terça-feira, dezembro 25, 2007

José Dirceu entrevista Ciro Gomes



Golpe fracassa, mas adversários querem inviabilizar governo Lula.

Os adversários de Lula sonharam dar um golpe no presidente da República e, diante do insucesso, derrubaram a prorrogação da CPMF, com o objetivo de impedí-lo de governar. Esta é a interpretação do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) para a rejeição “subalterna, politiqueira e eleitoreira” da prorrogação do imposto do cheque. Apontado como um dos possíveis candidatos da base aliada ao Palácio do Planalto em 2010, Ciro julga fundamental a manutenção de uma coalizão partidária, a mais ampla possível, para o sucesso naquele ano das forças do centro à esquerda que detém o poder no País hoje.




“O que está em jogo é grave e não estaremos à altura da responsabilidade que o país espera de nós neste momento se não conseguirmos isso”, adverte o deputado.




[ José Dirceu ] Eu gostaria de começar falando sobre a transposição do rio São Francisco, porque há muita desinformação na opinião pública. Diz-se que não há um projeto para o agronegócio e para o hidronegócio e que a transposição não vai levar água para famílias, para as comunidades, apenas para o empresariado e que a elite vai dominar a água.


[ Ciro Gomes ] Essa discussão precisa ser trazida a um plano minimamente racional. Sob esse ponto de vista há uma metodologia que permita, a qualquer observador, crítico ou curioso, formar juízo sobre o assunto. Primeiro, há a necessidade de levar essa água lá para cima. O Brasil inteiro tem notícias centenárias de que ocorre, ciclicamente, a seca; de que há uma indústria da seca, de que há carro pipa manipulado para subornar consciências; de que a migração explode a partir dessa situação. Porém, isso precisa ser especificado em números. As Nações Unidas estabelecem para o mundo um padrão de disponibilidade hídrica per capita de 1.500 metros cúbicos por habitante/ano. Naquela região, os números mostram a disponibilidade de 550 metros cúbicos por habitante/ano. Portanto, a disponibilidade segura existente hoje é de um terço do mínimo necessário estipulado pela ONU.Outra grande questão é se o rio tem essa água. Todo o Nordeste Setentrional só tem dois grandes rios perenes. Um, o rio Parnaíba, na fronteira do Piauí com Pernambuco, dispõe de 1.200 metros cúbicos por habitante/ano. Portanto, o Parnaíba não tem nenhum excedente. O outro, o São Francisco, tem 3.500 metros cúbicos por habitante/ano e uma vazão média de 3.850 metros cúbicos por segundo. O projeto de transposição propõe abastecer 12 milhões de pessoas, um terço da população da região. Não é a redenção do Nordeste, não vai resolver todo o problema, nem tem resposta para toda a população (...). No trecho alcançado pela obra a proposta é transpor 23 metros cúbicos por segundo e elevar isso até 63 metros cúbicos por segundo se – e somente “se” – ocorrer cheia no lago da hidrelétrica de Sobradinho, o que acontece uma vez a cada 5 anos em média. É a maior reforma agrária contínua, com água, da história do Brasil.

Quanto a questão se é para o agronegócio ou para o abastecimento humano, a outorga é um ato jurídico vinculado, formal, feito pela Agência Nacional de Águas. A outorga é absolutamente explícita: estão outorgados 23 metros cúbicos do São Francisco para abastecimento humano (...).


O presidente Lula determinou – e isso é omitido da opinião pública – e nós decretamos de utilidade pública, para fins de desapropriação para reforma agrária, três quilômetros de cada lado em toda a extensão da obra, composta por dois eixos, o Norte e o Leste que, somados, totalizam 720 quilômetros.


Então, é a maior reforma agrária contínua, com água, da história do Brasil. Três quilômetros para um lado e três para o outro nos 720 quilômetros de canais. Decretada essa desapropriação, a área fica indisponível para uso privado de quem quer que seja. Outro benefício é que o projeto pereniza mil quilômetros de rios secos no Nordeste Setentrional. O efeito estratégico disso, em matéria de produção de alimentos, de reforma agrária, de progresso, de retenção de migração é absolutamente inquestionável.Por outro lado, o rio vem sendo agredido há 500 anos. Sua degradação é um fato, só não se pode atribuí-la a uma obra que ainda não está sendo feita. Ao contrário, a possibilidade da transposição trouxe a decisão política de revitalizar o rio. Revitalizar agora não é mais uma palavra, é um projeto, com orçamento, com prazos, metas e já em franca execução.


[ José Dirceu ] O que é essa revitalização?


[ Ciro Gomes ] Primeiro, 95% das matas ciliares junto ao rio já foram desmatadas e os 5% restantes continuam sendo desmatados em Minas Gerais, na Bahia, inclusive, para fazer carvão para siderúrgicas, com mão-de-obra semi-escrava e infantil ante o silêncio e a omissão dos ditos amigos do São Francisco. Segundo, em função do desmatamento o rio assoreou e praticamente perdeu a sua navegabilidade. Terceiro, 270 cidades quando o presidente Lula tomou posse (1º/1/2003) jogavam esgoto sem tratamento no rio (...). A foz tem uma língua salgada (o mar avança sobre o rio) entrando, e isso também não é por causa da obra. O projeto de revitalização contempla essa lesão na foz, equacionou o que tem que ser feito e já está começando a obra. O desassoreamento está sendo cuidado, com a formação de 5 milhões de mudas para repor a mata ciliar nos 2.700 quilômetros de cada margem do rio e em milhares de quilômetros de seus afluentes.


[ José Dirceu ] Estes 5 milhões de mudas são para a fase inicial, não?


[ Ciro Gomes ] 5 milhões só para a malha principal. Como não tem muda, nós estamos fazendo com os assentamentos de reforma agrária e os institutos florestais de Minas Gerais. Em função das barragens (das hidrelétricas), a água chega no Baixo São Francisco praticamente filtrada, sem nutrientes para os peixes. Por isso o rio perdeu sua piscosidade. Há um projeto para atender esse aspecto e repor a produção de peixes. Tudo foi considerado e tudo está em execução. Agora, em relação a transposição há uma acusação incômoda sobre falta de discussão e autoritarismo.


[ José Dirceu ] Vamos contar um pouco essa história ... O bispo não discutiu o projeto e entrou em greve de fome


[ Ciro Gomes ] Quando o presidente Lula tomou posse, me chamou, determinou a execução do projeto e disse que tinha pressa. Ponderei que não era possível fazer qualquer coisa na área se não zerássemos o equívoco, gerado no passado e detectado em pesquisas, com relação ao termo transposição. Era preciso, primeiro, informar a população do Baixo São Francisco, principalmente em Sergipe, que transposição não significava tirar o rio do seu leito natural e levar para outro canto. Isso é um absurdo. O rio vai ficar vai ficar quietinho no lugar dele.Na seqüência, organizamos e instalamos o Comitê da Bacia do Baixo São Francisco. Instalado, o comitê fez uma primeira exigência: suspender toda e qualquer providência até que fosse feito um plano para a Bacia, o que fizemos. Mobilizamos a excelência técnica e os mais qualificados cientistas de todas as universidades brasileiras. Trabalharam juntos governo e Comitê da Bacia e, em seis meses, o projeto ficou pronto. Terminados os seis meses, e com o plano pronto, o comitê pediu mais três meses, sem que se tomasse providência nenhuma, para que o plano fosse validado pela sociedade civil. Achamos de bom senso e suspendemos tudo por mais três meses. Promovemos 40 audiências públicas, em capitais e no interior de todos os estados, e o projeto foi aprovado, por unanimidade, numa reunião em Salvador.


É tudo chincana judicial de quem alega falta de diálogo


[ José Dirceu ] E teve também uma ampla discussão sobre o processo de licenciamento ambiental.


[ Ciro Gomes ] Sim, convocamos mais de 70 audiências públicas, em todos os estados, não só nos da bacia doadora, mas também nos estados das bacias receptoras. Apesar das audiências serem convocadas com 15 dias de antecedência, essa gente que se organiza para criticar a falta de diálogo e de debate, obteve liminares judiciais, de forma absolutamente oportunista, na hora em que os servidores do governo já estavam lá para as audiências. Assim, optaram por não participar das audiências públicas e inibí-las na primeira rodada. Abria a audiência e chegava a liminar. Revogadas as liminares pelo Judiciário, nova rodada de audiências públicas foi convocada. Essa gente foi lá e impediu fisicamente, agredindo servidores públicos, ameaçando-os de morte. Impediram o debate e não deram uma única contribuição (...). Foi feito o licenciamento prévio e o assunto foi levado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que reúne governo e setores da sociedade civil. Na primeira reunião para deliberação do conselho, nova liminar judicial impediu sua realização. Tudo chincana judicial de quem alega falta de diálogo. Derrubada a liminar, convocamos nova reunião e o projeto foi aprovado no Conselho por 36 votos a 2. Todas as liminares chegaram ao Supremo Tribunal Federal, que as derrubou, depois de ouvir todas as partes (...). Aí o bispo entrou em greve de fome. Sem falar com ninguém. O debate também foi levado à sociedade civil pelo governo – a OAB, duas vezes a CNBB - em ambas o bispo Cappio foi convidado e não compareceu - a CUT, ao MST, e as comunidades indígenas. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público também foram procurados, assim como clubes de engenharia e outras entidades que tivessem, de alguma forma, interesse, relação, contribuição ao projeto. E o vice-presidente da República liderou, pessoalmente, uma delegação em nome do Lula numa rodada de debates em todos os estados, numa discussão com governadores, políticos e com os empresários.


[ José Dirceu ] Vamos abrir uma janela aqui, nessa questão do rio São Francisco, e falar de outros assuntos. A rejeição à prorrogação da CPMF?


[ Ciro Gomes ] Foi o ato de maior irresponsabilidade política do qual tomei conhecimento nos últimos anos. Não se trata de discutir o mérito da CPMF, porque tecnicamente é um tributo ruim, tem várias imperfeições. Ao incidir com alíquota única sobre todos os valores é regressivo. Ao incidir sobre investimento, da mesma forma – deveria incidir sobre especulação e consumo. A CPMF não é estimulante para o desenvolvimento. Em uma hipotética reforma tributária, não se deveria considerar tributo com esse tipo de incidência. Mas, não foi disso que se tratou no debate no Congresso. O debate era: o país pode ou não abrir mão de R$ 40 bilhões sem uma reforma tributária, sem um conjunto de providências que prevenissem esse saque violento e abrupto, politiqueiro, irresponsável, tal o volume de recursos nas finanças públicas brasileiras? E a resposta foi o que vimos.

A rejeição da CPMF visa inviabilizar governo Lula


[ José Dirceu ] E como você a interpreta?


[ Ciro Gomes ] É indisfarçável a motivação subalterna, politiqueira e eleitoreira da resposta. É uma motivação de quem tentou escalar o golpe por um caminho, não conseguiu e, agora, quer impedir o presidente Lula de governar. E isso é muito claro: se o país tiver superávit nominal, é possível incrementar custeio, investir mais em segurança, educação,saúde, ou incrementar o investimento nos portos, ferrovias, rodovias. Mas, o país tem déficit nominal. Portanto, o que se fez foi uma imposição ao governo. Passa-se a pressionar agora por uma alta da taxa de juros, que inibe a faixa de investimentos da economia brasileira, que vinha cobrindo, pela primeira vez em muitos anos a chegada dos jovens ao mercado de trabalho. O que querem é que o governo, para suprir os R$ 40 bilhões da CPMF, estresse o déficit da Previdência Social – elimine aposentadorias e pensões – ou elimine o Bolsa Família. É disso que se trata. E fizeram com a mão do gato, de uma forma muito competente porque falar mal de imposto num país que não devolve nada para a classe média, obrigada crescentemente a pagar dobrado para viver, é muito fácil. Esse debate é nesse estrato (classe média), não é no povão.


[ José Dirceu ] O principal problema, na verdade, é a maioria que o governo não tem na Câmara e no Senado. O partido do governo, o PT e seus aliados se conformam com isso. Aliás, o Senado é muito mais criticável do ponto de vista programático.


[ Ciro Gomes ] Na Câmara a coisa está bem. Houve um debate rico e a CPMF passou muito bem. No Senado também poderia ter passado. Aí não vale a pena só falar mal dos nossos adversários. O governo errou bastante. Errou muito quando aceitou, por exemplo, que durante três meses o relator designado negociasse pelos jornais mais um cargo e o governo não dava. Depois deu. Não creio que seja esse o caminho.


[ José Dirceu ] Chegou muito tarde no Senado e lá o governo tem que constituir maioria. O governo perdeu tempo negociando. Devia ter negociado logo para obter e provar maioria dentro de sua base de apoio, antes de negociar com senadores novos na base, como Romeu Tuma, que acabou de sair do DEM, e com alguns outros que trocaram de partido. Isso criou uma nova realidade no Senado. Nunca tive ilusão e, inclusive, três dias antes falei: vão rejeitar.


[ Ciro Gomes ] Sem dúvida.


[ José Dirceu ] Eles (os recém chegados à base) não tem responsabilidade. Eles só não rejeitam a DRU porque, de certa maneira, isso pode favorecer o governo.


[ Ciro Gomes ] Evidentemente. Sem a DRU você atinge o coração da coalizão dominante na hegemonia moral e intelectual do país.


[ José Dirceu ] Só não rejeitam por isso.


[ Ciro Gomes ] A natureza ideológica da decisão é muito clara. Não tem incoerência nenhuma. Você tira a CPMF e isso quer dizer o quê ? Você subtrai um tributo que cai sobre 14% da população, aquela que transaciona financeiramente. Se você imaginar uma pessoa que transacione nos bancos com cheques R$ 100 mil, está falando de R$ 380 (pagos de CPMF por essa pessoa) por ano. Quantos brasileiros transacionam R$ 100 mil por ano e são, a partir desse ponto de corte, responsáveis por pagar R$ 380,00, que vão para a saúde, aposentadoria e Bolsa Família. E a DRU é tirar dinheiro da saúde, da educação para o mesmo destino.


[ José Dirceu ] Eu já disse no meu blog que eles não derrubam a DRU porque ela é que garante o superávit nesse país dos juros. O que eles fizeram na verdade foi um grande favor. Mas, vamos falar um pouco de reformas política e tributária.


[ Ciro Gomes ] As duas têm uma contradição que a gente precisa analisar com muita paciência. Não aconteceu ainda uma reforma política ou uma reforma tributária, porque, se gente fizesse, vão dizer o seguinte: “houve um dia em que aconteceu e foi feito pelo governo Lula....”. Mas, nós estamos nos aperfeiçoando politicamente faz tempo e, também, a tributária.


[ José Dirceu ] Não é a reforma tributária que se deveria fazer.


[ Ciro Gomes ] Mas o Fernando Henrique pegou a carga tributária brasileira com 27% do PIB e entregou para Lula com 35%. Se o nome disso não for reforma tributária, o que é? Agora, não dá para dizer que o governo Lula é o culpado por não fazer. Em oito anos, a carga tributária subiu de 27% para 35% do PIB. Nesse mesmo período, a dívida pública subiu de 36% para 58% do PIB, se venderam US$ 100 bilhões de patrimônio público estatal brasileiro, e o país entrou num colapso de infra-estrutura. Não bastasse, perdemos um terço dos mestres e doutores das universidades públicas, enfim, essa é a realidade dessa gente que está fazendo esse movimento todo.Voltando a questão, afirmo que há uma inerência, que chamo de paradoxo da legitimidade. Basicamente, na questão política é a institucionalidade vigente, que gera representação política. E esta, por sua vez, detém o monopólio da reforma institucional. Na minha opinião, a solução é fazer uma reforma política, em tese, para vigir daqui a 5, 4 ou 3 eleições.


[ José Dirceu ] Como foi com a cláusula de barreira, que depois caiu.


Plebiscito e referendo no Brasil viraram sinônimos de chavismo


[ Ciro Gomes ] O Supremo derrubou. Ou mandar isso ao plebiscito, ou a referendo. Mas no Brasil agora se quer transformar plebiscito numa questão de chavismo.


[ José Dirceu ] Como se fosse antidemocrático.


[ Ciro Gomes ] Antidemocrático ou uma questão autoritária. Vivemos agora essa contradição. Na questão tributária temos dois problemas: um é o patrimonial – a carga tributária cresceu não porque os serviços ou a presença do Estado cresceram. Na verdade, estão muito aquém do mínimo necessário para o Brasil em questões básicas, como educação, saúde e segurança pública. O outro problema é o pacto federativo dilacerado. Então, não haverá reforma tributária. Não adianta. Qualquer um de nós é capaz de ajuizar uma reforma. O IVA é um tributo que, tecnicamente, deve ser cobrado no destino, porque é um tributo sobre o consumo. É um tributo moderno no mundo inteiro. O problema aqui é que São Paulo, que concentra 42% da produção industrial do país, agüenta que ele seja implantado? E você não pode quebrar São Paulo, porque quebrar São Paulo é quebrar o Brasil também. Então não é (uma coisa) trivial. É muito melhor a gente ir aperfeiçoando as reformas, na minha opinião, de maneira orgânica, com começo, meio e fim. Por exemplo, nós achamos que o financiamento deve ser público para as campanhas. Mas aí o PFL vai pro povão e diz: "como é que pode? Falta dinheiro para a saúde, para os hospitais e esses políticos querem agora tirar dinheiro da saúde para financiar foguete, camiseta, palanque e showmício?" Pronto, nós perdemos a discussão.


[ José Dirceu ] Mesma coisa com o voto em lista. Vai fortalecer a estrutura burocrática dos partidos.


[ Ciro Gomes ] Em parte, é verdade. O Roberto Freire é dono do PPS. E acabou. Na Constituição vigente os partidos são organizações da sociedade civil. A interatividade estatal sobre os partidos se dá exclusivamente na transferência do fundo partidário e na sua fiscalização. Mais nada. Se você faz um sistema de lista fechado, os partidos passam a ter ordem pública nas suas organizações, uma interatividade mais sofisticada. Mas isso tudo está em discussão.


[ José Dirceu ] A fidelidade acaba também tendo um corte.


[ Ciro Gomes ] Tem um corte seletivo. É o despotismo esclarecido. No Brasil nós temos uma meia dúzia de pessoas, não duvido que bem intencionadas, que acham ter a solução para as nossas contradições. E essas soluções são lusitanas, são sempre uma lei. Sempre acham que a contradição da sociedade vai ser resolvida por uma lei que pega ou não pega.


[ José Dirceu ] Eu concordo e não tenho dúvidas, porque o Senado aprovou a reforma política que não atinge senador.


[ Ciro Gomes ] Não aprovou.


[ José Dirceu ] Aprovou a dele. Não acabou com o suplente, não discutiu o papel do Senado. Aprovou tudo o que servia para a Câmara e não há maioria na Câmara para aprovar isso. O principal problema que eu vejo é que precisamos ganhar a opinião pública para a reforma.


[ Ciro Gomes ] Claro. Ou vai à plebiscito ou faz o despotismo esclarecido, transige e joga o ideal para daqui cinco eleições. Cada um de nós esquece a conjuntura, ou deixa assim. Ou faz uma reforma só dizendo o seguinte: ninguém mexe mais, vai ser essa regra aí, faz sempre eleições com ela.


[ José Dirceu ] Coalizão. Nós tivemos no Brasil, pela primeira vez, a expectativa de formar algum tipo para além da base de apoio, para além da aliança parlamentar para apoiar o governo, a idéia de formar uma coalizão. Na minha opinião, não existe coalizão alguma.


[ Ciro Gomes ] É a minha também.


[ José Dirceu ] Não se criou nada.


[ Ciro Gomes ] Você não tem a hegemonia moral, nem intelectual, e nem um lugar para ajuizar isso. Se tivesse a gente tinha ido para o povo nesse negócio da CPMF. Qual o papel que a população tem no processo político real do país? A população só é chamada para votar nas eleições. Acabou as eleições nós vamos fazer aqui no Congresso Nacional, o que der na nossa cabeça. Coadjuvados pelo partido da imprensa.


[ José Dirceu ] O mais poderoso.


[ Ciro Gomes ] É verdade.


[ José Dirceu ] Eu vejo que uma coalizão teria que ter instâncias, deliberar, discutir as políticas de governo, dirimir, escolher candidato. Eu pego a Concertación do Chile. É verdade que esta coalizão já vai para 20 anos daqui a pouco. Disputou várias eleições, já elegeu presidente quase que dos 3 partidos que pertencem à coalizão. Porque no Brasil, ou nós vamos ter isso ou nós vamos ter uma maioria de dois, três partidos, nós vamos lutar para que dois ou três partidos formem 251 deputados, 41 senadores, nós vamos continuar vivendo isso.Se nós somarmos a estrutura política como é – mandato individual praticamente, financiamento privado – somarmos essa realidade de que ninguém, nenhum partido faz maioria, os governos vão depender de nomeação para cargos, depender de emenda parlamentar. E é muito bom se ficar só nisso.


[ Ciro Gomes ] Era muito bom se ficasse só nisso.


Uma coalizão política tem que ter uma estratégia de país


[ José Dirceu ] Como você vê hoje o diálogo entre o PT e o PSDB?


[ Ciro Gomes ] Está bem melhor do que esteve num certo momento. Eu mesmo atuei muito fortemente porque temi muito aquilo que eu disse (o golpe), temi que os “respeitáveis” pudessem pegar o estratégico, o grave, o transcendental do país. Existe uma pequena nuance que nós precisamos estabelecer. Uma coisa é um governo sediado, como é o governo Lula, precisando tocar, solucionar os negócios do Estado hoje, agora. E é necessário – e agora, de novo, a dramaticidade da CPMF revela isso. As questões de Estado possuem essas emergências, essas complexidades, que exigem construção de maioria. Uma coalizão política tem que ter uma estratégia de país. Por exemplo, o PT tem direito, ou tinha naquela época, de canibalização, de escolher o presidente da Câmara? Quem diz que sim, quem diz que não? E como se pode dizer que não? É o maior partido, o partido do presidente, por quê não tinha o direito? Agora, o PC do B, um partido aliado, tinha o presidente da Câmara. Tinha direito de aspirar permanecer naquele lugar? Tinha, por que não? Como não há um instrumento claro e havia um quadro complexo, nós fomos divididos para esse embate dando prevalência as terceiras forças, que podem ser parceiras, mas que não partilham da mesma hegemonia moral e intelectual que nos reuniu num amplo espectro de centro à esquerda, com um pouco mais de ideologia, um pouco mais de preocupação estratégica, um pouco mais de ética. E naquele momento, houve essa confusão grave. Graças aos mesmos valores, isso está bastante atenuado hoje.


O que está em jogo é grave


[ José Dirceu ] O mesmo problema aconteceu com a disputa dentro do PT entre o Luiz Eduardo Greenhalgh com o Virgílio Guimarães. Houve a vitória do Severino, que a direita apoiou,jogou no nosso colo e nós não o apoiávamos. Mas ficou como se o Lula, o PSB e PC do B tivessem posto o Severino lá.


[ Ciro Gomes ] A idéia era botar o Severino para conceber o impeachment do Lula. A nossa sorte é que o Severino aderiu a nós.


[ José Dirceu ] A verdade é essa, nua e crua.


[ Ciro Gomes ] Eu me lembro que o Severino foi recebido com palmas, gente de pé, na FIESP. Lembro bem, a minha memória é implacável.


[ José Dirceu ] Nós estamos vivendo essa manipulação agora no Brasil, aberta e pública. Ela é feita com relação a disputas internas no PT, a uma série de denúncias, ao sistema eleitoral. Todos que são contra o chamado campo majoritário ganham manchetes nos jornais. Já quem não aderiu ao discurso da mídia, à moralidade udenista, não sai uma linha na imprensa.


[ Ciro Gomes ] Saiu uma lista discretíssima com tributos para a fundação do Fernando Henrique Cardoso, com valores inacreditáveis de R$ 500 mil da Sabesp. Inacreditáveis 500 mil reais da Sabesp.


[ José Dirceu ] Vamos tratar de uma última questão, Presidência da República em 2010. Eu concordo com o que você disse: o que interessa é o projeto, a continuidade de uma coalizão, que pode ser maior ou menor. É a garantia de que vamos realizar outro movimento, aprofundar as mudanças, que começaram com o primeiro mandato do Lula. Você vê chance de nós conseguirmos estabelecer, pelo menos entre o PT, PC do B, PSB, um espaço para isso?


[ Ciro Gomes ] Eu acho que não estaremos à altura da responsabilidade que o país espera de nós neste momento se nós não fizermos isso. O que está em jogo é grave. Primeiro, institucionalizar o avanço, que depende muito da personalidade do presidente Lula. Por exemplo, enquanto o Banco Central trabalhou, nesses quatro primeiros anos, para enxugar o crédito, Lula foi na contramão, pessoalmente, para expandir o crédito – para a agricultura familiar; para aposentados e servidores públicos, para a construção civil, que vive o momento mais rico na história do Brasil. Tudo isso eu vi o presidente Lula bancando na contramão, pessoalmente. No entanto, isso é muito débil do ponto de vista estratégico, de políticas públicas. A grande tarefa é institucionalizar.

A segunda grande tarefa é projetar a estratégia de desenvolvimento do Brasil, que o presidente Lula também já deu os indícios. Nós desmoralizamos a lógica neoliberal de não planejamento. O PAC é muito mais importante porque afirma a coordenação estratégica, o planejamento, do que propriamente pelo dinheiro. É um encerramento desse equívoco grave que quase arrebenta o país. É preciso fazer disso uma estratégia geral porque não vamos superar o GAP (atraso) tecnológico sem coordenação desse tipo; não vamos ser, enquanto país, protagonistas globais, se não fizermos isso.

E a terceira tarefa é não deixar – essa é tática, mas é grave – é não deixar a coalizão anti-povo, anti-nacional, voltar. E, por uma série de questões, eles são os favoritos. Tenhamos humildade, porque a disputa pela derrota é imbecil, além de irresponsável para com o país. Temos que dar uma certa faixa de autonomia ao Lula (no processo em 2010), porque a grande tarefa hoje é garantir que o presidente seja o protagonista que, espero, e que ele precisa ser.






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