Professor da UFPR debate as conclusões de pesquisa realizada
pelo Núcleo de Estudos Paranaenses
Daniel Giovanaz
Brasil de Fato | Curitiba (PR)
10 de Agosto de 2017 às 09:03
Artigo descreve a trajetória do juiz Sérgio Moro (foto),
além de procuradores e delegados que atuaram na Lava Jato / Fábio Rodrigues
Pozzebom
Rafael Braga foi o único brasileiro preso nas manifestações
de junho de 2013. Negro, pobre e morador de favela, o ex-catador de material
reciclável foi condenado
a 11 anos e três meses de prisão pelo suposto porte de maconha,
cocaína e material explosivo. Quatro anos depois, não resta comprovado que,
naquele dia, Rafael levava consigo algo além de produtos de limpeza. Ele
continua preso, à espera de um novo julgamento.
Breno Borges, filho da desembargadora Tânia Borges, teve
melhor sorte. Flagrado no dia 8 de abril com 129 quilos de maconha e 270
munições, além de uma arma sem autorização, o jovem branco foi julgado e solto
em menos de uma semana. A mãe dele, presidenta do Tribunal Regional
Eleitoral do Mato Grosso do Sul, é investigada por favorecimento na libertação
do filho.
Os vínculos familiares são determinantes para se entender as
dinâmicas dos campos político e judiciário no Brasil. Professor do Departamento
de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Ricardo Costa de Oliveira afirma que a origem social dos indivíduos está
relacionada a uma série de privilégios, hábitos e visões de mundo
compartilhadas.
A última pesquisa dele foi publicada esta semana na revista
Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP). O artigo “Prosopografia
familiar da operação Lava Jato e do ministério Temer” foi assinado em
conjunto com outros três pesquisadores: José Marciano Monteiro, Mônica Helena
Harrich Silva Goulart e Ana Christina Vanali.
De pai para filho
O texto apresenta uma biografia coletiva do juiz de primeira
instância Sérgio Moro, dos 14 membros da força-tarefa nomeados pela
Procuradoria-Geral da República e de oito delegados da Polícia Federal que
atuam no caso, além de ministros indicados pelo presidente golpista Michel
Temer (PMDB).
O aspecto mais relevante do artigo diz respeito aos vínculos
da operação Lava Jato com a elite econômica do Paraná. “Este seleto grupo de
indivíduos forma parte do 1% mais rico no Brasil, e muitos até mesmo do 0,1%
mais rico em termos de rendas”, descrevem os pesquisadores.
Políticos defensores da ditadura civil-militar e indivíduos
que atuaram no sistema de justiça durante o regime também aparecem na “árvore
genealógica” da Lava Jato. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, por
exemplo, é “filho do ex-deputado estadual da ARENA Osvaldo dos Santos Lima,
promotor, vice-prefeito em Apucarana e presidente da Assembleia Legislativa do
Paraná, em 1973, no auge da ditadura, quando as pessoas não podiam votar e nem
debater livremente”, segundo o texto. O pai de Carlos Fernando, assim como os
irmãos, Luiz José e Paulo Ovídio, também atuaram como procuradores no Paraná.
O professor Ricardo Costa de Oliveira conversou com a
reportagem do Brasil de Fato e debateu os resultados da
pesquisa. Confira os melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato - O que há em comum na biografia de todos
os personagens da operação Lava Jato analisados no artigo?
Ricardo Costa de Oliveira - Todos eles pertencem à alta
burocracia estatal. Há alguns, da magistratura ou do Ministério Público, que
ganham acima do teto [salarial do funcionalismo público, equivalente a R$ 33,7
mil por mês]. Com suas esposas e companheiras, eles estão situados no 0,1% mais
ricos do país.
Quase todos são casados com operadores políticos, ou do
Direito. Você só entende os nomes entendendo a família. É uma unidade familiar
que opera juridicamente, opera politicamente.
O juiz de primeira instância Sérgio Moro é um desses
exemplos?
O juiz Moro é filho de um professor universitário, mas
também é parente de um desembargador já falecido, o Hildebrando Moro. A mulher
do Moro, a Rosângela [Wolff], é advogada e prima do Rafael Greca de Macedo
[prefeito de Curitiba]. Ela pertence a essa importante família política e
jurídica do Paraná, que é o grande clã Macedo, e também é parente de dois desembargadores.
O artigo ressalta as coincidências entre a Lava Jato e o
caso Banestado [que investigou o envio ilegal de 28 bilhões de dólares ao
exterior]. Como isso ajuda a entender o papel da força-tarefa e do Judiciário
nas investigações sobre os contratos da Petrobras?
Boa parte deles também estiveram no [caso] Banestado. Foi
uma operação que desviou muito dinheiro e apresentou uma grande impunidade, ao
contrário de outros momentos. Até porque era outra conjuntura, outros atores
políticos que foram investigados.
O [procurador] Celso Tres era um dos maiores especialistas
nessas questões. Por que ele não foi convidado para entrar na Lava Jato? Porque
ele não tinha a homogeneidade político-ideológica que essa equipe tem. É uma
equipe que foi preparada para essa tarefa, não apenas jurídica, mas também
política - que na nossa leitura, é a perseguição, lawfare [“guerra
jurídica”] à esquerda, ao Partido dos Trabalhadores, ao ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Em relação aos vínculos com a ditadura civil-militar
[1964-1985], quais foram as constatações mais relevantes da pesquisa?
Os operadores da Lava Jato, bem como os jovens ministros do
governo Temer, são de famílias políticas. E os pais trabalharam, defenderam,
reproduziram e atuaram na ditadura militar. Os filhos herdam a mesma
mentalidade autoritária, o elitismo, o ódio de classe contra o PT.
Como pertencem ao 1% mais rico, eles sempre tiveram uma vida
muito luxuosa e beneficiada [pelas condições econômicas]. Estudaram em escolas
de elite, vivem em ambientes luxuosos, estudaram Direito, depois fizeram
concursos, com muito sucesso. Quando você tem pais no sistema, você tem
facilidades.
Por que incluir na mesma pesquisa os operadores da Lava
Jato e os ministros nomeados por Michel Temer?
Há uma conexão, no sentido de que é a mesma ação política da
classe dominante. Eles operam em rede. Há uma coordenação.
Por isso que é uma prosopografia [biografia coletiva]. Eles
são originários da mesma classe social, do mesmo círculo social, e eles
transitam nos mesmos ambientes empresariais, elitizados.
O juiz Sérgio Moro, por exemplo: onde é que ele atua quando
está em público? Em grandes publicações da mídia dominante burguesa, quando ele
está muitas vezes abraçado, cumprimentando efusivamente os membros do golpe [de
2016]. Você vai ver um juiz ou um membro da Lava Jato num acampamento
sem-terra? Ou num órgão alternativo da mídia, num sindicato de trabalhadores de
categorias braçais e manuais? Jamais.
—–
Tudo em família
Coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol é
filho de outro procurador de Justiça, Agenor Dallagnol. O procurador Andrey
Borges de Mendonça, que também atua na operação, é irmão do procurador Yuri
Borges de Mendonça. Outro membro da força-tarefa, Diogo Castor de Mattos, é
filho de um ex-procurador de Justiça, Delivar Tadeu de Mattos. O tio de Diogo,
Belmiro Jobim Castor, foi secretário de Estado várias vezes no Paraná nos anos
1970 e 1980.
O escritório de advocacia Delivar de Mattos & Castor é
dos mais conhecidos do Paraná. Nele também atuam os irmãos Rodrigo Castor de
Mattos e Analice Castor de Mattos.
Os vínculos familiares de Gebran Neto
Amigo e admirador confesso de Sérgio Moro, João Pedro Gebran
Neto é um dos desembargadores da 8ª
Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Ele será o relator
do processo conhecido como “caso triplex”, em segunda instância, cujo réu é o
ex-presidente Lula (PT).
Segundo pesquisa do professor Ricardo Costa de
Oliveira, o desembargador que atua no Rio Grande do Sul é filho de Antonio
Sebastião da Cunha Gebran e neto de João Pedro Gebran, ex-diretores-gerais da
Assembleia Legislativa do Paraná nos anos 1950 e 1970.
O casamento de João Pedro Gebran, em 1924, foi o
acontecimento que abriu as portas da família junto à classe dominante
paranaense. Foi quando eles passaram a ter relações com a antiga rede social e
política de sua esposa, Francisca Cunha, filha do coronel Francisco Cunha,
prefeito da Lapa na República Velha.
O avô do coronel Cunha era o comendador Manuel Antonio da
Cunha, primeiro prefeito da Lapa, em 1833, casado com a filha do 1º capitão-mor
da Lapa, o português Francisco Teixeira Coelho. Todas, famílias com origens
históricas no latifúndio escravista, aparentadas entre si - tais como a família
Braga, do ex-governador Ney Braga, e a família Lacerda, do ex-reitor e ministro
da Educação do início da ditadura, Flávio Suplicy de Lacerda.
Este material faz parte da cobertura especial da
operação Lava Jato. Clique
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Edição: Ednubia Ghisi