Bye, bye, Brasil
Elites se dissociam do destino nacional e consideram Temer de bom
tamanho para cuidar da única república que lhes interessa: a taxa real de juro
A elite se entediou
do Brasil.
Economistas de
bancos, gente bem sucedida de berço, executivos prestigiados estão se
desfazendo de ativos e participações no país e rumam para temporadas sabáticas
no exterior.
O comboio classe A
reedita no ‘formato pessoa física’ o percurso que o patrimônio, o chamado
dinheiro grosso, sempre fez e continua a fazer.
A explicação para o
enfado é a resiliência dos impasses que o golpe tarda a resolver.
Nada contra o
golpe, a nonchalance é … com o Brasil.
O país secularmente
marcado por crises recorrentes, desta vez não parece reunir tônus para superar
seus gargalos.
Pelo menos não do
ponto de vista descortinado do mirante dos que nunca sofreram na carne os
efeitos dos reveses pátrios, embora sempre tenham se beneficiado dos ciclos de
alta.
Persio Arida, o
ex-menino prodígio do Plano Real, doutor pelo Massachusetts Institute of
Technology (MIT), é um dos que afivelam malas em direção ao embarque
internacional.
Carrega na bagagem
a tranquilidade financeira de quem presidiu o BNDES no governo do PSDB.
De lá migrou junto
com a então esposa, Elena Landau (que dirigiu o plano de privatização tucano no
mesmo banco) para o Opportunity, de Daniel Dantas.
Ali, o casal de
tucanos exerceria a republicana função de orientar o capital estrangeiro na
compra de ações de estatais privatizáveis.
Arida está se desfazendo
também da participação graúda no conselho do BTG-Pactual, o banco que presidiu
quando o titular, André Esteves, foi preso por corrupção: compra de emendas no
balcão de Eduardo Cunha.
Na juventude nos
anos 70, o economista tucano, agora aos 65 anos, militou na resistência armada
à ditadura como membro da VAR-Palmares, a mesma organização da ex-presidenta
Dilma Rousseff, da qual diverge radicalmente hoje.
Definindo-se como
um liberal completo, ele deixa para trás as pendências materiais produzidas por
esse choque de ideias para um retiro em Oxford, na Inglaterra.
A partir de
setembro ministrará workshops na Blavatnik School of Goverment aproveitando o
tempo livre para escrever suas memórias.
Outro titã do Plano
Real, André Lara Resende, já decolou há mais tempo.
Foi viver, pedalar,
cavalgar e refletir sobre os impasses brasileiros longe do objeto em transe.
Primeiro, como fellow
scholar da Universidade de Oxford, na Inglaterra, para onde teria
levado seus cavalos de corrida a bordo de aviões fretados; mais recentemente,
como morador em Tribeca, nos EUA, e professor visitante da Columbia.
Sugestivamente,
Lara Resende também recheou o currículo com uma passagem na presidência do
BNDES, sob o governo tucano de FHC.
Em 1998 teve que
deixar o cargo, ejetado pelo escândalo da privatização da telefonia brasileira.
Como se recorda,
gravações envolvendo Fernando Henrique Cardoso e o então ministro das
Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, vieram à tona, então.
Numa delas, Lara
Resende fala em ‘acionar a bomba atômica’ (FHC) para obrigar um fundo ligado ao
setor público a apoiar um consórcio privado interessado nas teles.
Os diálogos
demonstraram que o BNDES e o governo como um todo teriam atingido o ‘limite da
responsabilidade’ (frase de Mendonça) nas articulações com grupos de interesses
no rateio de um negócio milionário.
Apesar das
suspeitas de favorecimento e enriquecimento ilícito de tucanos graúdos e seus
parentes miúdos, Lara Resende foi absolvido nas investigações.
O economista – que
já fora sócio de Luiz Carlos Mendonça de Barros na criação do banco Matrix, em
1993, de sucesso meteórico na era tucana — está no país para lançar seu
terceiro livro.
Intelectual
respeitado como uma das mentes mais inquietas do conservadorismo, ele inverte a
relação convencional que explica a anomalia do juro sideral praticado aqui como
consequência e remédio da inflação alta.
A tese do tucano,
que num primeiro momento assustou seus pares do mercado, é que ‘no Brasil o
juro alto virou o indexador de preços do mercado’.
Mas calma, não é
uma guinada esquerdista.
A aparente
heterodoxia converge por linhas tortas ao velho ninho seminal da narrativa
conservadora.
A origem do juro
alto — que indexaria a inflação — é o déficit público.
‘O país é viciado
no Estado’, diz o quadro tucano mais admirado por FHC.
‘O país gasta mais
do que arrecada’, reiterou em entrevista tranquilizadora para os centuriões
competitivos das mesas de operação.
A verdadeira
inversão causal que seria dizer ‘o país arrecada menos do que gasta’ nunca
esteve nas cogitações de Lara Resende.
Respiram aliviados
os endinheirados que, segundo estudos do Senado brasileiro, auferiram em 2016
cerca de R$ 334 bilhões em lucros e dividendos livres de qualquer tributação.
A lógica intocada
está na origem de uma crise avaliada por outro bico longo, José Serra – um dos
responsáveis por ela — como ‘pior que a de 1964’.
Desta vez, no
entanto, não são os perseguidos políticos que buscam os saguões do embarque
internacional.
O movimento, na
verdade, tornou-se perceptível porque atingiu, ademais de pavões e tucanos
ilustres, justamente círculos bem postos da classe média alta, sem falar dos
seus filhos, em eterna jeunesse dourée.
Fartos ou
indiferentes eles se despedem de uma nação posta de joelhos, para retiros mais
acolhedores, ainda que com menor grau acadêmico.
Miami e Lisboa
lideram as preferencias aqui, sendo a capital portuguesa listada nas
apreciações conservadoras, paradoxalmente, pelo bom momento econômico, social e
cultural propiciado por políticas heterodoxas.
Obra da coalizão de
esquerda que, sugestivamente, assumiu o poder português depois do fracasso de
um governo austericida.
Dados da Receita
Federal contabilizam 20.469 Declarações de Saída Definitiva do país só em 2016.
O salto é graúdo se
comparado às estatísticas do início da década: 8.510 saídas definitivas em
2011, por exemplo.
Mais que a escala,
importa ressaltar aqui a qualidade da resposta conservadora a um desmanche que
ajudou a semear com afinco, mas de cuja colheita agora prefere manter-se à
distância.
São tempos
interessantes.
Na letra miúda do
descaso elitista com a sorte da nação define-se, por contraposição, o
verdadeiro lastro à pertinência da ideia de Estado, democracia e
desenvolvimento em nosso tempo.
Quem de fato
sustenta essa sobrevivência porque dela necessita como a corrente sanguínea
precisa dos músculos cardíacos para não coagular é o povo brasileiro.
A maciça, esférica
maioria de homens, mulheres, idosos, jovens e crianças do país não pode
prescindir desses ‘anacronismos’, no dizer neoliberal, sob pena de se tornarem
eles próprios anacrônicos na fila cada vez mais estreita e seletiva do ingresso
ao estado das artes da civilização.
A indiferença dos
de cima complica sobremaneira o acesso dos que dependem da construção uma
república de todos nestes 8,5 milhões de kms2 de segregação e riquezas
desigualmente auferidas.
Se vivo, o coronel
Pedro Nunes Tamarindo, protagonista da Guerra dos Canudos (1896-1897),
perfilaria ao lado dos Aridas e Resendes que se escafedem, a bradar o famoso
bordão: ‘É tempo de murici, que cada um cuide de si’.
A evocação à
debandada corresponde ao empoçamento do futuro para a grande Canudos cuja sorte
está atada à superação progressista dos gargalos do desenvolvimento brasileiro.
Da servidão
rentista do século XXI ela não se livrará pela lógica de mercado.
Pelo menos é o que
se pode depreender da estratégia que gestores de fortunas reservam ao pecúlio
sob a sua guarda.
Luis Stuhlberger,
dirigente e estrategista do fundo Verde é um caso ilustrativo de exílio
financeiro dentro do próprio país.
Ele tem a guarda de
algo como R$ 20 bilhões em espécie de ricaços e empresas.
Mas não se dispõe a
correr nenhum risco com investimentos de longo prazo, desses que o país
necessita desesperadamente para sair do pântano recessivo.
Sua escolha
alinha-se a lógica dos que batem asas de costas para a encruzilhada nacional,
reduzindo os laços à frequência e intensidade do hotmoney de
estadia curta.
‘A única coisa que
tem no fundo hoje é uma posição grande –metade do fundo– em NTN-B com
‘duration’ (prazo médio) curta. De Brasil é isso. Tenho CDI com NTN-B. Nem
diria que é uma aposta (são papéis de autoproteção)’, explica o estrategista do
‘Verde’, um dos maiores fundos de ‘investimento’ do país.
O exílio do
dinheiro grosso na dívida pública é um garrote vil.
Para garantir a
remuneração da riqueza privada, que tem na dívida pública a sua contrapartida
de miséria, o mercado, a mídia e a escória política fizeram uma sublevação e
derrubaram uma Presidenta honesta.
Substituíram-na por
um plantel de achacadores profissionais da política.
Agora, nem o Estado
investe em infraestrutura, nem os gestores privados querem correr o risco,
preferindo exortar as tarraxas do arrocho.
Câmbio favorável à
exportação, previsibilidade fiscal, taxa de juro civilizada incluem-se entre os
ingredientes da difícil calibragem macroeconômica de qualquer nação em luta
pelo desenvolvimento.
Mas a verdade, a
dura verdade, é que não bastam; sobretudo, não brotam jamais dos ‘impulsos’ do
próprio sistema cantado pelos sacerdotes dos ‘mercados racionais’, como mostra
o raciocínio dos gestores da riqueza na hora do aperto.
Enfim, a crise
econômica atual não se explica nem se resolve nela mesma.
Atribuir a
pasmaceira do país exclusivamente aos ‘erros da Dilma’ – ilusão ruminada
inclusive por segmentos à esquerda; ou o cacoete daqueles que transpirando
preconceito de classe acusam o ‘voluntarismo lulopopulista’ de responsável
pelos gargalos estruturais de um dos sistemas econômicos mais injustos da face
da terra, são miragens de quem se recusa a encarar o deserto a transpor e
prefere retiros confortáveis enquanto a guerra civil se arma por aqui.
Os riscos
decorrentes são enormes.
Num extremo
encontram-se as saídas voluntaristas, de verbalização tão simples quanto falsa.
No outro, a
‘rendição dos sensatos’, esses que aparentando responsabilidade descartam
irresponsavelmente qualquer alternativa ao armagedon recessivo
exigido pelos mercados.
A colonização dos
partidos de esquerda por essa lente embaçante de dupla película é uma das
tragédias do nosso tempo.
‘O ponto
importante’, explica o pensador marxista István Mészàros, ‘é que eles (os
mercados capitalistas) vêm praticando orgias financeiras como resultado de uma
crise estrutural do sistema produtivo’.
Insista-se: a terra
em transe resulta de um traço estrutural do sistema capitalista nos dias que
correm.
Ou, na síntese
iluminadora de Mészàros: ‘A acumulação de capital não pode mais funcionar
adequadamente no âmbito da economia produtiva’.
Seu apetite só se
satisfaz na voragem de uma dança financeira descolada da produção.
Essa que capturou o
Estado brasileiro para ser a negação da alavanca permeável ao interesse popular
na luta por desenvolvimento e justiça social.
Resulta daí o
impasse protagonizado por endinheirados que nem investem, nem permitem a tributação
da riqueza para que o Estado possa fazê-lo.
Como formular e
implantar uma política de desenvolvimento focada na construção de uma
democracia social nesse ambiente de beligerância constitutiva?
Como fazê-lo contra
um adversário capacitado a exercer, como de fato exerce pelas prerrogativas
midiáticas e financeiras de que dispõe, seu poder de veto sobre as urnas,
partidos, governos e o discernimento social?
O resultado dos
desencontros é a crise.
Sobra capital
especulativo no fundo Verde atado a títulos de ‘duration’ curta, de um lado.
De outro, a
sociedade carece de infraestrutura, serviços, emprego e renda.
No arremate, a
retração da atividade reduz ainda mais a margem de ação fiscal do governo.
Não por acaso, o
golpe que veio corrigir a ‘gastança’ debate-se em sérias dificuldades para
conter o déficit fiscal dentro da meta de R$ 139 bilhões, dependendo para isso
de receitas extras que compensem a arrecadação aguada pela retração econômica.
Sem consertar o
motor do desenvolvimento brasileiro o comboio não sairá do atoleiro.
Não se trata de uma
falha mecânica, porém, mas de um desastre deliberado.
Decorridos 53 anos
do golpe militar de 1964, quando tentou pela última vez modelar um país à sua
imagem e semelhança, as elites se conformaram em fincar no endividamento
público que tanto criticam seu porto seguro histórico.
Essa escolha custa
7% do PIB ao ano.
Juros e rolagem
pagos em detrimento de outras prioridades cuja postergação gera múltiplos desse
custo, conduzindo a espiral do apartheid em curso nas vísceras da nação.
A tolerância
conservadora com quase uma década de políticas progressistas esgotou o prazo de
validade quando ficou claro que a crise de 2008 marcava o crepúsculo da ordem
neoliberal no mundo.
O comércio
internacional cuja expansão feérica, duas vezes maior que a do PIB global,
funcionou como força acomodatícia dos conflitos de classe secou seu poder
lubrificante.
A consequente
atrofia da receita fiscal deixou três opções ao passo seguinte do
desenvolvimento brasileiro: I) endividamento público desestabilizador; II)
reformas progressistas com taxação adicional da riqueza, ou III) um arrocho
fiscal drástico.
‘O Brasil gasta
mais do que arrecada’ tornou-se o bordão da opção que partiu para inviabilizar
a ação do governo petista, declarando guerra aberta à Presidenta Dilma Rousseff
já na metade final de seu primeiro governo.
O estopim foi a
decisão presidencial, em 2012, de contornar a saturação do gasto público
impondo ao mercado financeiro uma queda expressiva do juro e do crédito, a
partir dos bancos estatais.
A manchete garrafal
do jornal O Globo do dia sete de maio de 2012 trazia como
resposta uma declaração de guerra ao governo: ‘Bancos reagem a Dilma e não
garantem crédito maior’.
Em pronunciamento
em horário nobre seis dias antes, no 1º de Maio, a Presidenta criticara o que
chamou de ‘lógica perversa’ do sistema financeiro.
Foi além:
qualificou de ‘roubo’ as tarifas cobradas para administrar fundos de
investimento e pediu queda urgente das taxas de juros.
Ato contínuo, o
Banco do Brasil anunciaria o seu terceiro corte indutor nas linhas de
empréstimo.
A resposta do
sindicato dos banqueiros (a Febraban) desaguava na insolência: não garantiria a
oferta de crédito pedida pelo governo para assegurar o crescimento econômico.
E espicaçava: ‘Você
pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber a
água’.
Era a ordem unida à
greve branca do capital, contra o projeto de desenvolvimento com cidadania para
todos.
Uma parte da adesão
ao lockout explica-se pela existência efetiva desequilíbrios
macroeconômicos acumulados desde os anos 90.
Um exemplo: o
câmbio valorizado.
Ademais de
incentivar importações baratas, ele atrofiou a exportação, subtraiu demanda à
indústria local, levou a uma integração desintegradora com as cadeias globais
de suprimento e tecnologia.
Em vez de investir,
fabricantes trocaram máquinas por guias de importação. E se tornaram sócios do
endividamento público, aplicando sobras de capital em títulos, não em
capacidade produtiva, empregos ou inovação.
As distorções
explicam em parte os impasses da industrialização e do desenvolvimento nos dias
que correm.
Mas não explicam
tudo.
Quem vê no
capitalismo apenas um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca
ao seu funcionamento derrapa no economicismo.
Ele subestima
aspectos cruciais da encruzilhada atual.
Destravar um novo
ciclo de investimento no país envolve – ademais da retificação de distorções
desindustrializantes — uma disputa para mudar o comando do sistema financeiro
na economia.
Que se completa com
uma nova relação fiscal do Estado com a riqueza da plutocracia.
Essa que aderiu à
ciranda rentista e dela não abdicará espontaneamente, necessitando ser tangida
por instrumentos fiscais e de controle da conta de capitais — para evitar fuga
de recursos e queima de reservas.
O que se instalou
com o golpe de agosto de 2016 foi o oposto disso.
Uma democracia
garroteada, humilhada e tutelada, de um lado, por juízes e mídia partidarizada;
de outro, por uma escória parlamentar a serviço do mercado, que transformou o
Congresso em uma assembleia permanente contra o povo.
O arrocho contido
na PEC do Teto, que congela em termos reais orçamentos de serviços públicos
subfinanciados, como é o caso da saúde, ilustra essa deriva programada do futuro
da sociedade.
O banqueiro Roberto
Setúbal explicitou a dissociação elitista com as consequências dessa engrenagem
ao declarar ao jornal Valor Econômico no último sábado
(24/06): ‘O momento é difícil, complexo, bem atrapalhado. Mas a economia está
funcionando; as políticas são corretas, mantendo mais ou menos as coisas bem
equilibradas. Houvesse políticas confusas, o problema seria maior’.
Às favas o fato de
o país rastejar no fundo do precipício com um governo composto de achacadores,
abrigar uma bomba social de 14 milhões de desempregados, ter R$55 bilhões em
obras públicas paralisadas e um presidente aprovado por apenas 7% da sociedade.
Dá para levar, diz
o dono do maior banco do país: ‘Houvesse políticas confusas, o problema seria
maior’.
É tempo de murici,
grita igualmente o sujeito oculto do golpe de 2016, o ex-presidente tucano,
Fernando Henrique Cardoso.
Diante de um Brasil
em ponto de desmanche, ele atualiza a teoria da dependência que defendeu como
sociólogo nos anos 60 e personificou como presidente da República nos 90.
Agora, dando ao
entreguismo uma dimensão salvacionista.
‘“O que puder
privatizar, privatiza, porque não tem outro jeito. Essa não é minha formação
cultural, mas não tem mais jeito, ou você realmente aumenta a dose de
privatização, ou você vai ter de novo um assalto ao Estado pelos setores
políticos e corporativos’, disse em declaração oportunista à imprensa dia
22/06.
É esse Brasil
mantido em um formol de iniquidade, congelado fiscalmente pelo custo de uma
dívida contraída junto a quem deveria ser taxado, decepado de ferramentas
estatais indutoras do desenvolvimento que explica o descrédito popular na
política e no futuro, emulado pela panaceia de um combate à corrupção cuja
finalidade principal – que nem Moro disfarça mais — consiste em excluir o nome
de Lula da cédula de 2018.
Titãs do mercado
financeiro, competitivos estrategistas de fundos e bancos são assertivos em
dizer que o futuro vai demorar muito para visitar de novo os trópicos.
A estagnação
secular do mundo ricos, prevista por Larry Summers, ex-conselheiro econômico de
Obama, como resultado de mudanças estruturais na economia e na sociedade
coaguladas pela desordem neoliberal, chegou antes.
E durará tanto
quanto seu cicerone político quiser um conservadorismo que se protege entre a
dívida pública – em títulos de ‘duration’ curta — e o aeroporto.
Deixa aos da terra
o emprego instável, informal e mal remunerado, característico da recuperação atual
na Europa e nos EUA – aqui replicada a ferro e fogo pela reforma trabalhista
que pretende implodir a CLT.
O engessamento de
um Estados endividado e sem espaço para promover investimentos contracíclicos é
outro garrote, cuja cristalização local representa a própria razão de ser do
golpe.
A existência de
elevada capacidade ociosa na indústria mundial e chinesa desautoriza, ao mesmo
tempo, expectativas de expansão pela alavanca das exportações.
Sobra o quê?
O saldo desse
capitalismo deixado à própria sorte – livre mercado — é o ‘murchamento’
produtivo, coroado por desigualdade crescente, uma regressão ordinária do
trabalho e a tensão social permanente, embebida em nitroglicerina de marcas
variadas: ódio de classe, xenofobia, guerra de tráfico, racismo, intolerâncias
de gênero e outras ressurgências nazistas.
Mas pode ser
diferente.
O Brasil tem
trunfos com escala e densidade suficientes para ocuparem o motor de um novo
ciclo de expansão industrializante, em sintonia com a revolução 4.0 que combina
biotecnologia, informatização e robótica.
A reciclagem de seu
sistema agrícola em práticas e manejos agro-sustentáveis é um exemplo; outro, o
potencial de inovação e de transição para uma matriz verde contido no
desenvolvimento da cadeia do pré-sal.
O requisito capaz
de interligar esse potencial a um novo ciclo de desenvolvimento é a soberania
na condução de suas possibilidades industrializantes.
Sem isso o futuro
se esfarela nas remessas imediatistas das grandes corporações
Como está planejado
para acontecer, graças ao projeto de liberação de terras aos estrangeiros, por
exemplo; e do desmonte do modelo soberano de partilha do pré-sal.
Retomar os espaços
de soberania e planejamento democrático constitui, assim, o requisito de vida
ou morte diante desse cerco.
Para retirar essa
chance do reino das ideias é vital reconhecer que os ciclos históricos tem um
começo e tem um fim.
Vivemos essa
intersecção típica em que o novo ainda não emergiu e o velho já não tem o que
propor ao futuro.
O golpe é a
manifestação mórbida mais explícita dessa encruzilhada.
Sacrificar 90% da
sociedade para gerar riqueza em benefício de 1% é o que os donos do dinheiro
tem a oferecer ao século XXI brasileiro. Alguns o fazem da forma mais cínica
acenando da escada do avião.
Não há nada mais
importante nesse momento do que organizar a capacitação do campo progressista
para enfrentar a severidade dessa quadra histórica.
Ela requer o
desassombro político para enxergar na debandada dos ‘entediados’ mais que um
traço pitoreco da crise.
O auto-exílio financeiro
aqui dentro mostra que é muito mais grave que isso.
Políticas de
congelamento fiscal da nação em nitrogênio de arrocho por décadas informam a
dimensão totalizante da revoada dos bacanas para remansos sabáticos no
exterior.
Definitivamente, as
elites abdicaram das responsabilidades e valores compartilhados que distinguem
um ajuntamento demográfico de uma nação democrática e inclusiva.
Aquilo que nos
devora, que nos faz girar em círculos até a prostração, é a hesitação diante da
tarefa incontornável que essa abdicação cobra.
Em 12 anos de
governos de centro esquerda foram dados passos efetivos na construção da nova
fronteira de soberania por aqui: aquela calcada na justiça social e em alianças
internacionais progressistas.
Descuidou-se,
porém, do indispensável: a contrapartida da organização popular para sustentar
e adicionar avanços a esse percurso.
O armagedon penetrou
por essa fresta.
O Brasil só
retomará seu desenvolvimento se esse erro for retificado sem hesitação, nem
sectarismos, por uma frente democrática e popular que se proponha, claramente,
a assumir a frente da nação e o comando do seu desenvolvimento.
Inclua-se nisso a
disposição de negociar uma repactuação do desenvolvimento com todos os
segmentos empresariais locais e estrangeiros; mas a partir dessa condição
hegemônica organizada e programática.
Dotada dos
instrumentos democráticos de Estado necessários ao exercício dessa hegemonia.
Portanto, não é
obra que se possa atribuir a uma liderança ou a um partido isolado.
O Brasil necessita
urgentemente viabilizar um novo braço coletivo.
Que seja maior do
que a soma das partes, capaz de sacudir o torpor da esquerda, afrontar a
soberba da direita, abrir espaço à organização popular e assim preencher o
vácuo de futuro e esperança no qual a elite pretende asfixiar o destino de mais
de 200 milhões de pessoas na oitava maior economia do planeta.
A travessia requer
a força e o consentimento que só podem ser obtidos se a tendência à
fragmentação for substituída pela construção urgente de um amplo palanque
presidencial progressista.
Trata-se de reunir
desde já todos os potenciais candidatos das forças democráticas, populares,
socialistas, comunistas e nacionalistas.
Para fazer da
campanha contra o golpe não o subtexto de uma gincana fratricida.
Mas a definição de
uma nova referência de credibilidade histórica na vida da sociedade.
Na qual a nação se
reconheça.
Porque reúne
projeto e densidade organizativa para conduzir a reconciliação de todos os
segmentos sociais interessados no sonho irresistível que é desfrutar uma
verdadeira democracia social em seu próprio lugar e em sua própria vida.