Do ponto de vista concorrencial, é claro que a união entre Pão de Açúcar e Carrefour não é boa. A soma das duas redes representa quase 30% do setor supermercadista e isso é um nível de concentração que dificilmente será aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa da Economia – o Cade, que examina este tipo de fusões – sem que o grupo resultante não concordar em transferir uma parte significativa dos cerca 1.100 pontos de venda que, juntas, possuem.
Evidente que, salvo uma ou outra superposição geográfica de duas lojas de grande porte, a venda será das unidades menores. e não é provável que faltem compradores.
O mais importante, porém, é discutir porque isso está acontecendo e se o BNDES – através de sua subsidiária BNDESpar – deve participar do negócio.
Negócio, que, aliás, é extremamente complicado. Vamos tentar resumir, ajudados pela excelente matéria publicada hoje no Valor pelas repórteres Graziella Valenti e Vanessa Adachi.
Em 2005, Abílio Diniz vendeu 50% do controle da companhia para o grupo varejista francês Casino. Na venda, houve um acordo para que ele permanecesse como controlador até 2012, quando o controle passaria aos franceses.
O grupo Carrefour, principal concorrente do Casino, vai mal das pernas na França – embora domine lá o setor, contra 12% apenas de participação do grupo Casino - e ramo brasileiro de seus negócios era alvo da cobiça do próprio Casino (via Pão de Açúcar) e do americano WalMart, pelo fato de que a matriz queria evitar os prejuízos que colhe aqui, por má administração.
Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart são, pela ordem, as três maiores empresas do ramo no Brasil. A quarta também é estrangeira, a Cencosud, do Chile, que controla as redes Bretas (em Minas) e GBarbosa (no Nordeste) e fatura R$ 5 bi por ano.
Mas, como este negócio entre o Pão de Açúcar e Carrefour tem escala mundial, é bom ter uma ideia do tamanho destes grupos consultando o relatório deste ano da consultoria Deloitte (
aqui, em pdf e em inglês). Lá você verá que o Walmart é o líder mundial, com faturamento de US$ 408 bilhões em 2009, seguido do Carrefour, com US$ 121 bilhões. O Casino aparece em 26º, com faturamento de US$ 37 bi e o Pão de Açúcar em 75º e US$ 11,8 bilhões.
Só que, em matéria de resultado, o brasileiro lidera com folga mais do que acentuada. De lá para cá seu faturamento cresceu, em reais, 37%. Em dólares, embora não se possa dar o percentual, porque o relatório da Deloitte não dá a data de conversão, isso deve chegar ultrapassar 50%.
Esse crescimento dá ideia do “boom” do setor no Brasil, empurrado pela elevação do poder de compra das classes populares.
Para se ter uma ideia, coloco aí ao lado um gráfico do mercado mundial de produtos de higiene, cosméticos e perfumaria – segunda força de vendas dos supermercados, após os alimentos.
Veja que o Brasil já surge como terceiro mercado mundial no setor, avançando rapidamente.
E no setor de alimentos – carro-chefe dos supermercados – nem é preciso falar, porque todos sabem que não apenas o consumo aumenta como é unânime a avaliação de que eles subiram, sobem e subirão mundialmente de preço.
Aí está porque o setor de varejo atrai a cobiça dos grandes grupos econômicos.
E este setor, no Brasil, ficaria, a partir do ano que vem, com seus maiores grupos – que respondem por cerca de 50% das vendas – sob controle estrangeiro.
Bom, agora o outro ponto. Mesmo sendo para o país não ficar com o setor totalmente internacionalizado, o BNDESpar deveria entrar no negócio, usando dinheiro do Estado?
“O nosso dinheiro não tem nada a ver com isso. O BNDES pensar em participar desse processo é estranho. O BNDES não só emprestaria dinheiro, como entraria de sócio na nova empresa. É importante lembrar que o BNDES recebe dinheiro de endividamento público. O tesouro se endivida para colocar dinheiro no BNDES, que pega esse dinheiro para entrar de sócio em um supermercado?”
Está se confundindo - não a Leitão, que sabe exatamente disso – empréstimo do BNDES com compra de participação acionária – sociedade, se preferirem.
Um dos papéis do BNDES é, sim, ser sócio – e viabilizar negócios – em atividades privadas que se exerçam em larga escala e com níveis de concentração e investimento significativos. E estes negócios devem se pautar por dois critérios: serem impulsionadores de nossa economia, gerando cadeias de produção e comercialização e serem, comercialmente, bons negócios, embora talvez não em prazo, condições e volume de capital que atraiam recursos privados.
Ora, até Merval Pereira e o Carlos Alberto Sardemberg reconheceram, também hoje, na CBN, que o negócio é lucrativo para o BNDES.
E no aspecto estratégico, é bom?
Uma cadeia de supermercados vende o que? Alimentos industrializados. O Brasil, entre suas grandes vocações, produz o que? Alimentos. Evidente que um participação brasileira na segunda rede mundial de supermercados vai auxiliar a colocação de produtos brasileiros em suas gôndolas.
A última questão é: isso é um ganho de poder pessoal para o Sr. Abilio Diniz? Sim. Tornará a nova empresa um “quintal” da família Diniz? Não. Por que?
A reportagem de Graziella Valenti e Vanessa Adachi ajuda a responder.
“Diniz, Casino e todos os atuais acionistas de Pão de Açúcar migrarão para a holding chamada NPA. Nessa nova empresa, que só teria ações ordinárias e o controle disperso na bolsa, Abilio Diniz e família teriam direta e indiretamente 16,9% e Casino, 29,8%. A fatia de Wilkes, participação indireta de ambos, sairia de 25,2% para 20,5%.
O estatuto dessa nova companhia, porém, limita o poder de votar de um acionista a 15% do capital, independentemente da participação econômica detida. Esse dispositivo abre espaço para que Diniz e Casino tenham o mesmo poder político – ainda que o grupo francês tenha quase o dobro em dinheiro investido.
Para preservar a estrutura dispersa do capital, NPA ainda terá em estatuto a previsão de que quem superar 39% de participação deve lançar oferta pública para todos os acionistas.
O primeiro passo, porém, seria transformar o Pão de Açúcar numa companhia apenas com ações ordinárias, embora não listada no Novo Mercado. As preferenciais seriam convertidas em ordinárias na proporção de uma para 0,95.
O segundo movimento é a incorporação da empresa aberta por NPA, que seria sucessora como empresa listada na BM&FBovespa.
Nessa companhia, os atuais acionistas seriam diluídos pela entrada da BNDESPar e do Pactual, com aporte total de R$ 4,6 bilhões, que ficariam com 18% e 3,2% do capital, respectivamente.
Abilio Diniz e família teriam a participação reduzida de 21,4% para 16,9% e Casino sairia de 36,9% para 29,8%. Os minoritários, que hoje detêm 41,6% do Pão de Açúcar, ficariam com 32,1% de NPA.
Em seguida, Pão de Açúcar deveria incorporar Carrefour Brasil, numa transação que daria 31% do negócio ao Carrefour na França.
Nesse momento NPA teria os outros 69% do negócio. Para igualar a participação em 50% para cada lado, os 19% excedentes do NPA seriam trocados por uma participação de 11,7% no capital do Carrefour França em ações preferenciais, incluindo voto mais direitos para participação na gestão.”
Bom, acho que com estas informações você pode avaliar melhor esta complicada e gigantesca negociação.
E não fazer papel de bobo, com o pessoal que fica chiando sobre a “intervenção do estado”, como se estivéssemos tratando de o BNDES estar comprando uma fatia de meia-dúzia de quitandas, para ajudar o patrício Abílio das Verduras.
Porque a desinformação e a superficialidade são grandes maneiras de nos levarem no bico e nos “ajudar” a formar opinião que são autênticos “gols contra”. E este negócio é muito mais complicado, como se disse, do que achar uma promoção de supermercado em encarte de jornal.
PS. Depois de postar este texto, fui ler uma matéria, publicada pela BBC que ajuda a ter noção do tamanho desta guerra e do que representam os apetites internacionais do setor sobre o Brasil, definido como “eldorado” para as grandes redes de varejo. Quem não pensar considerando esta escala, vai errar. E errar, neste campo, significa deixar o país totalmente entregue aos tais apetites.