abril 09, 2015
Em dramático artigo na Carta
Maior, o ex-chanceler Celso Amorim, exorta os intelectuais a irem às ruas
para defender a política externa independente, ameaçada, segundo ele, pela nova
ofensiva neoliberal para ressuscitar a ALCA. Fugindo a seu estilo normalmente
moderado e cauteloso, Amorim, o chanceler de Lula e ministro da Defesa de
Dilma, cuja permanência à frente do Itamraty superou até mesmo o emblemático
Barão do Rio Branco, alerta: “Intelectuais progressistas, preparai-vos para o
debate”. Ele vai ser duro e não se dará somente nos salões acadêmicos ou nos
corredores palacianos. Terá que ir às ruas, às praças e às portas de fábrica”.
Vejam abaixo a íntegra do artigo:
As Hienas e os Vira-Latas
Por Celso Amorim
Aproveitando o momento de vulnerabilidade política e econômica do nosso país, os defensores de uma integração dependente do Brasil na economia internacional estão lançando uma nova ofensiva, facilitada pelas agruras do ajuste fiscal, com queda nos investimentos governamentais e o descrédito – convenientemente estimulado – das empresas estatais, na esteira do escândalo da Petrobrás. Em vez de atacar a raiz desses ilícitos, que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais (o que não diminui a responsabilidade dos transgressores da lei), os pós-neoliberais preferem investir contra os poucos instrumentos de política industrial que o Estado brasileiro ainda detém. A estratégia é ampla e não se limita a aspectos internos da economia. Incide diretamente sobre a forma pela qual o Brasil se insere na economia mundial.
As Hienas e os Vira-Latas
Por Celso Amorim
Aproveitando o momento de vulnerabilidade política e econômica do nosso país, os defensores de uma integração dependente do Brasil na economia internacional estão lançando uma nova ofensiva, facilitada pelas agruras do ajuste fiscal, com queda nos investimentos governamentais e o descrédito – convenientemente estimulado – das empresas estatais, na esteira do escândalo da Petrobrás. Em vez de atacar a raiz desses ilícitos, que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais (o que não diminui a responsabilidade dos transgressores da lei), os pós-neoliberais preferem investir contra os poucos instrumentos de política industrial que o Estado brasileiro ainda detém. A estratégia é ampla e não se limita a aspectos internos da economia. Incide diretamente sobre a forma pela qual o Brasil se insere na economia mundial.
Três linhas de ação têm sido perseguidas. Uma já
faz parte do antigo receituário de boa parte dos comentaristas em matéria
econômica: o Brasil deveria abandonar a sua preferência pelo sistema
multilateral (representado pela Organização Mundial do Comércio) e dar mais
atenção a acordos bilaterais com economias desenvolvidas, seja com a União
Europeia, seja com os Estados Unidos da América. O refinamento, não totalmente
novo, é o de que, para chegar a esses acordos, o Brasil deve buscar a
“flexibilização” do Mercosul, privando-o de sua característica essencial de uma
união aduaneira. Sem perceber que a motivação principal da integração é
política – já que a Paz é o maior bem a ser preservado – os arautos da
liberalização, sob o pretexto de aumentar nossa autonomia em relação aos nossos
vizinhos, facilitando a abertura do mercado brasileiro, na verdade empurrarão os
sócios menores (não em importância, mas em tamanho) para os braços das grandes
potências. É de esperar que não venham a reclamar quando bases militares
estrangeiras surgirem próximo das nossas fronteiras.
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Amorim lançou recentemente seu novo livro Teerã “Teerã, Ramalá e Doha. Memórias da política externa ativa e altiva”
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Amorim lançou recentemente seu novo livro Teerã “Teerã, Ramalá e Doha. Memórias da política externa ativa e altiva”
O segundo pilar do tripé, que está sendo gestado em
gabinetes de peritos desprovidos de visão estratégica, consiste em tornar o
Brasil membro pleno da OCDE, a organização que congrega primordialmente
economias desenvolvidas. Essa atitude contraria a posição de aproximação
cautelosa seguida até aqui e que nos tem permitido participar de vários grupos,
sem tolher nossa liberdade de ação. A lógica para a busca ansiosa pelo status
de membro pleno residiria na melhoria do nosso rating junto às agências de
risco, decorrente do nosso compromisso com políticas de investimentos, compras
governamentais e propriedade intelectual (entre outras) estranhas ao modelo de
crescimento defendido por sucessivos governos brasileiros, independentemente de
partidos ou de ideologias. O ganho no curto prazo se limitaria, se tanto, a um
aspecto de marketing, e seria muito pequeno quando comparado com o custo real,
representado pela perda de latitude de escolha de nossas políticas (industrial,
ambiental, de saúde, etc.)
Finalmente – e esse é o aspecto mais recente da
ofensiva pós-neoliberal – há quem já fale em ressuscitar a Área de Livre Comércio
das Américas, cujas negociações chegaram a um impasse entre 2003 e 2004, quando
ficou claro que os EUA não abandonariam suas exigências em patentes
farmacêuticas (inclusive no que tange ao método para a solução de
controvérsias) e pouco ou nada nos ofereceriam em agricultura. A Alca, tal como
proposta, previa não apenas uma ampla abertura comercial em matéria de bens e
serviços, de efeitos danosos para nosso parque industrial, mas também regras
muito mais estritas e desfavoráveis aos nossos interesses do que as que haviam
sido negociadas multilateralmente (i.e., no sistema GATT/OMC), inclusive por
governos que antecederam ao do Presidente Lula. Tudo isso, sob a hegemonia da
maior potência econômica do continente americano (e, por enquanto pelo menos, do
mundo).
Medidas desse tipo não constituem ajustes passageiros. São
mudanças estruturais, que, caso adotadas, alterariam profundamente o caminho de
desenvolvimento que, com maior ou menor ênfase, sucessivos governos escolheram
trilhar. Os que propugnam por esse redirecionamento de nossa inserção no mundo
parecem ignorar que mudanças desse porte, sem um mandato popular expresso nas
urnas, seriam não só prejudiciais economicamente, mas constituiriam uma
violência contra a democracia. Evidentemente nosso governo não se deixará levar
por pressões midiáticas, mas até alguns ardorosos defensores de um Brasil
independente e soberano podem não ser de todo infensos a influencias de
intelectuais que granjearam alguma respeitabilidade pela obra passada. Daí a
necessidade do alerta: “intelectuais progressistas, preparai-vos para o
debate”. Ele vai ser duro e não se dará somente nos salões acadêmicos ou nos
corredores palacianos. Terá que ir às ruas, às praças e às portas de fábrica.