terça-feira, agosto 24, 2010

Jornalismo de encomenda não engana mais ninguém


Retrato de um país que pode parar (será mesmo?)

Reproduzimos abaixo matéria de ontem do Estadão, com a qual discordamos na quase totalidade dos ítens referentes a logística e transportes.
Nosso diagnóstico é de que a logística brasileira, através da infraestrutura disponível (que ainda pode e deve melhorar), deu e continua dando suporte ao elevado crescimento da economia brasileira, em especial ao comércio exterior. A menos que alguém acredite que um país continental como o Brasil possa crescer como vem ocorrendo, com uma infraestrutura “no bagaço”. O T1 acredita no contrário.
Assim, é falso emitir juízo de “apagão logístico” quando a economia cresce em ritmo semi-chinês.
Além disso, como se pode fazer um prognóstico de que o país pode parar quando há investimentos significativos nas infraestruturas de todos os modais de transportes?
Sem contar as medidas institucionais do PAC, como o Reporto e o REIDI, que permitem à iniciativa privada que opera os portos públicos a rápida modernização dos equipamentos de movimentação de cargas, especialmente os contêineres.

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A seguir, a matéria do Estadão, apenas com a parte referente a logística e transportes. Após a crítica a cada modal, acrescentarei comentários que julgar pertinentes

O tão falado apagão logístico virou realidade e gargalos na infraestrutura põem em risco a competitividade do País
Renée Pereira - O Estado de S.Paulo
No início deste mês, a fila de navios à espera de autorização para atracar no Porto de Santos, maior da América Latina, bateu novo recorde: o congestionamento chegou a 119 navios parados, enquanto em dias normais esse número não passa de 10. No transporte aéreo, o Aeroporto de Guarulhos, o maior do Brasil, teve de fazer mutirão para liberar cargas que estavam ao relento por falta de áreas para armazenagem. Cenas como essas revelam que o alerta feito por inúmeros especialistas, vistos pelo governo como catastrofistas, não era mero achismo. O apagão logístico virou realidade no Brasil e será um dos maiores desafios para o próximo governo.
No ano passado, por causa da crise financeira mundial, os gargalos foram amenizados. Mas bastou o País reagir e crescer acima da média para os problemas voltarem com força. Na área de transporte, falta tudo. As estradas continuam em péssima qualidade, especialmente as que atendem o agronegócio, concentrado no Centro-Oeste. O mais lógico seria escoar a safra pelos portos da Região Norte. Mas grande parte dos grãos exportados sai pelos portos do Sul e do Sudeste, depois de percorrer milhares de quilômetros de estradas.
O caminho para atingir os terminais do Norte é precário, cheio de obstáculos, como é o caso da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. Mas, hoje, mesmo que houvesse rodovias adequadas para escoar a produção pelo Norte, os portos da região não têm capacidade para atender toda a demanda, afirma o diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, Sérgio Teixeira Mendes. O resultado é que quase toda a safra vai para Santos e Paranaguá.
Apesar dos investimentos em andamento, os dois portos vivem em constante colapso. Nas últimas semanas, Santos virou um estacionamento de navios que não conseguiam atracar. Mais uma vez a culpa é de São Pedro e do aumento das exportações de açúcar. O porto não tem infraestrutura para embarcar o produto quando chove. Resultado: tudo para.
A degradação da infraestrutura do Brasil não se limita à parte logística. Um dos setores mais atrasados é o de saneamento básico. O País ainda registra números alarmantes de excluídos dos serviços públicos, considerados essenciais para o bem-estar da população. Apesar dos programas de universalização criados pelo governo, milhares de brasileiros ainda não sabem o que é ter luz e água - seja tratada ou não - dentro de casa. Telefone e coleta de esgoto são serviços que nem passam pela cabeça de muitas famílias.
O setor de energia, depois do racionamento de 2001, parece estar entrando nos eixos. Mas a tarifa cobrada do consumidor ainda é uma das maiores do mundo, alerta o diretor da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti.
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1-Portos
Responsáveis por 95% do comércio exterior brasileiro, os portos viraram o grande entrave ao crescimento do País. Todo ano a história se repete: basta começar a safra de grãos para os problemas virem à tona, como as gigantescas filas de caminhões nas rodovias e de navios no mar. A situação é decorrente dos longos anos sem investimentos, que condenaram alguns terminais à estagnação e decadência.
Algumas ações tentam recuperar a capacidade dos portos, como o Programa Nacional de Dragagem (PND), mas o resultado ainda é limitado. O objetivo é atacar uma das principais deficiências dos terminais: a baixa profundidade dos canais para receber grandes embarcações. Com as novas gerações de navios, muitos portos já saíram da rota dos armadores.
O resultado foi a maior concentração de escalas no Sul e Sudeste, onde o sistema portuário já está saturado. Em Santos e Paranaguá, os maiores do País, os acessos terrestres são o maior obstáculo. Mas há também carência na infraestrutura de alguns terminais, que não conseguem operar em períodos de chuva, por exemplo.
Apesar de algumas iniciativas, a velocidade de investimentos não tem sido compatível com a demanda. A solução do problema exige atuação mais firme.
Comentários do T1:
Não é verdade que todo ano ocorrem gigantescas filas de caminhão. Isso ocorreu em 2003, quando da quebra da produção de soja nos EUA e agora por causa da sobre-demanda de açúcar brasileiro, devido às insuficiências dos demais países produtores. É um absurdo querer que portos sejam estruturados para atender situações excepcionais que talvez nunca mais se repitam. As matérias publicadas neste T1 mostram, ao contrário, que os principais terminais de granéis sólidos vêm batendo recordes atrás de recordes, mostrando que houve investimento e não há nenhuma estagnação e dacadência.
Esses recordes sucessivos mostram que a velocidade dos investimentos tem sido compatível com a demanda. A matéria “esqueceu” de mencionar que o Porto do Itaqui/MA irá se transformar, em até três anos, em um importante centro logístico para exportação de grãos da região Centro-Oeste. Dois movimentos reforçam essa perspectiva: o único terminal que hoje escoa soja pelo porto maranhense, operado pela Vale, deve ser licitado no começo de 2011. Existe a expectativa de que na mesma época possam começar as obras do novo projeto do Tegram. Os dois projetos teriam, juntos, em uma primeira fase, capacidade de movimentar cerca de 8 milhões de toneladas de soja por ano.
Conclusão: no presente a situação é confortável - exceto a movimentação anormal de açúcar - e, no futuro, além de Itaqui teremos o porto de Santarém/PA, que será alimentado pela BR-163, que está sendo pavimentada (PAC), e pela Hidrovia Teles Pires-Tapajós.
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2- Ferrovias
O renascimento da ferrovia no Brasil está diretamente ligado ao avanço do agronegócio e do setor mineral. Seu alcance, no entanto, ainda é muito limitado. A malha nacional tem apenas 28 mil quilômetros (km) de extensão e ainda não consegue atender áreas que se transformaram em grande produtoras de grãos, como Mato Grosso.
Mas a ferrovia brasileira não é apenas pequena. Ela também é muito mal aproveitada. Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), apenas 10% das ferrovias (3 mil km) estão plenamente ocupadas. Outros 7 mil km estão sendo usados abaixo da capacidade e 18 mil km são subutilizados.
Além de pequena, ela atinge poucos setores da economia. Até o ano passado, apenas dez produtos, quase todos granéis para exportação, somavam 91% de tudo que era transportado. Só o carregamento de minério de ferro representou 74,37% da movimentação das ferrovias.
Para completar a lista de problemas, alguns gargalos reduzem a eficiência do transporte, pois diminuem a velocidade do trem. Um deles é a invasão da faixa de domínio, como a construção de casas à beira dos trilhos. No total, são 372 pontos, sendo 183 invasões de moradias. Outro problema são as passagens de nível (cruzamento de carros, por exemplo), que somam 12 mil em todo o País.
Comentários do T1:
É fato que atualmente a malha ferroviária nacional não dá conta das necessidades de movimentação de granéis como a soja.
Entretanto, a matéria peca ao dizer que o Brasil pode parar, por desconsiderar as inúmeras obras de expansão da malha ferroviária, exatamente para resolver esse problema. Exemplos: Norte-Sul, Nova Transnordestina, Oeste-Leste (Bahia) e a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, que irá, num primeiro momento, até Vilhena/RO, e mais à frente, até Porto Velho/RO. Lembrar que hoje, pelos terminais de grãos em Porto Velho, já são escoadas mais de três milhões de toneladas de soja. O problema é que ainda são transportadas por caminhões, do Mato Grosso até lá.
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3- Rodovias
A matriz brasileira de transporte é quase toda baseada em rodovias. Hoje 60% de toda carga movimentada no País é transportada por caminhões. Teoricamente, isso implicaria ter uma malha rodoviária boa para atender à demanda, cada vez mais crescente. Mas essa não é uma realidade no Brasil, que tem apenas 11% da malha nacional pavimentada.
Hoje há estradas de terra batida que fazem parte de importantes corredores de exportação. É o caso, por exemplo, da BR-163, entre Cuiabá e Santarém. Embora pareça mais uma trilha, a rodovia é caminho para o transporte de soja exportada pelos portos do Norte. Parte da estrada está em obras. A previsão para o término é 2012.
Até o ano passado, 69% das estradas pavimentadas no Brasil eram classificadas como ruins, péssimas ou regulares, segundo a Pesquisa Rodoviária 2009, da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Apenas 13,5% das estradas foram considerados ótimos e 17,5%, bons.
De acordo com o estudo, a má qualidade das estradas provoca aumento médio de 28% no custo do transporte rodoviário de carga. Só em relação ao consumo de combustível, o aumento do custo de transporte pode chegar a 5%, comparado aos veículos que trafegam em rodovias com excelente pavimentação, como as de São Paulo.
Comentários do T1:
Sobre rodovias impera a total desinformação, provocada pela leitura equivocada da Pesquisa Rodoviária da CNT. Temos escrito seguidamente sobre isso e vocês poderão encontrar esses textos nos links ao final desta matéria.
Fundamentalmente, a própria pesquisa da CNT 2009 mostra, nas páginas 30 e seguintes do Relatório Gerencial, que 93% dos 90 mil quilômetros de rodovias pesquisadas não apresentam buraco! Mais de 70% estão com a sinalização em boas condições.
Então, em relação às críticas às condições da malha rodoviária brasileira, não há o que fazer senão jogá-las no lixo e ficar com o que diz a Pesquisa da CNT, em seu Relatório Gerencial.
.4. Aeroportos
O setor aéreo foi o último a integrar a lista de gargalos da infraestrutura nacional. No caso do transporte de passageiros, o aumento da demanda evidenciou a falta de planejamento do setor, que a exemplo das outras áreas da infraestrutura também padeceu durante décadas sem investimentos adequados.
Nos últimos anos, viajar de avião virou um teste de paciência para os passageiros, que nunca sabem se chegarão ao seu destino na data prevista. Se nada for feito com urgência, a tendência é piorar ainda mais. De acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o transporte aéreo de passageiros no Brasil deve triplicar nos próximos 20 anos.
No setor de carga, a situação não é muito diferente. Com o aumento no volume de importações (superior a 40%), os terminais entraram em colapso. Os problemas são iguais aos dos portos: faltam áreas de armazenagem, instalações (câmaras refrigeradas) para produtos especiais e mão de obra suficiente para liberar as mercadorias dentro de padrões internacionais.
Sem áreas suficientes, as cargas são armazenadas ao relento, no pátio, ao lado dos aviões. Ao ficarem expostas ao sol ou à chuva, muitas mercadorias são danificadas, o que complica ainda mais o processo de retirada do produto da área alfandegária.
Em alguns casos, os terminais demoram mais para liberar a mercadoria do que o tempo que ela gastou para sair do país de origem e chegar ao Brasil. O problema também tem afetado o embarque de produtos exportados.
Comentários do T1:
É fato que o aumento significativo da importação - que é um problema conjuntural, já que não foi e não será sempre assim - levou a ineficiências dos terminais de carga aeroportuários.
Mais uma vez, a matéria peca ao dizer que o Brasil vai parar e não cita as obras de aumento da capacidade aeroportuária, via PAC. Da forma como está escrita a matéria parece que nada está sendo feito.
Lembrar que a Infraero está instalando módulos operacionais nos aeroportos que aumentarão a capacidade dos mesmos. Além disso, está em discussão no governo duas possibilidades: abrir o capital da Infraero ou lançar editais de licitação para concessão da operação aeroportuária, de parte ou de todos os aeroportos e terminais de cargas.
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Clique nos links abaixo para ler nossas opiniões fundamentadas: sobre o papel da logística no crescimento da economia brasileira, publicadas neste T1 e na descontrução da crítica realizada, de forma sistemática, pela imprensa brasileira:

PIB cresce 9%. Logística dá suporte

Equívocos em matéria da Folha sobre os pedágios em rodovias federais

As confusões em relação ao PAC

Serra não sabe sobre as rodovias federais e a CIDE

Impressionante: todos falam, mas ninguém leu a pesquisa rodoviária da CNT!

Ainda sobre a confusão da fila de navios em Santos. Açúcar

O que significa “investimentos aquém do necessário”?

A (suspeita) campanha sistemática contra os portos brasileiros

A verdade sobre a exportação de açúcar e a falsa “crise” no porto de Santos

Análise sobre a matéria da Época sobre Rodovias

Análise crítica sobre o Comunicado do IPEA no. 52 – Rodovias Brasileiras (Parte 1)

Análise crítica sobre o Comunicado 52 do IPEA – Rodovias (Final)

As confusões em relação ao balanço do PAC


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