Bancos privados fazem oposição a Dilma por perda de
espaço para BB e Caixa
publicada quarta-feira, 30/07/2014 às 11:04 e atualizada
quarta-feira, 30/07/2014 às 11:22
Por Diego Sartorato, da RBA
Não são apenas os partidos e candidatos que formulam
projetos a serem debatidos durante as campanhas eleitorais: organizações da
sociedade civil e entidades privadas também avaliam quais mudanças na condução
do poder público são necessárias para garantir o atendimento de interesses
singulares ou coletivos.
Algumas dessas plataformas “setoriais” são tornadas
públicas, mas nem todas, especialmente quando se referem a interesses
empresariais, seja pelo sigilo do planejamento nos negócios, seja porque há
objetivos patronais inconfessáveis à opinião pública, a regra é que os
interesses econômicos de setores poderosos sejam discutidos privativamente.
Para as eleições presidenciais deste ano, porém, empresas do
mercado financeiro, central no capitalismo e no jogo político brasileiro,
romperam o silêncio habitual e têm tomado posição agressivamente contrária à
reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Nas últimas semanas, o banco espanhol Santander divulgou
análise em que previa cenário econômico negativo caso Dilma se reeleja, mesma
prática adotada por diversas consultorias que atendem a investidores do mercado
financeiro.
Por meio de estudo encomendado ao Instituto de Ensino e
Pesquisa (Insper) e divulgado pela Folha de S.Paulo, o setor chegou até a
conferir valor concreto a cada ponto percentual perdido por Dilma nas pesquisas
eleitorais: seriam US$ 801 milhões a mais investidos em ações de estatais a
cada vez que a vitória da oposição se mostrasse mais provável do que no
levantamento anterior.
Um dos motivos para a campanha agressiva do setor
financeiro, como visto apenas às vésperas da primeira eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), em 2002, está em estudo divulgado pelo Dieese sobre o
desempenho dos bancos em 2013.
De acordo com o levantamento, Banco do Brasil e Caixa Econômica
Federal, ambos públicos, conquistaram 48,1% do mercado de crédito no país no
ano passado e seguem ampliando as carteiras de crédito em ritmo duas vezes
superior aos bancos privados nacionais (que detêm 38% das carteiras) e três
vezes superior ao crescimento das empresas estrangeiras (com 13,9% dos
contratos de crédito). Não conta, para o levantamento do Dieese, o BNDES que,
em 2013, investiu R$ 514,5 bilhões em consumo e infraestrutura.
As instituições públicas foram as principais responsáveis
pelo crescimento, entre 2002 e 2013, da relação entre volume de crédito e
Produto Interno Bruto (PIB). Há 12 anos, o crédito disponível no país somava
23,8% do PIB; hoje, são 55,8%. Entre 2008 e 2013, mudou também o perfil do
microcrédito: se há seis anos os pequenos empréstimos tinham 73% do volume
destinados ao consumo, em 2013 apenas 10% foram voltados a essa modalidade. Os
outros 90% foram empenhados em micro e pequenas empresas (MPEs), setor que mais
cria emprego e renda no Brasil – em 2013, de acordo com o Sebrae, 85% dos
empregos com carteira assinada foram abertos nele.
O momento e a motivação dos bancos públicos e privados são
bastante distintos: enquanto os primeiros seguem a diretriz do governo federal
de ampliar o acesso e baratear o crédito com o objetivo de fortalecer o poder
de consumo das famílias e evitar os piores efeitos da crise econômica mundial,
os bancos privados seguem a direção oposta. Demitem trabalhadores (foram 10 mil
dispensas em 2013) e ampliam taxas e juros para garantir a rentabilidade.
O Itaú, por exemplo, que teve o maior lucro da história do
sistema financeiro brasileiro no ano passado (R$ 15,6 bilhões), aumentou em
12,8% seus ganhos, principalmente por meio de cobranças de serviços e taxas. Já
o Banco do Brasil, por meio da ampliação de sua atuação no mercado, foi
relativamente mais bem-sucedido e aumentou o lucro líquido em 29,1% em relação
a 2012.
Desde 2008, quando os mercados de capitais se
desequilibraram nas potências econômicas, o Brasil aplica políticas
anticíclicas de incentivo ao setor produtivo e ao consumo, com manutenção de um
baixo índice de desemprego e intensificação da transferência de renda, solução
oposta à adotada pela zona do Euro e no campo de influência dos Estados Unidos.
Nesses países, houve corte de investimentos públicos e distribuição de pacotes
de amparo ao sistema financeiro. O FED, banco central norte-americano, por
exemplo, injeta US$ 75 bilhões mensais no mercado financeiro atualmente.
Os bancos brasileiros, que atuam nas mesmas linhas gerais de
suas contrapartes internacionais, parecem estar à espera do mesmo tratamento:
tanto Aécio Neves quanto Eduardo Campos, candidatos a presidente por PSDB e
PSB, sinalizaram ao setor financeiro que estão dispostos a tomar medidas
“impopulares” para a economia, eufemismo para reformas no sentido de reverter a
política focada na geração de empregos e maior aproximação com o modelo
econômico norte-americano.
Já os governos petistas, a partir de 2003, embora tenham
garantido lucros astronômicos ao setor (que foi de um lucro global de R$ 4,8
bilhões em 2000 para R$ 46,6 bilhões em 2010), tomaram decisões importantes
para que os bancos públicos fossem capazes de induzir e equilibrar o mercado
financeiro, e, para tanto, até impediram privatizações. Em 2008, o então governador
de São Paulo, José Serra (PSDB), colocou à venda o último banco público do
governo estadual, a Nossa Caixa. Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu
segundo mandato como presidente, acertou a compra da empresa pelo Banco do
Brasil por R$ 5,3 bilhões. Em 2009, o Banco do Brasil pagou mais R$ 4,3 bilhões
por 50% do Banco Votorantim, em nova ação agressiva de tomada de mercado.
O estudo do Dieese aponta, como um dos indicadores do
sucesso da aposta no crédito, o fato de que 2013 registrou os patamares de inadimplência
mais baixos já observados, com média de 3% de compromissos financeiros
descumpridos por clientes de bancos privados e na casa de 1% entre clientes de
bancos públicos. O cenário é próximo do descrito pela presidenta Dilma em
pronunciamento para o 1º de maio de 2012, quando enviou recado bastante direto
para o sistema financeiro.
A diferença mais expressiva é que, à época, o Brasil operava
com a menor taxa Selic, índice definido pelo Comitê de Política Monetária
(Copom) do Banco Central e que serve de base para os juros ao consumidor, da
série histórica, a 8%. O barateamento da captação de dinheiro por parte dos
bancos, no entanto, não foi acompanhada de redução dos custos da tomada de
crédito nas instituições privadas, que mantêm, no Brasil, um dos índices de
spread bancário mais altos do mundo. O spread é a diferença entre os juros que
o banco paga quando toma emprestado (as cadernetas de poupança, por exemplo,
rendem 6,8% ao ano) e quanto paga quando empresta dinheiro (o cheque especial
tem juros em torno de 200% ao ano).
Após campanha intensa na mídia tradicional em torno das
taxas de inflação, o Banco Central cedeu e a taxa Selic está em 11%, sem
previsão de que vá retomar a tendência de queda.
Não se trata apenas de uma questão de fatia de mercado. Como
os juros de cerca de dois terços dos títulos emitidos pelo governo federal para
arrecadar dinheiro estão atrelados à variação da Selic, o aumento do índice
eleva a dívida pública. De acordo com o economista Amir Khair, especuladores
financeiros teriam até US$ 220 bilhões investidos em títulos brasileiros, com
lucro médio de US$ 10 bilhões graças aos juros. No ano passado, o superávit
primário do governo, quantia reservada ao pagamento dos juros da dívida
pública, foi de R$ 75 bilhões. A dívida pública, que representava 60,4% do PIB
em 2002, hoje está em torno de 33% da riqueza nacional, de acordo com a Receita
Federal.