Moro e a lettre - de - cachet - A primeira greve da história da França que pode assim ser caracterizada foi a dos relojoeiros, em 1724. Os patrões relojoeiros reagiram a ela localizando os que eles consideravam líderes e em seguida escreveram ao rei solicitando uma lettre - de - cachet que foi logo enviada. Algum tempo depois o ministro do rei quis anular a lettre - de - cachet e libertar os operários grevistas. Foi a própria corporação dos relojoeiros que então solicitou ao rei que não libertasse os operários e fosse mantida a lettre - de - cachet. Vemos, portanto, como os controles sociais, relativos aqui não mais à moralidade ou à religião mas a problemas de trabalho, se exercem por baixo e por intermédio do sistema de lettre - de - cachet sobre a população operária que está surgindo. No caso da lettre - de - cachet ser punitiva, ela tinha como resultado a prisão do indivíduo. É interessante notar que a prisão não era uma pena do direito, no sistema penal dos séculos XVII e XVIII. Os legistas são perfeitamente claros a este respeito. Eles afirmam que, quando a lei pune alguém, a punição será a condenação à morte, a ser queimado, a ser esquartejado, a ser marcado, a ser banido, a pagar uma multa, etc. A prisão não é uma punição. A prisão, que vai se tornar a grande punição do século XIX, tem sua origem precisamente nesta prática para - judiciária da lettre - de - cachet, utilização do poder real pelo controle espontâneo dos grupos. Quando uma lettre - de - cac het era enviada contra alguém, esse alguém não era enforcado, nem marcado, nem tinha de pagar uma multa. Era colocado na prisão e nela devia permanecer por um tempo não fixado previamente. Raramente a lettre - de - cachet dizia que alguém deveria ficar preso por seis meses ou um ano, por exemplo. Em geral ele determinava que alguém deveria ficar retido até nova ordem, e a nova ordem só intervinha quando a pessoa que requisitara a lettre - de - cachet afirmasse que o indivíduo aprisionado tinha se corrigido. Esta ideia de aprisionar para corrigir, de conservar a pessoa presa até que se corrija, essa idéia paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao nível do comportamento humano tem origem precisamente nesta prática.