quinta-feira, abril 13, 2006

CIRCO RICHTHOFEN

Sobre falsidades e a responsabilidade da imprensa
Maurício Cardoso (*)
Muito se tem falado a respeito da ética profissional dos advogados que levaram Suzane Richthofen a expor seus falsos sentimentos em rede nacional de televisão e na capa da mais vendida revista brasileira. Pouco ou nada se falou das responsabilidades da imprensa neste episódio. Como se ela não tivesse nenhuma. Tem. Toda.
Fala-se de farsa. É verdade. As lágrimas fingidas da assassina confessa dos próprios pais, suas falas mal ensaiadas diante das câmaras e do bloco de anotações das repórteres não constituem outra coisa – uma farsa. Quem fez a entrevista sabia que aquilo era uma farsa. Seria uma farsa particular até se tornar pública. Porque torná-la pública, então?
Nas primeiras aulas de jornalismo, ensina-se que nem tudo que se apura vai para o ar ou se publica. Se a informação é falsa, ela não merece ser publicada. Na medida em que se publica uma falsidade, quem o faz assume a responsabilidade pela falsidade, participa da farsa, mesmo que seja para denunciá-la. Então, por que publicar a falsa lágrima da mulher que matou os pais?
Fica evidente que os advogados pretenderam usar a imprensa para construir uma imagem positiva de sua cliente. Se deram mal. Desconstruíram o que ainda poderia restar de positivo na figura que defendem. Estão sendo cobrados por isso. A imprensa se vingou e usou a farsa montada com sua conivência em proveito próprio. Deu capa na revista e ibope alto na telinha. Para ela, ficou de graça.
Medida processual - Este é um jogo permanente entre fonte e jornalista. Cada um sabe que está sendo usado e deliberadamente busca usar o outro. Sempre foi assim e continuará sendo. É justo que os bônus e também os ônus deste jogo sejam equanimemente repartidos pelos participantes do jogo.
O interesse público é sempre uma boa razão para justificar a publicação de uma informação – esta é outra das lições básicas do bom jornalismo. Pergunta-se: qual o interesse público da entrevista de Suzane? O que ganha a sociedade em saber que além de assassina, a moça é fria e dissimulada. O máximo que as duas reportagens [Fantástico (9/4) e Veja (nº 1951, de 12/4/2006)] conseguem é antecipar o julgamento da ré, o que não é exatamente um bom serviço à convivência social. Para julgar Suzane, com a observância do devido processo legal e com o respeito aos direitos fundamentais do cidadão, mesmo sendo este cidadão uma mulher que matou os próprios pais, está marcado o Tribunal do Júri no dia 5 de junho próximo.
Por causa das entrevistas, a moça voltou para cadeia, mas nem isso pode ser creditado como um bom serviço prestado pela imprensa. O Ministério Público, com o oportunismo que lhe é característico, entrou em cena e fez o pedido para que fosse restabelecida a prisão preventiva de Suzane. Como se fosse crime fracassar no papel de atriz no desempenho de um personagem infeliz. Se Suzane merece cadeia, ela certamente a terá depois de devidamente julgada e condenada. Prisão preventiva não é pena, é medida processual e, portanto, não é instrumento para apenar ou fazer Justiça.
Últimas conseqüências - Voltando ao papel da imprensa no episódio, o que é certo é que não teria havido farsa se a tentativa de farsa não tivesse virado manchete. Da mesma forma que o sigilo do caseiro não teria sido quebrado se não tivesse sido divulgado na imprensa. Vejam: tanto o presidente da Caixa Econômica Federal quanto o ministro da Fazenda estão legalmente autorizados a tomar conhecimento do extrato de qualquer correntista. O que eles não podem fazer, e ninguém pode, é publicar na internet o extrato de quem quer que seja, como foi feito no site de uma revista. Sem divulgação da informação sigilosa, não há quebra de sigilo.
Neste caso, também, quem vazou a informação pretendeu usar a imprensa e acabou sendo usado pela imprensa, que deu um furo. Mas as responsabilidades não foram distribuídas com a mesma equanimidade.
Tanto a publicação do extrato do caseiro como a exibição da falsa lágrima da assassina fazem parte do show da mídia, desta tendência universal e irreversível de transformar tudo e qualquer coisa num espetáculo para comover platéias. Informação é outra coisa, mas tudo bem. É muito salutar que seja garantido às últimas conseqüências o direito de informação. Que a imprensa publique absolutamente tudo que julgar no seu direito. Mas é igualmente muito salutar que responda pelo que escreve, fala e exibe.
(*) Diretor de redação do site Consultor Jurídico

Esse poder todo ainda vai nos assombrar
Marinilda Carvalho
De estarrecer. No dia seguinte ao Fantástico, que mostrou a quem quisesse ver uma emissora de TV violando a privacidade cliente-advogado e divulgando uma conversa obviamente particular e protegida por lei, a OAB decide investigar... o quê? A "ética" dos advogados de Suzane von Richthofen. É o que diz matéria da revista jurídica eletrônica Última Instância, que virou manchete do UOL na noite de ontem (10/4): "Após entrevistas, juiz decreta preventiva, e Suzane von Richthofen já está presa". Manchete alterada mais tarde para "‘Risco’ a irmão e entrevistas levam Suzane de volta à prisão".
Vitória da virtude, dirão os justiceiros de serviço, defensores do Caveirão nas favelas cariocas, do "bandido bom é bandido morto". Rezem muito para que jamais cometam um crime: seu direito a perfumarias como defesa e sigilo não vale um tostão furado! Pois se nem OAB, a revista supostamente "jurídica" e a mídia online dedicam uma linha sequer a questionar a TV Globo por esta violação, que qualquer país democrático consideraria ultrajante! Em 1998, a Veja negou de forma vaga as denúncias de que repórter sua se fingira de advogada para entrar na cela do "Maníaco do Parque", um motoboy serial killer descompensado e confuso de São Paulo, e muitos protestaram, especialmente este Observatório [remissão abaixo].
Em 2006 pode? Até um dos advogados de Suzane von Richthofen, em entrevista ao Globo Online – que foi colher prazerosamente as migalhinhas jogadas pela tia todo-poderosa –, deixa passar o acinte. Pateticamente, jura que a entrevista "não foi uma farsa"... O cidadão nem sequer alega que era direito da defesa orientar a cliente da maneira que julgasse melhor. Não é isso que, legalmente, mantém assassinos da classe alta anos a fio fora da cadeia? O caso do jornalista Pimenta Neves não está aí para confirmar, seis anos depois dos dois disparos que executaram Sonia Gomide?
Assustador - E não caberia à promotoria, não à televisão, desmascarar farsas de advogados? Não. Já estamos em novo patamar do sistema de justiça, a Linha direta, em que a mídia cumpre o papel de promotor e júri. Por estas novas regras, de reality show, o que deveria um advogado recomendar à cliente, segundo a Globo, a OAB, os justiceiros? "Mostre sua frieza, diga que matou mesmo porque queria o dinheiro e dane-se!", é isso? Até Klaus Barbie, o "Açougueiro de Lyon", e tantos outros exterminadores nazistas tiveram direito a defesa...
Não a parricida. A Globo já a condenou. Só falta alegar que Suzane von Richthofen sabia que estava com o microfone, e deixou gravar a conversa porque quis. Numa ação legal, a defesa (farsa?) ideal...
Deixando de lado, contudo, a sede de justiça e virtude da emissora – e desta "sociedade esquizóide" em geral, como a retrata o leitor Paulo Hase em artigo aqui no OI sobre o documentário Falcão –, o fato é que o poder sem limites da Globo, que nem a outrora aguerrida OAB se atreve mais a afrontar, dá-lhe hoje em dia o direito de quebrar sigilos quaisquer – a caçulinha Época não divulgou a conta bancária do caseiro Francenildo Costa, violada pela Caixa a serviço de um ministro?
Que a Globo aja assim não surpreende. Afinal, foram muitos, seguidos anos de apoio à ditadura e a suas práticas fascistas, e não é fácil mudar hábitos arraigados. O que espanta, o que injuria mesmo é que a OAB não reaja. Que a imprensa não faça um escândalo. Que todo mundo ache normal. Isso é assombroso. Realmente assustador.

Faltou assessoria de imprensa aos advogados
Débora Pinho (*)
Os advogados de Suzane von Richthofen, ré confessa do assassinato dos pais, não levaram em conta que a atriz principal da encenação não estava preparada para um papel tão dramático quando a orientaram a chorar e a simular arrependimento durante a entrevista ao Fantástico (9/4) e à revista Veja (nº 1951, de 12/4/2006). Ela poderia ter mostrado o arrependimento – se é que existe – de forma mais convincente. Mas faltou o fundamental nessa situação de exposição de imagem: a eficiência de uma assessoria de imprensa. O que era para ser o golpe de mestre dos advogados se transformou no pandemônio que a levou de volta para a prisão. A defesa de Suzane cometeu erros básicos por falta de orientação de uma assessoria eficiente.
Os irmãos Christian e Daniel Cravinhos, responsáveis pelo assassinato do casal com a ajuda de Suzane, voltaram para a cadeia por amadorismos próprios na entrevista concedida à rádio Jovem Pan. A filha do casal assassinado voltou à prisão por amadorismo de sua defesa no tratamento com a imprensa.
Causar comoção depende de habilidades e técnicas de teatro. Ela não as tem. A orientação de uma assessoria de imprensa eficiente poderia fazer os advogados entenderem que até seria possível mostrar um arrependimento da ré confessa, mas sem exagerar na dose. E também aprenderiam a não comentar segredos quando já se está com o microfone de lapela. Com o cuidado, o sigilo profissional entre advogados e cliente estaria garantido.
Fatos e interpretações - Se a atitude dos advogados é eticamente questionável, cabe a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) analisar o caso e dar o veredicto. O comportamento da imprensa – que pode ter contribuído com a farsa ao divulgar as imagens e as reportagens – não é nem vai ser objeto de discussão. Afinal, o que importa no jornalismo é o interesse público a qualquer custo. Atualmente, não haveria espaço para se refletir sobre a relevância da divulgação do caso na vida da população.
Nesse cenário, o julgamento marcado para junho já conta com capítulos que poderiam ter sido evitados com simples cuidados de comunicação. E não conta com outros que jamais foram levados para frente, como bem escreveu o colunista Luís Nassif ("Os segredos de Suzane",), na Folha de S.Paulo (11/4). O colunista defendeu que a cobertura da imprensa foi incompleta por que não aprofundou no relacionamento que Suzane tinha com os pais. Segundo ele, "trata-se de entender as razões objetivas, mas, principalmente, as emocionais e psicológicas que levaram ao crime", o que não ocorreu até o momento.
Mas agora o que vai contar mesmo para o júri são as cenas e reportagens mostradas. Os fatos já não importam. Como dizia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: "Não há fatos; só interpretações". E são nessas interpretações que o júri irá se basear para tomar uma decisão.
(*) Jornalista, colunista da revista Exame

Supermax para Suzane
Elio Gaspari - Reproduzido da Folha de S.Paulo, 12/4/2006
Supermax é uma cana que existe nos Estados Unidos e faz muita falta no Brasil. São umas 60 e para elas vão os delinqüentes que se organizam em facções criminosas, os que atentam contra a vida dos guardas, bem como os chefes do crime organizado que não colaboram com a Promotoria. Vão também aqueles que servem de exemplo para quem está do lado de fora. O Unabomber, o brilhante matemático que aterrorizou os Estados Unidos despachando explosivos que feriram dez pessoas e mataram outras três, está na mãe de todas, a prisão de Florence, no Colorado. Como disse o diretor de uma dessas prisões ao pessoal de uma ONG de direitos humanos: "É bom que vocês mostrem como isso aqui é ruim para que ninguém queira vir para cá".
Numa Supermax, o cidadão fica trancado 23 horas do dia. Na 24ª, se for bem comportado, faz exercícios, sozinho, numa gaiola. Luz do sol, a da clarabóia. Visitas, só do outro lado do vidro blindado. Quem entra numa Supermax tem um só objetivo na vida: sair de lá. Elas servem como um fator de dissuasão para os delinqüentes. No caso de Suzane von Richthofen e de seus dois comparsas, uma temporada numa Supermax poderia levá-los a contar a verdade a respeito do assassinato do casal Manfred e Marísia von Richthofen.
Suzane tem 22 anos, participou da cena em que seus pais foram massacrados a golpes de barra ferro. Foi ao enterro vestindo um pretinho descolado, com a barriguinha sarada à mostra. Posta em liberdade, teve direito a uma ofensiva de imprensa para mostrá-la como vítima sofrida, jovem desamparada a quem se deve dar o direito a um recomeço. Quem planeja e ajuda matar duas pessoas não tem direito a recomeço. Assim como a vida de suas vítimas acaba no momento do crime, a liberdade dos bandidos acaba no momento em que são alcançados pela mão do Estado. Prosopopéias de recomeço servem apenas para ratificar a sabedoria da observação de Erle Stanley Gardner, o genial criador do detetive Perry Mason: "Depois que criaram o clichê psicanalítico, o romance policial perdeu a graça"."
Show de imprensa é uma prerrogativa do andar de cima. Ninguém jamais ouviu a voz de um bandido do andar de baixo. Mofam na prisão, muitas vezes com as sentenças vencidas, sem direito a entrevistas humanitárias. Um dos argumentos mencionados em defesa da senhora Richthofen é que ela não quer voltar para a cadeia. Ora, ela não esteve lá porque um dia resolveram prender as moças loiras cujos nomes começavam com S. Foi encarcerada porque tramou e presenciou a morte dos pais.
Deve-se aos jornalistas Fabiana Godoy, Alexandre Dantas, Américo Figueroa e Pedrinho Tonelada o desmascaramento do embuste que a delinqüente e seus advogados encenaram com o propósito de empulhar a choldra. Esses jornalistas cortaram o caminho do exercício prepotente do privilégio. Com o trabalho levado ao ar, salvaram o gol na pequena área. Poderiam ter sido instrumento de uma urdidura, transformaram-se em denúncia da trama.
Se a aplicação de um regime prisional duro à senhora Richthofen e aos seus comparsas estimular a remessa de ilustres hierarcas de Brasília à cadeia, melhor assim. Nesse caso, Suzane terá aberto caminho para o encarceramento dos delinqüentes que vêem na manipulação da patuléia um alçapão que lhes garanta a impunidade. Haja Supermax.

Os segredos de Suzane
Luís Nassif - Reproduzido da Folha de S.Paulo, 11/4/2006
É incompleta a cobertura do caso Suzane von Richthofen – a jovem que tramou a morte dos pais. Um Truman Capote deitaria e rolaria nessa história. O que teria levado uma jovem recém-saída da adolescência a planejar a morte dos próprios pais?
Até agora, ninguém sequer tangenciou as razões objetivas e, principalmente, as subjetivas, as questões emocionais, as relações familiares que estavam no pano de fundo do episódio.
Corrijo: na época do crime, a revista Época foi a que chegou mais perto. A partir de relatos de vizinhos e de parentes, começou a desenhar um retrato realista das relações familiares, atropelando o primarismo de reduzir um crime passional, uma tragédia dessa dimensão a mera má influência do namorado ou ao excesso de ambição de uma moça sem antecedentes criminais ou de violência.
A partir dos relatos de vizinhos e parentes, a mãe era apresentada como uma pessoa muito complicada, de relações difíceis com os filhos. Formação árabe tradicional da mãe de um lado, formação germânica tradicional do pai de outro, e, no meio, uma adolescente contemporânea, com todas as complicações que podem passar por uma cabeça adolescente de uma aluna PUC (Pontifícia Universidade Católica) – convivendo com colegas de vida e cabeça mais arejadas e tendo, em casa, uma educação repressora.
No meio do caminho, a reportagem estacou, possivelmente temendo enfrentar a possível ira dos seus leitores, julgando estar a revista acobertando uma criminosa. Mesmo assim, permanece como o relato mais realista, ainda que incompleto, do crime.
Não se trata de buscar pretextos para o crime de Suzane e seu namorado. É crime gravíssimo, pelo qual se tem que pagar. Trata-se de entender as razões objetivas, mas, principalmente, as emocionais e psicológicas que levaram ao crime.
Mas há um medo pânico de ir contra a opinião pública, um medo abissal de, sofisticando a análise, dar margem a incompreensões. Por isso, fica-se no lugar-comum, na simplificação primária da moça ambiciosa que pretendeu matar os pais para usufruir da herança com o namorado semi-marginal. Aí, sim, retratam-se bandidos de novela ou de histórias em quadrinhos, simples, fáceis de serem assimilados, não seres humanos em sua complexidade, não as relações familiares confusas, não os traumas, a pressão permanente pelo sucesso, os sonhos e pesadelos de uma sociedade que pressiona até a medula seus adolescentes, podendo levá-los.
As circunstâncias do crime permanecem nebulosas, à espera da grande reportagem. As entrevistas da Veja e do Fantástico deste final de semana mostraram uma jovem manipulada por seus advogados, um dos quais membro da Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo.
Em outra civilização, com outros valores, provavelmente os advogados seriam destituídos pelo juiz, devido à evidência óbvia de que o direito de defesa da moça foi desrespeitado por defensores inescrupulosos -mesmo sendo ela criminosa confessa.
Talvez só depois da condenação, quando o crime estiver esquecido, surja algum Truman Capote para desvendar os segredos de Suzane.

A criminosa que não chorava
Luís Nassif / copyright Folha de S.Paulo, 12/4/2006
Os Estados Unidos são um modelo para o mundo, quer se goste ou não. Adotam-se no Brasil modelos de negócio importados de lá, hábitos de consumo, princípios jurídicos, grande parte da juventude dourada vai fazer por lá seus Ph.D.s. Além do lado consumerista ou meramente negocial, os EUA consolidaram modernos princípios de direitos individuais -aí reside a face mais legítima do modo de vida americano, a defesa dos direitos individuais.
Profundos defensores dos padrões americanos, nós, da grande mídia, não conseguimos assimilar seus valores, especialmente aqueles referentes aos direitos individuais -com exceção de um ou outro modismo, como a importação de conceitos raciais.
Fosse o advogado experiente, teria dado a orientação para o choro, mas longe das câmeras. E seria uma orientação legítima, porque peça central da acusação é a de que se tem uma criminosa fria, porque não chora. No noticiário policial, ser "fria" passou a ser elemento vital no julgamento (e condenação) de qualquer suspeito. O sujeito comete um crime, é apanhado, sabe que está perdido, mas o delegado sempre se espanta com sua "frieza". Esse estereótipo freqüenta o noticiário policial e sempre é eficiente para induzir a prejulgamentos.
Suzane ajudou a assassinar os pais. É criminosa, ré confessa. Mas de lá para cá sua vida virou um calvário. Acabou seu futuro, foi presa, dentro da cadeia enfrentou presidiárias tentando fazer justiça com as próprias mãos. Fora dela, uma opinião pública atrás de vingança. Pela reportagem da "Veja", fica-se sabendo que ela mora escondido em um apartamento, com medo de ser identificada ou de ser reconhecida na rua. E ela é "fria" porque não consegue chorar. Fantástico!
Por que o advogado orientou-a a chorar à frente das câmeras? Porque a parte mais evidente da campanha por sua condenação é acusá-la de ser "fria", de não ter remorsos. Trata-se, portanto, de uma estratégia de defesa que seria aceita em qualquer tribunal. No direito americano, e no nosso, a relação cliente-advogado é sagrada. É como o confessionário. A televisão não tinha o direito de penetrar na intimidade reservada ao advogado na relação com o cliente. Nem o advogado de ser tão amador assim.
Aliás, a leitora Eliana Furtado, que não diz a profissão, mas provavelmente é psicóloga, escreveu brilhantemente sobre as lágrimas: "Sobre lágrimas, tenho algo a dizer-lhe: toda mulher mentirosa, manipuladora, sem escrúpulos que conheci chorava com uma facilidade! Sabe, lágrimas que escorrem sem que a face se transforme, a pobre vítima do destino, da família, dos amigos, dos namorados. Um choro de novela, sem que a emoção transfigure a face e mostre a dor real que se sente. A partir da segunda vez, fiquei esperta para esse tipo de choro (...) Requerer a lágrima como atestado da verdade que se diz é ignorar completamente a natureza humana".
Foi decretada a prisão preventiva dos irmãos Cravinhos por terem dado uma entrevista. Foi decretada a prisão de Suzane por ter dado uma entrevista. O país ainda é incapaz de fazer justiça sem vingança, de condenar sem atropelar direitos individuais. E de perceber que o direito de opinião está sendo atropelado.

FONTE: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/

From: Marcos Claudio L. Silva