréstimos da Encol feitos pelo BB pode ser apenas a ponta do iceberg.

Grampo revela armações

A nomeação de Ricardo Sérgio de Oliveira para a direção de relações internacionais do Banco do Brasil foi uma indicação de José Serra (mi­nistro do Planejamento na época), e Clóvis Carvalho (Casa Civil). Com o cargo, se transformou numa das pes­soas mais influentes na Previ (fundo de pensão dos funcionários do BB) e teve grande participação na monta­gem de consórcios que participaram com o fundo nas privatizações.O caso do Grampo no BNDES revela um pouco como se agia nesses casos. A interceptação clandestina de telefonemas trocados pelas autorida­des que geriam o processo de venda das telefônicas mostrou uma agitada movimentação do governo FHC nas 72 horas que antecederam o Leilão das Teles, ocorrido em julho de 1998. Nas fitas, o então ministro das Co­municações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, telefona para Ricardo Sérgio e revela que o Opportunity, de Daniel Dantas, quer participar do leilão da Tele Norte Leste, mas depende da conces­são de uma Fiança do Banco do Brasil: "Está tudo acertado. Mas o Opportu­nity está com um problema de fian­ça. Não dá para o Banco do Brasil dar?", pergunta Mendonça de Barros. "Acabei de dar (R$ 874 milhões)", responde Ricardo Sérgio e completa quase rindo: "Nós estamos no limite da nossa irresponsabilidade. São três dias de fiança para ele" .... "Na hora que der merda (se refere ao astronô­mico valor do crédito), estamos juntos desde o início." A armação nesse caso só não deu certo porque o Opportunity já havia adquirido a Brasil Telecom (BrT) e a Telemig. Em março de 2001, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL) disse à Justiça e ao Ministério Público que o economista chegou a cobrar comissão de mais de R$ 90 milhões para assegu­rar o resultado no Leilão das Teles.

Prestador de serviços

Errando ou acertando nas "arti­culações", Ricardo Sérgio mantinha confiança da alta cúpula tucana. Um assessor parlamentar que está levantando dados para a CPI das pri­vatizações diz que um dos caminhos para arrecadar recursos para campa­nhas em anos anteriores passava pela formação dos grupos que disputavam os leilões das empresas então estatais. Injetava-se dinheiro dos fundos de pensão em um dos grupos e caso ele vencesse recolhia-se a tal "contribui­ção" para partidos e/ou candidatos. Como ficou claro nas matérias publi­cadas a partir do grampo do BNDES, Ricardo Sérgio era um dos arquitetos dos grupos. Mera coincidência?
Na atual crise do "Mensalão", o nome do caixa tucano também apare­ceu. O tesoureiro era um dos elos entre Marcos Valério e o PSDB. Adivinhe de quem é o prédio em que a agência de publicidade SMPB de Valério ocupa dois andares em Belo Horizonte?Ricardo Sérgio comprou o edifício por R$ 7,5 milhões em 17 de agosto de 1999, mesma época em que Marcos Valério passou a atuar no Ban­co do Brasil pela DNA Propaganda. Outra coincidência: o prédio pertencia a Petros, o fundo de pensão dos funcio­nários da Petrobrás. Em 1999, durante o governo FHC, a Petros vendeu o edifício à Planefin - Serviços, Assessoria, Planejamento, Administração e Parti­cipações S/C Ltda., de propriedade de Ricardo Sérgio, que procurou esconder seu nome do negócio nomeando um "laranja" para a transação, seu "sócio" Ronaldo de Souza. As CPls ainda não aprofundaram as investigações entre Marcos Valé­rio e Ricardo Sérgio e até agora não foram reveladas as circunstâncias em que o edifício passou a ser ocupado pela empresa do publicitário. Mas desde o início da crise do Mensalão, a relacão entre o PSDB e o Valerioduto ficou parente. O esquema Marcos VaLétio começou em Minas Gerais, nos anos 1990, quando o publicitário passou a finan­ciar as campanhas do PMDB, PFL e PSDB. Mas o grande trabalho do Va­lerioduto só aconteceu em 1998, na campanha para reeleição de Eduardo Azeredo, que caiu da presidênciâ na­cional do PSDB quando o esquema veio à tona. Com Marcos Valério, a campanha de Azeredo arrecadou cerca de R$ 9 milhões, sendo R$ 2 milhões a partir de "negócios" com o Tesouro Estadual de Minas e R$ 6 mi­lhões e meio com as estatais mineiras. A CPI dos Correios também apurou que Valério trocou 40 telefonemas em 2002 com o comitê de campanha do atual governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Mas a ligação entre Válério e Ricardo Sérgio também se dá por ou­tra frente. O economista Lúcio Bo­lonha Funaro é apontado pela CPI dos Cor;eios como dono oculto da Guaranhuns, empresa que Marcos, Valério teriá usado para repassar R$7 milhões ao Partido Liberal (PL). A empresa teria dado um prejuízo de R$ 100 milhões aos fundos de pensão. E adivinha quem é o melhor amigo de Funaro? O jornal Estado de Minas de 26 de agosto do ano passado diz que Ricardo Sérgio é o sócio oculto da Guaranhuns, mas as investigações da CPI ainda não se aprofundaram. Desde que seu nome surgiu nos noticiários pela primeira vez, os partidos adversários do PSDB tentam le­var Ricardo Sérgio para se explicar no Congresso. Mas, até agora, o esquema tucano-pefelê conseguiu preservar homem de confiança de Serra e FHC.

O caso Encol

Apesar das peripécias de Ricardo Sérgio pelos meandros do poder, só agora a Justiça condenou o caixa tu­cano a prisão. O juiz federal Cloves Barbosa de Siqueira, da 12ª Vara do Distrito Federal, considerou que os empréstimos feitos à Encol burlaram "os normativos vigentes". Ou seja, houve crime de "gestão temerária" com "atos de administração que coloquem em risco os negócios da insti­tuição", assinalou o juiz. Antes mesmo de Ricardo Sérgio, assumir a direção do BB, em 1995, os problemas financeiros da construtora já eram conhecidos. Na época, a dívi­da da Encol com o sistema financeiro era estimada em aproximadamente R$ 700 milhões, sendo o BB um dós maio­res credores. Conforme denúncias da epoca, há indícios de uma série de ligações suspeitas entre os donos da em­presa e integrantes do governo FHC. Apesar da quantidade de provas de irresponsabilidade nos emprésti­mos, essa foi a primeira vez que diri­gentes do banco foram condenados pelo envolvimento com a construtora. Entre as nove irregularidades que resultaram na condenação, o juiz citou, em sua senténça a hipoteca que o BB liberou para o Hotel Ramada, da Encol, como exemplo de operação danosa para a instituição.
Segundo parecer da Justiça, no lu­gar do hetel, que valia R$ 55 milhões à, época, o Banco do Brasil recebeu R$ 17,3 milhões. "Não há justificativa plausível para se liberar uma garantia vendida por R$ 55 milhões mediante o recebimento de apenas R$ 17,3 mi­lhões, com a colocação do saldo rema­nescente (R$ 37, 7 milhões) à disposi­ção da própria devedora", relata o juiz. Os diretores do BB ainda aceitaram certificados de dívida emitidos ilegal­mente pela construtora e renovaram sistematicamente as operações de cré­dito vencidas e não pagas. "Mesmq cientes da precária situação financeira da Encol, ampliaram os límites de crédito da citada empre­sa, ao mesmo tempo que autorizaram a liberação de garantias idôneas me­diante substituição por outras incapazes de lastrear as operações de crédito concedidas à empresa", citou o juiz, mencionando o documento do Mi­nistério Público, autor da ação.

Reversão complicada

Embora tenham sido condenados por gestão temerária na direção do BB, a instituição decidiu utilizar seu corpo jurídico para defender os acu­sados. A assessoria de imprensa. do banco informou que a empresa vai recorrer da sentença no Tribunal Regional Federal. Antônio da Silva Machadoí consultor jurídico do BB, é o responsável pela defesa dos sete condenados. Se­gundo ele, os empréstimos do banco a Encol tinham por objetivo recuperar a construtora e evitar sua falência, para receber os créditos que já haviam sido dados por gestões anteriores. De acordo com sua tese, com a falência, o banco dificilmente conseguiria reaver o dinheiro, já que a lei dá preferência a pagamentos de dívidas trabalhistas e tributárias. Mas numa das muitas entrevistas que deu à imprensa, defendendo os ex-diretores do BB, Machado acabou cometendo um lapso e reconhecendo que houve irregularidades por parte dos condenados. É que na base da sua argumentação, o advogado tenta descaracterizar o crime de gestão te­merária, alegando que juridicamente o termo não se aplica a atos isolados "e sim a todo um conjunto de irregu­laridades cometidas ao longo de de­terminado período de tempo". Autor da denúncia que resultou na ação do Ministério Público e na conde­nação da Justiça, o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), diz ser comum empresas do porte do BB co­locarem a assistência jurídica à dispo­sição de ex-empregados. "Não é ilegal, mas acho que o advogado do banco não deveria defender os acusados para a imprensa", disse o petista à Fómm. Para Berzoini, embora caiba re­cursos aos acusados, dificilmeme as instâncias superiores da justiça irão reformar a senyença. "Nós fizemos a denúncia ao Ministério Público em 2000 e a promotoria conseguiu em sua ação fundamentar muito bem o pedido de condenação. As provas apresentadas foram muito claras e o juiz também embasou muito bem a sua decisão. Vai ser difícil de reverter", comentou. O presidente do PT explicou que a decisão da Justiça foi tão responsável que absolveu o gerente Jair Bilachi e o secretário-executivo Manoel Pinto de Souza Junior. Auditoria interna feita pelo banco na época apontava um pequeno grupo de funcionários como os únicos responsáveis pelos empréstimos irregulares, entre eles ós dois absolvidos. "Na época, a direção do BB tentou não só se eximir da cul­pa, mas transferir a responsábilidade para funcionários subalternos." Além de Ricardo Sérgio e do ex­-presidente Paulo César Ximenes, fo­ram condenados Edson Ferreira, João Batista de Camargo, Hugo Dantas, Ricardo Conceição e Carlos Gilberto Caetano. Dos sete, somente Ricardo Conceição continua empregado no banco (atualmente ocupa a vice-pre­sidência de Agronegócios).
Isenta imprensa

A notícia da condenação da ex-diretoria colegiada do BB circulou somente no dia 1º de fevereiro, mas a decisão da Justiça data do dia 2 de dezembro de 2005. A imprensa comercial levou dois meses para descobrir a condenação e nenhum jornal ou revista de grande circulação deu destaque para o fato. Dois dos maiores jornais do país, Estado e Folha de S. Paulo, deram a notícia sem destaque na capa e os seus cadernos de economia, longe e descolada da parte po­lítica, onde se publica os escândalos. A Folha chegou ao cúmulo de utilizar como chapéu (pré-título) para desta­car a notícia a palavra "imóveis". No caso do Grampo no BNDES há uma referência à docilidade da mí­dia coniercial com o esquema tucano-pefelê. Numa das conversas gravadas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem o seguinte diálogo com ministro Mendonça de Barros: Minis­tro: "A imprensa está muito favorável, com editoriais". FHC: "Está demais, né? Estão exagerando, até". E ri.